Recentemente o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a ADI n.º 2886, cujo objeto era a análise de dispositivos da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (LC 106/2003). Dentre os dispositivos encontrava-se o artigo 35, inciso IV, da referida Lei Complementar Estadual, que assim se encontra redigido, in verbis: “Art. 35 - No exercício de suas funções, cabe ao Ministério Público: (...) IV - receber diretamente da Polícia Judiciária o inquérito policial, tratando-se de infração de ação penal pública;”.
Mister salientar que até o momento o referido acórdão ainda não foi publicado, o que facilitaria a análise dos argumentos de cada um dos Ministros acerca do tema em comento.
Não obstante, é certo que a lei orgânica do Ministério Público do Rio de Janeiro vai de encontro com o artigo 10, §1º do Código de Processo Penal, que assevera, in verbis: “art. 10. (...) § 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente”.
De todo modo, a doutrina sempre foi unânime em afirmar que a segunda parte do §1º, do artigo 10 do Código de Processo Penal não teria sido recepcionada pela Carta Política de 1988, haja vista o sistema penal acusatório nela adotado, de modo que o Juiz deve ficar o mais afastado possível da fase inquisitiva.
Neste particular, merece uma breve transcrição das lições do professor Marcellus Polastri Lima quando analisa o sobremencionado dispositivo, porquanto vejamos, verbis: “Após a elaboração do relatório os autos deverão ser enviados à Justiça, sendo questionável a constitucionalidade da regra do art. 10, §1º, segunda parte, que determina o encaminhamento ao juiz competente, em vista do disposto no art. 129, I, da CF. Assim, preservando-se a função imparcial do juiz, própria do modelo acusatório adotado pela Constituição, o inquérito deveria ser encaminhado diretamente ao Ministério Público.”[1]
Com efeito, os doutrinadores modernos têm se posicionado pela tramitação direta do inquérito policial, uma vez que o Juiz deve permanecer sempre imparcial, sendo certo que, se o Juiz eventualmente tiver contato com as peças de informações angariadas em sede policial, poderá se tornar parcial e prejudicar a defesa ou quiçá a própria acusação.
Daí muitos Estados Brasileiros, entendendo essa contradição do Código de Processo Penal com o sistema acusatório, terem legislado sobre a tramitação direta, como é o caso do Rio de Janeiro que, inclusive, editou a Resolução n.º 786, de 02 de dezembro de 1997, regulamentando como seria esse processamento.
Existe também, em âmbito federal, a Resolução n.º 063/2009, do Conselho de Justiça Federal, que regulamenta a tramitação direta do inquérito policial entre o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, o que demonstra – corretamente, diga-se de passagem - que a tramitação direta sempre foi uma tendência brasileira.
De todo modo, como ainda não foi publicado o acórdão do mencionado julgamento, não tivemos acesso ao conteúdo dos votos dos Ministros, de modo que não sabemos quais os fundamentos invocados por Suas Excelências para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV, do artigo 35 da Lei Complementar 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro.
Isso porque, a depender das razões delineadas pelos votos dos Ministros, a tramitação direta do inquérito como instituto em si, pode não ter sido declarada como inconstitucional – o que de fato não o é -, mas os Ministros apenas podem ter assentado a tese de que os Estados da Federação não podem legislar sobre o tema, eis que se trataria de matéria privativa da União, ex vi do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
Destarte, devemos aguardar a publicação do referido acórdão e esperar o desfecho do tema, de modo a compatibilizar o julgado do Supremo Tribunal Federal com a prática cotidiana, sendo certo que o Congresso Nacional deve se manifestar imediatamente sobre o tema, com o fim de extirpar essa antiga e desnecessária discussão sobre o inquérito policial e dar contornos de eficácia ao sistema acusatório proposto pela Carta Magna.
[1] LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 3ª Edição, pág. 98.