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O advogado e o exercício do voto nas eleições da OAB

(o voto dos inadimplentes nas eleições da OAB alagoana em 1997)

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Agenda 01/12/2000 às 00:00

3. Da Eleição. Votantes, não votantes e o eleito.

Dentro da expectativa gerada pela eleição, na qual os contendores fizeram propaganda paga até no horário mais caro da televisão brasileira - Solange e Humberto veicularam peças publicitárias na concessionária da TV Globo, domingo, no horário do Fantástico - e com o clima acirrado, a porta da OAB virou a atração do dia. Torcidas organizadas, policiais à paisana, repórteres de rádios, tv’s e jornais se postaram na frente da sede da instituição. Todos os candidatos aproveitaram os meios de comunicação para pedir os votos dos inadimplentes. Humberto Eustáquio, por ser "enteado" do presidente das organizações Arnon de Mello, concessionária da Globo, teve espaço redobrado. Os demais falaram resumidamente na emissora. A TV Alagoas postou uma equipe externa na porta da entidade e dava flashes, ao vivo, de meia em meia hora. Sindicalistas foram presenciar o andamento da votação e queriam a todo custo saber como foi que os inadimplentes tiveram o direito de votar. Os ânimos se acirravam e as maiores torcidas, quase todas pagas, eram dos candidatos Cordeiro, Solange e Humberto Eustáquio.

No início dos trabalhos de votação o candidato à Vice-Presidente da Chapa Reagir, Everaldo Patriota, perante a Comissão Eleitoral, acusou o candidato Humberto Eustáquio (Chapa Advocacia e Cidadania) de estar se utilizando de capangas armados, vestidos com a camiseta do candidato, para fazerem cabalagem de votos.

Às 17:00h. a votação acabou e uma hora depois o resultado foi conhecido: Humberto Eustáquio, o candidato da situação, que lutou para impedir o voto do inadimplente, era o novo presidente da OAB/AL. Márcio Guedes, o "candidato dos inadimplentes", o único que defendeu na justiça o direito de sufrágio destes e lutou até o último momento para garantir o "direito de voto a todos os advogados", como dizia em seu outdoor lançado às vésperas das eleições, ficou em último lugar. Solange ficou em segundo, seguida de Cordeiro e Raimundo Palmeira.

A eleição se deu em duas urnas eletrônicas, por seção, cedidas pelo TRE/AL. A urna "A" era para coleta dos votos dos advogados em dia com a anuidade. A urna "B" se destinava à votação dos inadimplentes. O resultado do pleito, na capital e no interior, foi o seguinte:

A) No Interior:

Candidato

voto "A"

Voto "B"

TOTAL

1. Humberto Eustáquio S. Martins

96

39

135

2. Solange Bentes Jurema

30

12

42

3. José Cordeiro Lima

35

22

57

4. Raimundo Antonio Palmeira

04

03

07

5. Márcio Guedes de Souza

07

02

09

BRANCOS E NULOS

5

6

11

B) Na Capital:

Candidato

voto "A"

Voto "B"

TOTAL

1. Humberto Eustáquio S. Martins

488

188

676

2. Solange Bentes Jurema

509

202

711

3. José Cordeiro Lima

297

154

451

4. Raimundo Antonio Palmeira

76

38

114

5. Márcio Guedes de Souza

48

38

86

BRANCOS E NULOS

18

27

45

C) Resultado final:

Candidato

voto "A"

Voto "B"

TOTAL

1. Humberto Eustáquio S. Martins

584

227

811

2. Solange Bentes Jurema

539

214

753

3. José Cordeiro Lima

302

176

508

4. Raimundo Antonio Palmeira

80

41

121

5. Márcio Guedes de Souza

55

40

95

Brancos/ Nulos

23

33

56

Considerando que pela OAB/AL 1999 advogados estavam adimplentes e 1800 eram devedores, observamos que o índice de comparecimento entre os eleitores do intitulado grupo "A" foi de 79,18 % enquanto 40,6% dos eleitores do grupo "B" compareceram para depositar seu voto nas urnas. Pode ser fruto da impossibilidade de comunicação do direito que lhes foi albergado por decisão judicial. Pode ser que não, apenas desinteresse, ou vergonha de ir votar.


4. Análise dos resultados. Como se portou o inadimplente ? Conclusões e reflexões.

Dos resultados parciais pode-se inferir que:

O inadimplente votou em quem e por quê ? Por que o inadimplente, que nunca pôde votar nas eleições da OAB, não votou no candidato que lutou por seus direitos na Justiça Federal ?

Visando ter uma noção sobre esses questionamentos, mas sem ter a pretensão de preparar uma pesquisa cientificamente perfeita, foi feito um questionário sucinto e respondido por trinta inadimplentes, da capital e interior, questionados por telefone.

Quatro perguntas foram feitas: a) em quem votou; b) qual a razão do seu voto; c) sabia que o voto do inadimplente foi conseqüência de uma ação judicial intentada pela Chapa "Reage Advogado" ? d) qual a sua opinião sobre o candidato Márcio Guedes e por que não votou nele ?

As respostas coletadas foram as seguintes:

Em quem votou ?

O motivo do voto?

Sabia que o voto do inadimplente foi motivo por uma ação judicial intentada pela Chapa "Reage Advogado" ?

O que acha do ex-candidato Márcio Guedes e por que não votou nele?

Por que não votou em Márcio Guedes ?

Sobre o questionário pode-se concluir que a imagem do candidato da Chapa "Reage Advogado" é boa - 50% dos entrevistados concederam conceitos positivos à pergunta de número 2, 40% o qualificaram negativamente e 10% não souberam opinar -. Inobstante isso, o que motivou o voto do inadimplente foi o contato e o conhecimento pessoal do candidato - 17 votos -, e não as suas idéias.

Mas o dado mais interessante da pesquisa é o de que apenas 06 (seis) dos inadimplentes confessaram que votaram pela consciência e 16 (dezesseis) disseram que votaram a pedido do candidato ou por correligionário, o que confirma a tendência de se votar em quem lhe pede pessoalmente o voto, reafirmando o resultado do quesito sobre o motivo pelo qual o candidato da Chapa "Reage Advogado" não foi votado.

Essas respostas fazem sentido e justificam os fatos que ocorreram na eleição. Foi apurado que enquanto um candidato lutava na Justiça pelos votos dos inadimplentes, três outros trataram de ligar pessoalmente ou por correligionários para a casa destes, no final de semana anterior à eleição. Solange Jurema e Humberto não saíram dos comitês e arregimentaram quase 50 pessoas cada um para pedir voto por meio de telefone. Apenas Raimundo Palmeira e Márcio Guedes assim não o fizeram. Suas votações foram inexpressivas. No caso de Márcio Guedes o ataque foi mais feroz. Até Conselheiros de sua chapa foram instados a não votar nele, sob a alegação de estar dividindo as oposições, sendo alcunhado de candidato "laranja" por membro da chapa da candidata Solange Jurema.9

Mais do que uma intenção de voto, surge uma questão. Por que o advogado, uma categoria de nível superior, não vota pelas idéias e, tal como se fosse um alienado, ou um analfabeto, vota pela emoção e não pela razão?

No processo que gerou a concessão da liminar, indo até a sua cassação, Humberto Eustáquio e Solange Jurema foram acusados de tentar impedir o voto dos inadimplentes. Humberto, ao contestar a decisão do eminente magistrado, através da OAB. Solange, que foi acusada de se ter utilizado de sua amiga Ana Florinda, juíza estadual e esposa do magistrado que concedeu a primeira liminar, para pedir ao mesmo o julgamento prematuro do mérito e de forma contrária ao direito de voto a todos os advogados. A imprensa noticiou todos esses fatos. Os candidatos trataram de propagá-los. Mesmo assim Humberto e Solange foram os mais votados entre os adimplentes e os inadimplentes. Qual o motivo ? Pedidos, trocas de favores ?

É de se salientar que o voto do advogado é obrigatório. Tendo o direito de votar deve às urnas se dirigir, sob pena de aplicação de multa pesada. Poder-se-ia então dizer que tem absoluta razão o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello ao afirmar que:

"O voto obrigatório apresenta inconvenientes óbvios. Desde logo, é o melhor aliado da utilização do poder econômico como recurso eleitoral. Com efeito, o eleitor que necessita ser ameaçado de sanções para votar, ou que precisa ser arrastado às urnas pelos candidatos, dado o escasso ou nenhum interesse em fazê-lo sponte propria, demonstra de modo evidente que valoriza o próprio voto e que não tem consciência alguma de sua importância. Daí que dele disporá, sem resistência ou constrangimento, em troca de benefícios ou comodidades materiais, os quais serão tanto mais facilmente ofertáveis quanto maiores forem os recursos econômicos que o candidato possa mobilizar para tal fim....Quem não se sente interiormente estimulado para escolher um mandatário, é porque não atribui significado político a este comportamento ou sequer tem consciência disso, razão por que, compelido ao voto, com maior facilidade do que outros facilmente sufragará qualquer pessoa de notoriedade, seja no âmbito esportivo, radiofônico ou televisivo, sem que seu sufrágio esteja a exprimir o correlato gesto de cidadania."10

Será que a eleição da OAB/AL, por ser atípica, merece um estudo mais aprofundado, eis que o comparecimento do inadimplente à seção de votação foi de apenas 40% ?


NOTAS

1. Conf. Edital CE 02/97, publicada no D.O E./AL de 21.10.97, pg. 48.

2. Resolução publicada no D.O . E./AL de 12.09.97, pg 40.

3. Segundo José Affonso da Silva em seu "Curso de Direito Constitucional Positivo" , Malheiros, p. 311, 9ª Ed., "o sufrágio censitário concede-se apenas ao indivíduo que preencha determinada qualificação econômica; posse de bens imóveis, de determinada renda ou pagamento de certa importância de imposto direto"

4. Proc. 97.006564-2 1ª Vara da JF em Alagoas, pg. 12. e 13

5. TAVARES, José Antonio Giusti. "Sistemas Eleitorais nas democracias contemporâneas: teoria, instituições, estratégia.", Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, pg. 81

6. Julgando a apelação, em 1999, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgou improcedente a apelação mantendo a proibição de voto dos inadimplentes.

7. No entender de Hamilton Elliot Akel,, em seu "O poder Judicial e a criação da norma individual", Saraiva, 1995, pg. 43. "uma interpretação sociológica e teleológica da norma leva em consideração a estrutura momentânea da situação, de forma a promover sua adaptação às novas exigências sociais, dando-lhe operacionalidade".

8. No entender de Cláudio e Solange Souto na sua obra "Sociologia do Direito – uma visão substantiva", Sergio Fabris, Porto Alegre, 1997, pg. 242. o "direito alternativo é o direito quando desviante de leis ou decisões estatais, ou de "leis"ou decisões de grupos sociais não-estatais (as quais por sua vez, lhe seriam também desviantes)...é o desvio aberto do sistema normativo estatal, é o contra legem – que se pode atuar, explícita ou implicitamente, em nome da justiça social"

9. Informação dada pelos candidatos ao conselho da chapa Reage Advogado, sr. Edmar Soares Baracho e Valdecir Manoel dos Santos.

10. BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. "Representatividade e Democracia". In Direito Eleitoral/coordenadores Cármen Lúcia Antunes Rocha e Carlos Mário da Silva Velloso, Belo Horizonte, Del Rey, 1996, pg. 43.


BIBLIOGRAFIA

LIVROS E ARTIGOS

AKEL. Hamilton Elliot. "O poder Judicial e a criação da norma individual", Saraiva, 1995, São Paulo.

BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. "Representatividade e Democracia". In Direito Eleitoral/coordenadores Cármen Lúcia Antunes Rocha e Carlos Mário da Silva Velloso, Belo Horizonte, Del Rey, 1996.

SILVA. José Affonso da. "Curso de Direito Constitucional Positivo", São Paulo Malheiros, 9ª Ed., 1995.

SOUTO. Cláudio e Solange. "Sociologia do Direito. Uma visão substantiva", Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2ª Ed., 1997.

TAVARES, José Antonio Giusti. "Sistemas Eleitorais nas democracias contemporâneas: teoria, instituições, estratégia.", Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994.

OLIVEIRA, Luciano. "Ilegalidade e direito Alternativo. Notas para extrair alguns Equívocos".

DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA

EDITAL DA COMISSÃO ELEITORAL Nº 02/97, publicada no D.O E./AL de 21.10.97, pg. 48.

RESOLUÇÃO OAB Nº 01/97 publicada no D.O . E./AL de 12.09.97, pg 40.

PETIÇÃO INICIAL DO Proc. 97.006564-2 1ª Vara da JF em Alagoas, DA LAVRA DO AUTOR DA MONOGRAFIA.

Sobre o autor
Márcio Guedes de Souza

procurador do Estado de Alagoas, mestre em Direito Público pela UFAL/UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Márcio Guedes. O advogado e o exercício do voto nas eleições da OAB: (o voto dos inadimplentes nas eleições da OAB alagoana em 1997). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -943, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/302. Acesso em: 24 nov. 2024.

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