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Erenice Guerra em Pasadena segurando a Folha de São Paulo com a ficha falsa de Dilma Rousseff

Agenda 24/07/2014 às 12:21

De escândalo em escândalo a mídia brasileira segue abusando da liberdade de imprensa com propósitos eleitorais.

Ontem o principal factóide criado pela mídia este ano para prejudicar a candidatura de Dilma Rousseff foi destruído. "Ainda que se esteja diante de uma avença malsucedida e que importou, aparentemente, em prejuízos à companhia, não é possível imputar o cometimento de delito de nenhuma espécie aos membros do Conselho de Administração, mormente quando comprovado que todas as etapas e procedimentos referentes ao perfazimento do negócio foram seguidos", escreveu Janot no relatório de quatro páginas em que pede o arquivamento da representação cuja existência era alardeada pela imprensa aecista como prova de incompetência ou desonestidade de Dilma Rousseff.

Ao tomar conhecimento da decisão de Janot, lembrei-me das acusações contra Erenice Guerra, que foram inventadas para reduzir as possibilidades de vitória da petista no primeiro turno em 2010. Onde está a aquela acusada e qual foi seu destino? A imprensa foi responsabilizada por ter inventado em 2010 o escândalo Erenice Guerra para uso eleitoral pelos tucanos? Será responsabilizada por inventar o escândalo de Pasadena para prejudicar Dilma em 2014? Até quando toleraremos os abusos jornalístico-eleitorais da mídia brasileira?

Erenice Guerra cumpriu o papel que lhe foi forçosamente atribuído pelos jornalistas e depois desapareceu na imprensa quando os jornalistas julgaram que ela deixou de ser relevante como instrumento de manipulação eleitoral. Onde está Erenice? Não preciso de muito esforço imaginativo para ve-la na portaria da Refinaria de Pasadena segurando uma edição da Folha de São Paulo com a ficha falsa de Dilma Rousseff estampada na primeira página. Afinal, a ex-ministra da Casa Civil foi tratada pela mídia como se fosse uma  imbecil, uma espécie de Kaspar Hauser tupiniquim.  

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Pasadena foi um novo capítulo no processo de kasparização dos brasileiros pela imprensa? Izidoro Blikstein afirma que "...todo processo educativo e de socialização é tributário da representatividade do signo; vale dizer que a educação, via de regra, não passa de uma construção semiológica que nos dá a ilusão de realidade." (Kaspar Hauser ou A Fabricação da Realidade, Cultrix, São Paulo, p. 21). Ilusão de realidade é tudo que a imprensa tem construído para tentar prejudicar eleitoralmente o PT. Da ficha falsa de Dilma Rousseff ao escândalo de Pasadena, passando pelo providencialmente esquecido caso Erenice Guerra, a mídia segue tentando construir uma vitória do PSDB.

O povo brasileiro, entretanto, se recusa a aprender as lições que a mídia tenta ensinar. Talvez já tenha aprendido outra, a de que os próprios jornalistas se transformaram em Kaspars Hausers que filosofam em público sob intenso aplauso de sua verdadeira platéia kasparizada: os líderes da oposição que vão caindo um a um diante da realidade das urnas, que é bem diferente da realidade eleitoral que a imprensa gostaria de ter construído em 2010 e nas duas disputas eleitorais que a precederam.

Kaspar Hauser não compreende a realidade porque não tem memória, ou melhor, porque não retém em sua memória (individual) os elementos necessários para apreender a realidade. Desprovido de lembrança ele não consegue se comunicar, porque a língua que domina é desarticulada, descontextualizada. A língua não o domina de maneira completa e perfeita. Sua liberdade é, portanto, alienação e sua alienação é perigosa porque pode contaminar a sociedade. Como afirma Izidoro Blikstein, a "...nossa cognição estaria sujeita, portanto, a um processo ininterrupto de estereotipação, a ponto de considerarmos real e natural todo o universo de referentes e realidades fabricadas. Daí a função fascista da linguagem, segundo a expressão de R. Barthes. A língua 'amarra' a percepção/cognição, impedindo o individuo de ver a realidade de um modo ainda não-programado pelos corredores de estereotipação..." (Kaspar Hauser ou A Fabricação da Realidade, Cultrix, São Paulo, p. 82)  A interminável sucessão de escândalos fajutos que deveria escandalizar os homens cultos sugere que os jornalistas brasileiros acreditam que podem construir resultados eleitorais.

"A experiência de Kaspar Hauser nos permite, desse modo, divisar com nitidez o momento em que a língua passa a exercer a sua função interpretante ou modelante na percepção/cognição e no pensamento: a impossibilidade de capturar a semiose não-verbal, que se desencadeia na dimensão oculta entre a práxis e o referente, compele o individuo a recorrer ao sistema verbal para materializar e compreender a significação escondida."  (Kaspar Hauser ou A Fabricação da Realidade, Cultrix, São Paulo, p. 79). Por mais que a realidade tenha provado várias vezes que os jornalistas não fazem presidentes, eles seguem criando novos escândalos porque não conseguem ver a realidade ou porque não querem ter memória. Kaspar Hauser nasceu deficiente, a deficiência dos jornalistas brasileiros é voluntária. Tanto pior para a oposição que acredita ter influência sobre o povo porque é capaz de influenciar a imprensa.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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