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Sanções administrativas em licitações e contratos administrativos.

Lei geral de licitação, lei do pregão eletrônico e a Lei Anticorrupção

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Interpretação da aplicabilidade das sanções administrativas aplicadas em licitações e contratos administrativos em face da nova lei anticorrupção

Resumo: Aplicação das sanções administrativas ao particular – pessoa jurídica ou natural – em face de práticas lesivas e/ou ilícitas em certames licitatórios e contratos administrativos, e a aplicação cumulativa das penalidades existentes na lei anticorrupção.


Introdução

A Administração Pública tem o dever de, em regra, ao efetuar aquisições e contratações fazê-lo por meio de licitação. Tal previsão existe na Constituição Federal e nas leis correlatas quanto aos casos de incidência, aos que não se exige ou são dispensáveis, e demais procedimentos pormenorizados das práticas para essas contratações (Lei geral de licitação, lei do pregão eletrônico, lei do regime diferenciado de contratações públicas).

E, embora haja vários instrumentos pelos quais o administrador público possa valer-se quanto ao regular seguimento dos certames licitatórios bem como o cumprimento dos contratos administrativos celebrados, ocorrem inúmeras situações que possam obstar o seu adimplemento.

Há situações que podem ser oriundas da própria Administração e que, direta ou indiretamente, influem no resultado ou mesmo no cumprimento do contratado – contudo que não será objeto do presente. Mas também as que advêm do particular – licitante/contratado – que vem a tumultuar, prejudicar e até praticar atos abusivos que incidam em ilícitos administrativos, e penais inclusive.

Assim, a Administração Pública tem as sanções administrativas para coibir e sancionar essas práticas do particular – tanto como pessoa natural como atuante na pessoa jurídica. Esses meios sancionadores têm sua eficiência até certo ponto, todavia a “criatividade” do particular para transpô-las fez com que novos meios de obstar essas condutas lesivas fossem criados – um exemplo é a Lei de Anticorrupção – na qual a Administração possa penalizar atingindo o âmago que originou a ferida, e indo além, trilhar o caminho que o particular deverá seguir para manter sua parceria com o poder público e ter acesso aos recursos e benefícios dessa.


Do dever de fiscalizar e punir

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder disciplinar é a prerrogativa pela qual a Administração apura as infrações e aplica as penalidades ao infrator, que pode ser um servidor público ou particular sujeito à disciplina administrativa. 1

O poder disciplinar, com estreita relação com o poder hierárquico, mas diferenciam-se entre si porque esse escalona as competências entre seus diversos órgãos, hierarquizando-os. Já aquele, fiscaliza o desempenho dessas atribuições e a eventual responsabilização do agente, tanto servidor quanto particular.

Imprescindível destacar que não se trata do jus puniendi - direito de punir - que o Estado possui no tocante às infrações penais posto que esse se relaciona com as ocorrências dirigidas a qualquer infrator da lei penal e não pode ser aplicada por órgão administrativo, e privativa da atuação judicial. Em essência, há diferença substancial entre elas, são estruturadas em fundamentações distintas, bem como penas de natureza diversa. E, por essa razão, poderá o infrator ser responsabilizado administrativa e penalmente. 2

Segundo Daniel Ferreira, as infrações administrativas são o comportamento voluntário, violador da norma de conduta que o contempla, que enseja a aplicação, no exercício da função administrativa, de uma direta e imediata consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo. 3

A Sanção Administrativa, nas contratações públicas, poder-se-á definir como o exercício do poder-dever do administrador público em face da conduta do particular que venha a prejudicar e lesionar o poder público em suas contratações.

Há a previsão legal para sanção tanto do particular quanto dos agentes públicos nessas condutas, inclusive esses deverão ser mais severamente punidos haja vista sua posição diferenciada, dentro da própria máquina administrativa, contudo, não será a análise do presente.

Nas leis esparsas existem diversos regramentos quanto às sanções administrativas existentes, cuja aplicação deve ser ponderada pelo administrador público para adequar as que são aplicáveis conjuntamente sem o prejuízo de outra (como no caso da advertência, das multas), e as que são aplicáveis isoladamente (suspensão temporária, declaração de inidoneidade, impedimento de licitar e contratar).

O grande questionamento reside na sua aplicabilidade e adequação em razão da conduta do particular. Uma vez que a norma sancionadora expressa os limites das penalidades, deixando a cargo do administrador público ato com grande discricionariedade quanto a dosimetria no caso concreto, o que poderá gerar sua responsabilização por eventuais excessos e prejuízos tanto em processos administrativos e até judiciais, arrastando-se, e perdendo-se o real objetivo: obstar a repetição da conduta lesiva.


Das sanções previstas nas leis n.8666/93 e 10.520/02

Inicialmente, a Lei 8.666/93, prevê no artigo 87, com a garantia à prévia defesa, que será no prazo de cinco dias úteis, advertência; multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; suspensão de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

No artigo 88, há a possibilidade de aplicação das sanções “suspensão” e “declaração de inidoneidade” às empresas e profissionais que, em razão dos contratos regidos pela Lei 8.666/93, tenham praticados dolosamente fraude fiscal no recolhimento de tributos, praticado atos ilícitos visando frustrar os objetivos da licitação; e demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados

Sendo a multa superior ao valor da garantia prestada, além de sua perda, responderá pela sua diferença, e haverá o desconto dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.

A previsão da multa - compensatória e a moratória - é a única que possui previsão de ser aplicada conjuntamente com as demais, por razões hialinas de compatibilidade. O seu não adimplemento, ensejará o processamento pela Fazenda Pública, e, pode ocasionar inscrição em dívida ativa:

“ADMINISTRATIVO. UNIÃO. LICITAÇÃO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MULTA. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA.

1. Não provado vício a ensejar a desconstituição da decisão administrativa, subsiste hígido o ato. No caso, determinou-se a resolução do contrato administrativo celebrado com o TRF-2º Região, e aplicou-se multa à autora, com inscrição do seu débito em Dívida Ativa. Tudo mostra que a autora inadimpliu os termos contratuais, ao fornecer produtos que não atenderam à especificação técnica contida no anexo I do edital. 2. Cabe aos licitantes descrever exatamente os materiais que irão fornecer à Administração. Não basta simplesmente informar a marca e, posteriormente, fixar-se em tal aspecto, deixando de cumprir com o estabelecido no instrumento convocatório. A multa observou o limite de 30% do valor da nota de empenho e está regular. 3. Apelação desprovida. Sentença confirmada, inclusive no que tange aos honorários advocatícios.” 4 (grifo nosso)

Ainda, a previsão do inciso IV aproxima-se muito do permissivo contido no art. 46 da Lei 8.443/92, que autoriza o Tribunal de Contas da União a declarar inidoneidade do licitante que atua de modo a fraudar o certame pelo período de até cinco anos. Contudo, diferentemente a Lei geral de licitação, que define o prazo de dois anos para que haja a reabilitação do sancionado e o ressarcimento do prejuízo causado.

A questão ocorre quanto à suspensão temporária contida no inciso II com relação ao impedimento contido no art. 2º da Lei n.10.520/02, cuja análise se dará a seguir.

O instituto do pregão eletrônico, na Lei 10.520/02 em seu artigo 7º determina que:

“Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.” (grifo nosso).

A grande confusão existente nesses dois diplomas legais é a utilização de uma sanção em processo administrativo iniciado pelo regramento do outro. Muito comum, inclusive!

Se o procedimento iniciou-se exclusivamente pelas Lei 8.666/93, valendo-se somente desse regramento para a efetivação e contratação do particular, dentre as modalidades licitatórias nele existentes, como poderia valer-se das penalidades da Lei 10.520/02?

Salutar destacar que o certame deve ser claro quanto as suas regras, afinal, depois de começado o jogo essas não podem ser mudadas conforme a vontade da Administração. E, não se pode, no âmbito das sanções interpretar extensivamente, ainda que o prejuízo causado seja de grande valor. Contudo, quanto aos certames com fulcro na Lei 10.520/02, lei especial, admite a aplicação das regras da Lei geral de Licitações no que não conflitar, como bem observado artigo 7º, in fine.

A suspensão temporária do art. 87, III e o impedimento de licitar e contratar do art. 2º possuem prazos e fins diferentes. Inicialmente, aquela tem duração de até dois anos e restringe à Administração Pública do órgão sancionador. Já no art. 2º, cujo impeditivo ultrapassa não apenas o limite temporal (até cinco anos) e estende-se a todas as esferas da Administração Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Essas diferenciações textual e quanto à duração da penalidade feita pelo legislador têm finalidade limitadora, como entende o Tribunal de Contas da União:

A sanção prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93 produz efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade sancionador, enquanto a prevista no art. 7º da Lei 10.520/02 produz efeitos no âmbito do ente federativo que a aplicar. Representação versando sobre pregão eletrônico promovido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados - Regional de São Paulo (Serpro/SP) apontara possível restrição à competitividade decorrente de disposição editalícia vedando a participação de empresas “que estejam com o direito de licitar e contratar suspenso com o SERPRO e/ou outros órgãos da Administração Pública, bem como tenham sido declaradas inidôneas pela mesma”. Em juízo de mérito, realizadas as oitivas regimentais após concessão da cautelar pleiteada pelo representante, o relator esclareceu que o Plenário do TCU vem “reafirmando a ausência de base legal para uma interpretação da norma que amplie os efeitos punitivos do art. 87, inciso III [suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a dois anos], da Lei 8.666/1993 a todos os entes e órgãos da Administração Pública (Acórdãos 3.243/2012, 3.439/2012, 3.465/2012, 842/2013, 739/2013, 1.006/2013 e 1.017/2013, todos do Plenário)”. A propósito, relembrou que o voto condutor do Acórdão 3.439/2012-Plenário sintetizou os elementos nos quais se funda a posição do TCU sobre a matéria: “a) as sanções do art. 87 da Lei 8.666/93 estão organizadas em ordem crescente de gravidade e, ao diferenciar aspectos como duração, abrangência e autoridade competente para aplicá-las, o legislador pretendia distinguir as penalidades dos incisos III e IV [declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública]; b) em se tratando de norma que reduz o direito de eventuais licitantes, cabe interpretação restritiva; c) o art. 97 da Lei de Licitações, ao definir que é crime admitir licitação ou contratar empresa declarada inidônea, reforça a diferenciação entre as penalidades de inidoneidade e suspensão temporária/impedimento de contratar, atribuindo àquela maior gravidade”. Noutro giro, versando agora sobre os limites de sanção correlata prevista na Lei do Pregão (Lei 10.520/02, art. 7º – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios), e diante da possibilidade de que o Serpro/SP venha a conferir demasiado alcance a esse dispositivo, consignou o relator que “a jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos do Plenário 739/2013, 1.006/2013 e 1.017/2013) é firme no sentido de que tal penalidade impede o concorrente punido de licitar e contratar apenas no âmbito do ente federativo que aplicou a sanção, em consonância com o que dispõe o art. 40, inciso V e § 3º, da IN SLTI 2/2010”. Nesse sentido, e tendo em vista que as falhas verificadas não comprometeram efetivamente a competitividade do certame e tampouco frustraram o objetivo da contratação, o Plenário do TCU, acolhendo a proposta do relator, considerou parcialmente procedente a representação, revogando a cautelar expedida e cientificando o Serpro/SP de que “a sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei 8.666/1993 produz efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade sancionador, enquanto a prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 produz efeitos apenas no âmbito interno do ente federativo que a aplicar”. 5

Isso posto, necessário destacar que a corte já teve inúmeros precedentes que não faziam distinção entre "Administração" e "Administração Pública", considerando-a una em todas as suas esferas. Todavia, tende pela impossibilidade da interpretação extensiva na aplicação da sanção administrativa, assim como ocorre na esfera penal. 6

Mesmo que não haja expressa restrição no corpo das leis em comento, mas pelo processo interpretativo estrito de uma norma sancionadora, não seria admissível associar essas expressões, destacando a previsão da estrita Código de Direito Canônico, em seu cânone 18: "As leis que estabelecem pena ou limitam o livre exercício dos direitos ou contêm exceção à lei, devem ser interpretadas estritamente".7

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É imprescindível ressaltar a "criatividade" de certos particulares que, mesmo tendo sofrido sanções administrativas fundamentadas nas Leis n. 8.666/93 e 10.520/02 e ficarem obstados em licitar e contratar com a Administração Pública, insistem em "criar" outras empresas para dar continuidade em suas atividades mascarados por um novo "véu" imaculado que os permitam regressar à atuação nos certames pelos mais diversos fins obscuros, lesivos, em conluio ou não com agentes públicos.


Dos aspectos da lei anticorrupção

Com o intuito de coibir e repreender as práticas anteriores, durante e após os certames licitatórios e nos contratos administrativos, foi criada a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, cuja vacatio legis foi de 180 (cento e oitenta) dias, e dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas regulares ou informais pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Porém, cujo regramento ainda aguarda sua regulamentação.

A problemática existe quando a lei não prevê responsabilização e sanção por atos e praticados contra a administração pública estrangeira. Nesse sentido, deixar-se-á à mercê de compromissos internacionais celebrados pelo Brasil ou à regulamentação, ainda não editada?

Um dos fatores relevantes desse texto normativo é a responsabilização objetiva da pessoa jurídica, que poderá ser sancionada e gerar impacto significativo no "bolso" e na imagem das empresas envolvidas, pois haverá publicação extraordinária de eventual condenação no chamado Cadastro Nacional de Empresas Punidas -CNEP - dando a publicidade do fato de uma determinada empresa ter sido condenada por ato de corrupção, sem prejuízo de multas previstas nessa.

A referida lei atinge as sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como às fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Persiste essa responsabilização em caso de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária, e em caso fusão e incorporação a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido. E é independente da responsabilização das pessoas naturais.

Essas pessoas naturais que poderão ser responsabilizadas são: dirigentes, administradores ou qualquer pessoa autora, coautora ou partícipe do ato ilícito, são atingidas pela responsabilização e faz-se necessária a apuração de sua culpabilidade, como expresso no art. 3º, §2º, do mesmo modo como ocorre na Lei de improbidade administrativa, o que vem reiterar o posicionamento dos julgados já existentes no Superior Tribunal de Justiça:

“O ato ilegal só adquire os contornos de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvada pela má-intenção do administrador, caracterizando a conduta dolosa; a aplicação das severas sanções previstas na Lei 8.429/92 é aceitável, e mesmo recomendável, para a punição do administrador desonesto (conduta dolosa) e não daquele que apenas foi inábil (conduta culposa) .

(STJ. REsp 1186192/MT, 1ª Turma. Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julg. 12.11.2013. DJe 02 dez. 2013).” (grifo nosso)

Salienta-se que essa intenção de fraudar a lei não é de fácil comprovação. Uma vez que para atingir a pessoa natural, como já exposto, deve-se ter sua conduta individualizada dentro da esfera do dolo.

A lei traz a figura da leniência, na qual a pessoa jurídica responsável pela prática de "ato de corrupção" poderá celebrar um acordo com a Administração Pública, desde que se comprometendo a cooperar com a apuração do ilícito e a cessar a prática, em contrapartida receberá isenção da pena de tornar pública a infração cometida e redução da multa em até dois terços do valor aplicável. Essa possibilidade atinge, na verdade, as empresas que atuam significativamente com contratos com o poder público. Porém, qual seria a sua repercussão para a pessoa natural, uma vez que não afasta a aplicação das sanções existentes em demais regramentos?

Há a figura da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) para alcançar os sócios pelas práticas de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilício ou violação dos estatutos ou contrato social nas participações em certames licitatórios e contratos administrativos. O que não significa decretar sua nulidade ou a desconstituição da pessoa jurídica, mas, proclamar lhe sua ineficácia, continuando a personalidade jurídica a subsistir para todo e qualquer outro ato jurídico. 8

Fatos que não ocorrem esporadicamente, pelo contrário, um número crescente que prejudica não apenas pelos atrasos e qualidade do objeto fornecido ou executado, gera grande ônus ao erário pelo tempo despendido não apenas nos processo administrativos sancionadores, mas inclusive na realização de novos certames.

Outro ponto é a política do compliance - do termo em inglês comply - significa o ato ou procedimento para assegurar o cumprimento para assegurar o cumprimento das normas reguladores de determinado setor. Segundo Vogel é um conceito que provem da economia e que foi introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento das normas, não necessariamente de natureza jurídica.9

Assim, empresa em conformidade significa que atende aos normativos dos órgão reguladores, conforme as atividades que desenvolva e implante um sistema que garanta a conformidade de seus atos em face dos regulamentos internos e os de controle interno. O que virá a garantir que a empresa tenha domínio e conhecimento do negócio com boas práticas e padrões existentes atualmente, ciente não apenas da interpretação das leis que regem suas atividades com controle interno, e também atentar aos riscos operacionais. Muito embora haja críticas em sentido oposto, pois a Administração estaria passando ao particular um dever seu em fiscalizar as práticas dos particulares nessa esfera.

O artigo 5º estabelece as condutas em licitações e contratos passíveis de sanção no inciso IV:

“Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

(...)

IV - no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

(...)”

O artigo 6º traz a previsão das sanções administrativas, bem como os seus limites:

“Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:

I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e

II - publicação extraordinária da decisão condenatória.

§ 1º As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.

§ 2º A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.

§ 3º A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.

§ 4º Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).

§ 5º A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.”

Alguns desses incisos do artigo 5º encontram semelhanças com crimes previstos na Lei nº8.666/93, como o artigo 90 com o a alínea "a", artigo 92 com a alínea "f", e artigo 95 alínea "c". O que não poderá impedir a atuação da Administração Pública e do Judiciário nas esferas administrativa e penal, pois da mesma prática existe a previsão sancionadora.

Tal posição é predominante no Supremo Tribunal Federal, conforme decidido no Habeas Corpus 91110, no qual a Ministra Ellen Gracie relatou o reiterado posicionamento do Supremo, que entende que um mesmo fato pode dar margem a diversas formas de repercussões e, ainda, que cada uma dessas pode incidir numa determinada instância. A segurança e garantia aos cumpridores do nosso ordenamento vem determinada pelo princípio da independência das instâncias.10

As práticas susceptíveis de questionamento do particular tem, na nova constituição societária regular ou não, em regra, os mesmos sócios, mesmo objeto social ou semelhante (um englobando o outro) e, muitas vezes o mesmo endereço físico ou muito próximo ao da penalizada, essa "fórmula" possui adaptações e simplificações, mas que podem nortear a Administração Pública, no caso concreto, a embasar a aplicação de sanções administrativas. E, sem prejuízo, no caso de fraude comprovada à licitação, haver a atuação do TCU que poderá declarar a inidoneidade do licitante fraudador para participar por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal (art. 46, Lei nº8.443/92).

E qual seria o procedimento da Administração em face dessas condutas do particular?

No caso concreto, com a conduta da pessoa jurídica nos atos no certame licitatório (e em dispensa ou inexigibilidade) ou no contrato administrativo, a Administração, através da autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, atuará de ofício ou mediante provocação, com observância do contraditório e ampla defesa, embora tal competência para instaurar e julgar o processo administrativo possa ser delegada, mas não subdelegada.

Haverá a instauração de comissão para apuração de responsabilidade de pessoa jurídica composta por dois ou mais servidores estáveis. Será dado prazo de trinta dias, contados da intimação para a defesa. E, o relatório da comissão será enviado à autoridade instauradora para o julgamento.

A Administração Pública não poderia ficar a mercê do Judiciário para que haja a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar os sócios pelas práticas abusivas e lesivas, uma vez que os princípios norteadores dessa desconsideração bem como das esferas administrativa, civil e criminal são de todo ordenamento e não de exclusividade de um ramo específico.

Vale salientar que existe a desconsideração indireta da personalidade jurídica, que ocorre quando a empresa controladora comete fraudes por meio da empresa controlada ou coligada, entre outras, em prejuízo de terceiros ou em obtenção de vantagens ilícitas, levanando-se o véu - lifting the veil - da empresa controlada para atingir o patrimônio da controladora, responsabilizando-se esta pelos atos daquela (STJ, Resp 744.107 SP). Já a desconsideração inversa, quando o sócio esconde o seu patrimônio na sociedade, o enunciado do 283 do CJF/STJ preceitua ser "cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada inversa para alcançar bens de sócios que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiro (Resp 948.117/MS). Já a desconsideração expansiva, é um desmembramento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, cujo fim atinge o patrimônio de qualquer sócio oculto da sociedade, a fim de garantir o patrimônio dos credores, pois não raro esse oculto está escondido na empresa controladora.

E, poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nessa Lei ou que provoquem confusão patrimonial, estendendo os efeitos das sanções aos seus administradores e sócios com poderes de administração, desde observados o contraditório e ampla defesa. Embora tal permissivo não seja inovador, a Lei anticorrupção proporciona mais um mecanismo de cercar não apenas a pessoa jurídica mas os envolvidos em práticas que desvirtuando sua real razão de existir.

Porém, a Corte Constitucional em 2013, em decisão no Mandado de Segurança 32494, proferiu entendimento pela suspensão de decisão da Administração Pública ao, embora agora com o permissivo legal, ter efetuado em âmbito administrativo a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em face das consequências que tal prática poderá desencadear:

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DESCONSIDERAÇÃO EXPANSIVA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DISREGARD DOCTRINE E RESERVA DE JURISDIÇÃO: EXAME DA POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, MEDIANTE ATO PRÓPRIO, AGINDO PRO DOMO SUA, DESCONSIDERAR A PERSONALIDADE CIVIL DA EMPRESA, EM ORDEM A COIBIR SITUAÇÕES CONFIGURADORAS DE ABUSO DE DIREITO OU DE FRAUDE. A COMPETÊNCIA INSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E A DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. INDISPENSABILIDADE, OU NÃO, DE LEI QUE VIABILIZE A INCIDÊNCIA DA TÉCNICA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM SEDE ADMINISTRATIVA. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: SUPERAÇÃO DE PARADIGMA TEÓRICO FUNDADO NA DOUTRINA TRADICIONAL? O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA:VALOR CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, CONDICIONANTE DA LEGITIMIDADE E DA VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS. O ADVENTO DA LEI Nº 12.846/2013 (ART. 5º, IV, e, E ART. 14), AINDA EM PERÍODO DE VACATIO LEGIS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O POSTULADO DA INTRANSCENDÊNCIA DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E DAS MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO CAUTELAR E CONFIGURAÇÃO DO PERICULUM IN MORA.MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado com o objetivo de questionar a validade jurídica de deliberação que, emanada do E. Tribunal de Contas da União (Processo TC-000.723/2013-4), acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado: REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO, NA MODALIDADE PREGÃO, PROMOVIDA PELA VALEC S/A, PARA AQUISIÇÃO DE TRILHOS. IRREGULARIDADES GRAVÍSSIMAS. NULIDADES. CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR PARA PARALISAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS. OITIVA DE TODOS OS PARTICIPANTES DO PROCESSO. REVOGAÇÃO DO PREGÃO PELA VALEC, POSTERIORMENTE À DEMONSTRAÇÃO PELO TCU DAS NULIDADES. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO COM UMA ÚNICA POSSIBILIDADE DE FORNECEDOR, DADA A MAGNITUDE DO OBJETO. INEQUÍVOCO DIRECIONAMENTO DA LICITAÇÃO. PRÁTICA DE ATOS COM ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SIMULAÇÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXTENSÃO DA SANÇÃO APLICADA, COM FUNDAMENTO NO ART. 7º DA LEI DO PREGÃO, PARA EMPRESA VINCULADA. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA REPRESENTAÇÃO POR MÚLTIPLOS FUNDAMENTOS. DETERMINAÇÕES. CIÊNCIA. A aplicação da sanção prevista no art. 7º da Lei nº 10.520/2002 que institui o pregão como modalidade de licitação, para aquisição de bens e serviços comuns impede a participação do licitante em procedimentos licitatórios e a celebração de contratos com todas as entidades do respectivo ente estatal, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, implicando seu descredenciamento dos sistemas de cadastramento de fornecedores, pelo prazo de até cinco anos, com extensão a toda a esfera do órgão ou entidade que a aplicou. - A sanção prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 deixa explícita a vontade do legislador, no sentido de efetivamente punir as empresas que cometam ilícitos administrativos, não somente na restritíssima esfera da entidade que promoveu a licitação e sofreu os efeitos da conduta lesiva da licitante, mas de alijá-la de todas as licitações promovidas nas respectivas esferas federal, estadual, do DF e municipal, por até 5 anos, sem prejuízo das multas e das demais cominações legais, constituindo sanção gravíssima que materializa a jurisprudência do STJ em relação a similar dispositivo da Lei 8.666, cuja interpretação, no TCU, mereceu do Plenário visão bem mais restritiva. - Também por imposição dos princípios da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos, a Administração Pública pode desconsiderar a personalidade jurídica de sociedades constituídas com abuso de forma e fraude à lei, para a elas estender os efeitos da sanção administrativa, em vista de suas peculiares circunstâncias e relações com a empresa suspensa de licitar e contratar com a Administração. - Por múltiplos fundamentos, o caso concreto ostenta nítido conteúdo de nulidades insanáveis, tratando-se de hipótese de declaração de nulidade de todo o procedimento e não de revogação, ocorrente apenas por razões de interesse público. (Acórdão nº 2593/2013, Rel. Min. WALTON ALENCAR RODRIGUES. (...) Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELLO CAETANO (Direito Constitucional, vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional, assinala que, Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos. A Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional consoante adverte CASTRO NUNES (Teoria e Prática do Poder Judiciário, p. 641/650, 1943, Forense) , deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, como a de que ora se cuida, consideradas as atribuições do Tribunal de Contas da União, como expressamente relacionadas no art. 71 da Constituição da República. Essa compreensão do tema tem sido manifestada pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos, colegiados e monocráticos (MS 24.510/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE MS 26.094/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI MS 26.547-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), nos quais esta Corte, apoiando-se, precisamente, na doutrina dos poderes implícitos, reconhece que a Alta Corte de Contas dispõe dos meios necessários à plena concretização de suas atribuições constitucionais, ainda que não referidos, explicitamente, no texto da Lei Fundamental. É por isso que, em juízo de sumária cognição, parece-me revestir-se de legitimidade constitucional a possibilidade teórica de aplicação da disregard doctrine, que permitiria ao Tribunal de Contas da União adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República. Registro que a posição dos que entendem possível a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por ato de índole administrativa foi acolhida pelo E. Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. - A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações, Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultados ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. - Recurso a que se nega provimento. (RMS 15.166/BA, Rel. Min. CASTRO MEIRA grifei) De outro lado, e a despeito de o instituto da desconsideração da personalidade jurídica somente haver sido objeto de regulação legislativa em tempos mais recentes, como se verifica do Código Civil (art. 50) e dos diversos microssistemas legais, como aqueles resultantes doCódigo de Defesa do Consumidor (art. 28), da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé, art. 27), da Lei Ambiental (Lei nº 9.605/98, art. 4º) e da Lei nº 12.529/2011 (art. 34), entre outros instrumentos normativos, parece-me que a ausência de autorização legal outorgando ao Tribunal de Contas da União competência expressa para promover the lifting of the corporate veil não violaria, aparentemente, o postulado da legalidade, eis que a aplicação, em nosso sistema jurídico, da disregard doctrine, como sabemos, precedeu, em muitos anos, a própria edição dos diplomas legislativos anteriormente referidos, como resulta de decisões proferidas por nossos Tribunais judiciários (RT 511/199 RT 560/109 RT 568/108 RT 654/182-183 RT 657/86 RT 657/120 RT 660/181 RT 673/160) e reconhece o magistério da doutrina (RUBENS REQUIÃO, Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica, RT 410/1-12; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, Direito Processual Civil e Direito Privado Ensaios e Pareceres, p. 162/164, item n. 5, 1989, Saraiva, v.g.). Não constitui demasia relembrar, neste ponto, na linha de pioneiro estudo realizado, em 1969, pelo saudoso Professor RUBENS REQUIÃO (Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica, RT 410/1-12), a lição definitiva de FÁBIO ULHOA COELHO (Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, vol. 2/60, item n. 2, 16ª ed., 2012, Saraiva) a respeito da matéria ora em análise, na qual enfatiza a desnecessidade de legislação específica para viabilizar a aplicação, em nosso sistema jurídico, da disregard doctrine: Na doutrina brasileira, ingressa a teoria no final dos anos 1960, numa conferência de Rubens Requião (1977:67/86). Nela, a teoria é apresentada como superação do conflito ente as soluções éticas, que questionam a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar sempre os sócios, e as técnicas, que se apegam inflexivelmente ao primado da separação subjetiva das sociedades. Requião sustenta, também, a plena adequação ao direito brasileiro da teoria da desconsideração, defendendo a sua utilização pelos juízes, independentemente de específica previsão legal. Seu argumento básico é o de que as fraudes e os abusos perpetrados através da pessoa jurídica não poderiam ser corrigidos caso não adotada a disregard doctrine pelo direito brasileiro. De qualquer forma, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos. Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a fraude. É importante acentuar que a aplicação do instituto da desconsideração (disregard doctrine), por parte do Tribunal de Contas da União, encontraria suporte legitimador não só na teoria dos poderes implícitos, mas, também, no princípio constitucional da moralidade administrativa, que representa um dos vetores que devem conformar e orientar a atividade da Administração Pública (CF, art. 37, caput), em ordem a inibir o emprego da fraude e a neutralizar a prática do abuso de direito, que se revelam comportamentos incompatíveis com a essência ética do Direito.(...) Vale referir, neste ponto, a edição de importante instrumento normativo, qual seja a Lei nº 12.846, publicada em 1º de agosto de 2013, ainda em período de vacatio legis, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública (..), e que disciplina, entre outros dispositivos, a matéria que se vem analisando: Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: III comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV no tocante a licitações e contratos: e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa. É preciso reconhecer, presente esse contexto, que a desconsideração da personalidade jurídica, como anteriormente assinalado, configura prática excepcional, cuja efetivação impõe ao Estado a necessária observância de postulados básicos como a garantia do due process of law, que representa indisponível prerrogativa de índole constitucional assegurada à generalidade das pessoas. No que se refere à alegada violação ao art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, não se desconhece que o postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator. Na realidade, essa tem sido a percepção do tema no âmbito da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (AC 266-QO/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO AC 1.033-AgR-QO/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO AC 1.761/AP, Rel. Min. EROS GRAU AC 1.936/SE,Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI AC 2.228/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO AC 2.270/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO AC 2.317-MC-REF/MA, Rel. Min. CELSO DE MELLO ACO 925-MC-REF/RN, Rel. Min. CELSO DE MELLO ACO 970-TA/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.), cujos pronunciamentos põem em evidência o fato de que medidas restritivas de ordem jurídica não podem transcender a esfera subjetiva daquele que incidiu em práticas reputadas ilícitas pela Administração Pública. Cabe relembrar, no entanto, por oportuno, a esclarecedora lição de MARÇAL JUSTEN FILHO (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, p. 1.014, item n. 1.5, 15ª ed., 2012, Dialética), ao comentar essa matéria, especificamente no que se refere ao procedimento licitatório: É usual submeter essa discussão à figura da desconsideração da pessoa jurídica. O tema foi versado em várias passagens anteriormente. Tem-se reputado cabível a extensão do sancionamento à pessoa física ou a terceiros na medida em que se evidencie a utilização fraudulenta e abusiva da pessoa jurídica. Isso não equivale a estabelecer que toda e qualquer penalidade administrativa será automaticamente aplicada também aos controladores e administradores. O que se reconhece é que, diante da comprovação da prática reprovável da pessoa física, que configure utilização abusiva e fraudulenta da pessoa jurídica, poderá ser admitida a extensão da penalidade também a outros sujeitos. Todas as considerações que venho de fazer, ainda que expostas em sede de sumária cognição e fundadas em juízo meramente precário (sem qualquer manifestação conclusiva, portanto, em torno da postulação mandamental), levar-me-iam a denegar o pleito cautelar ora deduzido na presente causa. Ocorre, no entanto, que razões de prudência e o reconhecimento da plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte impetrante impõem que se outorgue, na espécie, a pretendida tutela cautelar, seja porque esta Suprema Corte ainda não se pronunciou sobre a validade da aplicação da disregard doctrine no âmbito dos procedimentos administrativos, seja porque há eminentes doutrinadores, apoiados na cláusula constitucional da reserva de jurisdição, que entendem imprescindível a existência de ato jurisdicional para legitimar a desconsideração da personalidade jurídica (o que tornaria inadmissível a utilização dessa técnica por órgãos e Tribunais administrativos), seja porque se mostra relevante examinar o tema da desconsideração expansiva da personalidade civil em face do princípio da intranscendência das sanções administrativas e das medidas restritivas de direitos, seja, ainda, porque assume significativa importância o debate em torno da possibilidade de utilização da disregard doctrine, pela própria Administração Pública, agindo pro domo sua, examinada essa específica questão na perspectiva do princípio da legalidade. Sendo assim, em sede de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente causa, defiro o pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, a eficácia do item 9.4 do Acórdão nº 2.593/2013 do Plenário do E. Tribunal de Contas da União. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão à Presidência do E. Tribunal de Contas da União. 2. Requisitem-se informações ao E. Tribunal de Contas da União, órgão apontado como coator. 3. Dê-se ciência ao eminente Senhor Advogado-Geral da União (Lei Complementar nº 73/93, art. 4º, III, e art. 38, c/c o art. 7º, II, da Lei nº12.016/2009 e o art. 6º, caput, da Lei nº 9.028/95). 11 (grifo nosso).

Contudo, como bem colocado em parecer da Procuradoria-Geral da República, a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica existe em diversos ramos do ordenamento jurídico, como explícito inicialmente na Consolidação das Leis Trabalhistas, art. 2º, §2º; no Código Civil de 2011; Código de Defesa do Consumidor em seu art. 28, §5º; admitindo à autoridade estatal, e não necessariamente ao juiz, intervir numa relação jurídica, para reparar uma situação ético-jurídica deturpada pela fuga da responsabilidades sociais e legais, em função do exercício malicioso do direito de constituir e de organizar pessoas jurídicas.

Nesse sentido, reitera a ligação da fraude à frustração à lei, como bem citado o Ministro Eros Grau, na Rcl 8.025, DJ 6.8.2010, ao citar Alvino Lima e Pontes de Miranda, uma vez que a fraude à lei põe diante do juiz o suporte fático no qual poderá ensejar em erro.

Sendo que pela situação fática existente no caso em tela acima descrito o TCU concluiu que houve manipulação de faculdades jurídicas e que orientadas a ladear o objetivo legal da sanção administrativa aplicada à empresa Dismaf, com a demonstração das diferenças no quadro societário, objeto e endereço comercial, na aparência resultantes de atos lídimos.

A PGR entende que não haveria por que recusar ao TCU semelhante poder, quando, no desempenho da missão que a Carta da República diretamente lhe confiou, orienta-se a preservar valor constitucional da moralidade administrativa, impessoalidade e legalidade, inclusive tendo seu papel reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal, como colocado no MS n.25203/DF, min. Celso de Mello, DJ 09.09.2005, considerando a atuação do TCU de importância fundamental, no campo do controle externo, cuja inquestionável relevância está na defesa dos postulados essenciais que informam a própria organização da Administração Pública e no comportamento dos agentes.

Ainda, no caso em questão, ainda que arguido a intranscendência da pena, não se trata de transmissão de pena de uma pessoa jurídica a outra, mas de extensão da sanção administrativa para impedir a frustração da própria ratio da lei, ou seja, tentar frustrar a lei em procedimento licitatório.

Entendendo o Parquet que a desconsideração da personalidade jurídica traduz um instrumento de restauração da ordem jurídica que independe de previsão legal expressa para que o Tribunal de Contas dele se valha (embora pela lei anticorrupção haja). Sendo que a desconsideração vale apenas para fins de fixação da abrangência subjetiva da penalidade administrativa em causa, não gerando efeitos sobre a existência e a organização das empresas em outros âmbitos, estranhos ao campo de fiscalização do TCU.12 E, sendo claro que havendo ilegalidade, ilegitimidade no ato da Administração ao fazê-lo sempre haverá a via judicial para reversão bem como a apuração da conduta lesiva do agente público, razão pela qual a PRG entende pela denegação da ordem.

Destaca-se que tal mandado de segurança ainda está em conclusão para o relator, e não teve decisão final até o momento.

Na desconsideração, a pessoa natural terá suas condutas, manobras e omissões expostas para serem investigadas, apuradas, e penalizadas, o que impediria de mascarar-se novamente por outra pessoa jurídica ou mesmo de outras pessoas naturais, como exposto no julgado do TCU supra mencionado. E, que não impedem a responsabilização criminal e a processo judicial, desde que haja subsunção dessas práticas ao previsto em lei - tipos penais e sanções ou restrições cíveis (vide abaixo).

O art. 7º e incisos traz pontos a serem considerados no momento da aplicação das sanções, ainda que me modo muito aberto quanto aos parâmetros a serem delimitados pelo julgador, pois não há regulamentação dessa Lei até o momento:

“Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

I - a gravidade da infração;

II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

III - a consumação ou não da infração;

IV - o grau de lesão ou perigo de lesão;

V - o efeito negativo produzido pela infração;

VI - a situação econômica do infrator;

VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e

X - (VETADO).

Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.”

E, não obstante a atuação administrativa, a comissão deverá dar ciência dessa responsabilização da pessoa jurídica ao Parquet para apuração de eventuais delitos.

A empresa querendo, ainda que não haja previsão quanto ao momento para o pedido, manifestar-se primeira e voluntariamente quanto ao pedido de leniência, desde que preenchidos os requisitos elencados no art. 16 e seus parágrafos, e salientando que não há reconhecimento de prática de ato ilícito investigado e a proposta de acordo rejeitada.

A administração pública, poderá incluir nesse acordo as práticas de ilícitos previstos na Lei 8.666/93, objetivando isentar ou atenuar as sanções administrativas estabelecidas nos arts. 86 a 88. E deverá dar publicação desse acordo para sua efetivação, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo. O descumprimento desse acordo gera impeditivo à pessoa jurídica de nova concessão por três anos contados do conhecimento pela administração pública desde o referido descumprimento.

E, havendo o acordo de leniência aceito, como ficarão as sanções passíveis de aplicação por esses outros instrumentos legais?

Em face do exposto, não seria caso de bis in idem, posto que a sanção (contida na Lei n8.666/93 ou 10.520/02) aplicada pelo órgão licitante vem a expressar o quão aquela conduta omissiva ou comissiva do particular/pessoa jurídica foi prejudicial e lesiva a ele. Já o acordo de leniência ou as sanções aplicadas com base na Lei anticorrupção direcionam-se às práticas da pessoa jurídica, amarrando-as e ao particular a encerrá-las como são executadas, evitando que haja uma maior disseminação dessas ações por toda a Administração e adequando-o aos permissivos inerentes ao seu ramo de atividade, sob pena de, caso não as cumpra, ter suas atividades encerradas, mas claro que isso em casos extremos (art. 19, incisos e parágrafos).

Prescrevem em cinco anos as infrações previstas nesta Lei, contado a partir da ciência da infração ou, em caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. E, no âmbito administrativo e judicial, tal prazo será interrompido com a instauração do processo que tenha por objeto a apuração da infração.

Ainda que haja previsão das sanções administrativas, essas não obstam a apuração da responsabilização judicial - conforme art. 5º da lei em comendo, e que seguirá o rito da Lei nº7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), que poderá ensejar a aplicação de sanções previstas no art. 19, que atingem diretamente nas atividades, arrecadação de incentivos públicos por período de um a cinco anos, e na própria existência da pessoa jurídica, conforme tenha sido manipulada a pessoa jurídica na prática desses atos lesivos. Entretanto, a questão existe no fato de haver ou não a necessidade de exigir o dolo para haver a responsabilização judicial.

E tal processamento também não exclui a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica.

Sobre a autora
Diessika Rafaely Marques de Freitas Soares

Servidora pública federal, pós-graduada em direito público, atuante em licitações públicas, em especial procedimentos de apuração e sanções administrativas na execução de contratos públicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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