4 O MINIMALISMO PENAL
4.1 O minimalismo e a reforma do sistema penal
Como perspectiva teórica, o minimalismo penal apresenta profunda heterogeneidade e estamos, também, perante diferentes minimalismos. Há minimalismos como meios para o abolicionismo, que são diferentes de minimalismos como fins em si mesmos, e de minimalismos reformistas (ANDRADE, 2006).
Entre os modelos teóricos minimalistas mais expressivos estão o do filósofo e criminólogo italiano Alessandro Baratta, de base interacionista-materialista, o do penalista e criminólogo argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, de base interacionista, foucaudiana e latino-americanista e o do filósofo e penalista italiano Luigi Ferrajoli, de base liberal iluminista (ANDRADE, 2006).
O minimalismo como reforma do sistema penal, sob o signo despenalizador do princípio da intervenção mínima, do uso da prisão como ultima ratio e da busca de penas alternativas a ela (com base nos binômios criminalidade grave/pena de prisão x criminalidade leve/penas alternativas), desenvolve-se desde a década 80 do século XX e, no Brasil, a partir da reforma penal e penitenciária de 1984, com a introdução das penas alternativas (Leis n. 7.209 e 7.210/84) e culmina na atual lei das penas alternativas (Lei n. 9.714/98), passando pela implantação dos juizados especiais criminais estaduais (Lei n. 9.099/95) para tratar dos crimes de menor potencial ofensivo (ANDRADE, 2006).
O contexto, portanto, em que emerge o minimalismo reformador, é o da deslegitimação dos sistemas penais que então tem lugar como resultado de um amplo espectro de desconstruções teóricas e práticas, em cujo centro se encontra a consolidação do paradigma da reação ou controle social na forma de uma revolução de paradigmas em Criminologia (ANDRADE, 2006).
Enquanto o abolicionismo protagoniza a abolição do sistema penal e substituição por formas alternativas de resolução de conflitos, o minimalismo defende, associado ou não aos ideais abolicionistas, sua máxima contração.
4.2 Objeto do minimalismo
O objeto do minimalismo não é o Direito Penal, que é a positivação normativa do exercício do jus puniendi estatal, mas o sistema penal em que se institucionaliza este poder punitivo e sua complexa fenomenologia e que inclui a engenharia, a cultura punitiva, bem como a máquina e sua interação com a sociedade.
O sistema penal, neste contexto, pode ser compreendido como a totalidade das instituições que operacionalizam o controle penal (Parlamento, Polícia, Ministério Público, Justiça, Prisão), a totalidade das Leis, teorias e categorias cognitivas (direitos + ciências e políticas criminais) que programam e legitimam, ideologicamente, a sua atuação e seus vínculos com a mecânica de controle social global (mídia, escola, universidade), na construção e reprodução da cultura e do senso comum punitivo que se enraíza, muito fortalecidamente, dentro de cada um de nós, na forma de microssistemas penais (ANDRADE, 2006).
4.3 A crise de legitimidade do sistema penal
Primeiramente, perguntamos: há uma crise de legitimidade do sistema penal (Direito Penal como instrumento de controle social formal, jus puniendi, polícia, ministério público, magistratura, prisão, execução penal, mídia etc)?
A observação empírica mostra que a deslegitimação constitui a radical demonstração de que as múltiplas incapacidades do sistema penal foram desveladas, sobretudo pelo instituto da prisão, reduzida que está a espaço de neutralização e de extermínio indireto.
Compreender a crise de legitimidade do sistema penal é entender que ele está despido, que ele agora exerce, abertamente, sua função real. Significa também entender que “uma nova e mais perigosa relegitimação está em curso, e que se apropria de outras práticas discursivas da sociedade tecnológica, em detrimento do discurso científico que operava sua legitimação histórica, a saber: o espetáculo midiático e dramatúrgico, o medo do inimigo criminalidade que ele constrói em escala massiva” (ANDRADE, 2006).
Destarte, o retrato da deslegitimação pode ser apresentado em seis postulados:
a) O sistema penal vigente constitui uma herança da doutrina escolástica medieval, assentada no maniqueismo (bem x mal) e numa visão expiatória da pena como castigo pelo mal, opondo, numa relação adversarial, autor e vítima, e mantendo a sociedade nessa relação polarizadora (HULSMAN, 1993);
b) É estruturalmente incapaz de cumprir as funções que legitimam sua existência, a saber, proteger bens jurídicos, combater e prevenir a criminalidade, através das funções da pena (intimidando potenciais criminosos, castigando e ressocializando os condenados), e fornecendo segurança jurídica aos acusados e segurança pública à sociedade. E não pode porque sua função real é construir seletivamente a criminalidade e a função real da prisão (violência institucional), como dizia Foucault, é “fabricar os criminosos” (ANDRADE, 2006);
c) Além de funcionar seletivamente, criminalizando os baixos estratos sociais e reproduzindo as desigualdades sociais, o sistema penal engendra mais problemas do que aqueles que se propõem a resolver, “sendo produtor de sofrimentos desnecessários (estéreis) que são distribuídos socialmente de modo injusto”, com o agravante dos seus altos custos sociais e do autêntico mercado do controle do crime que, em torno de si, estrutura (ANDRADE, 2006);
d) Apesar da extensão dos danos que provoca o sistema penal só atua sobre um número reduzidíssimo de casos como revelam, por exemplo, as cifras ocultas: a impunidade é a regra, a criminalização a exceção, confirmando que a intervenção mais intensiva do sistema penal na sociedade é simbólica e não a instrumental: é a ilusão de segurança jurídica (ZAFFARONI, 1991);
e) Mais que um sistema de proteção de direitos é um sistema de violação de direitos humanos, violando todos os princípios da sua programação. Na América Latina a deslegitimação é proveniente dos próprios fatos é o fato empírico mais deslegitimante é a morte (fatos) (ANDRADE, 2006);
f) O sistema penal rouba o conflito às vitimas, não escuta as vítimas, não protege as pessoas, mas o próprio sistema, não resolve nem previne os conflitos e não apresenta efeito positivo algum sobre as pessoas envolvidas nos conflitos (ANDRADE, 2006).
4.4 O minimalismo e a máxima contração do sistema penal: minimalismo-meio e minimalismo-fim
Os modelos minimalistas estão às voltas com a limitação da violência punitiva e com a máxima contração do sistema penal, mas também com a construção alternativa dos problemas sociais (ANDRADE, 2006).
O minimalismo-meio parte da aceitação da deslegitimação do sistema penal, concebida como uma crise estrutural irreversível. Assume postulados abolicionistas porque não vislumbram possibilidade de relegitimação do sistema penal, a médio ou longo prazo. Na verdade, trata-se o minimalismo-meio de estratégias de curto e médio prazo de transição para o abolicionismo, destacando-se nesse contexto os modelos de Alessandro Baratta e Raúl Zaffaroni.
O modelo de Baratta é contextual e aberto e se estrutura sobre a razão abolicionista e o minimalismo como tática a médio e curto prazo. Esclarece o próprio Baratta, já na passagem da década de 1970 para a década de 1980, sua posição substantivamente abolicionista: “O princípio cardeal do modelo de uma política criminal alternativa não é a criminalização alternativa, mas a descriminalização, a mais rigorosa redução possível do sistema penal.” (BARATTA, 1983).
O modelo de Zaffaroni, denominado “Realismo Marginal Latino-americano” foi enunciado sobretudo em seu também clássico “Em Busca das Penas Perdidas” (em resposta e em homenagem latino-americana ao clássico “Penas Perdidas”, de Louk Hulsman).
Esclarece também o próprio Zaffaroni: “Em nossa opinião, o direito penal mínimo é, de maneira inquestionável, uma proposta a ser apoiada por todos os que deslegitimam o sistema penal, não como meta insuperável e, sim, como passagem ou trânsito para o abolicionismo, por mais inalcançável que este hoje pareça; ou seja, como um momento do 'unfinished' de Mathiesen e não como um objetivo 'fechado' ou 'aberto'. O sistema penal parece estar deslegitimado tanto em termos empíricos quanto preceptivos, uma vez que não vemos obstáculos à concepção de uma estrutura social na qual seja desnecessário o sistema punitivo abstrato e formal, tal como o demonstra a experiência histórica e antropológica.” (ZAFFARONI, 1991).
O minimalismo-fim ou garantismo tem Luigi Ferrajoli como destaque dessa corrente, conforme exposto no seu clássico “Direito e Razão”. Parte da deslegitimação do sistema penal, mas crê que ele possa ser relegitimado, ou seja, um direito penal mínimo para uma sociedade futura (FERRAJOLI, 1989).
O Direito Penal mínimo de Ferrajoli centra-se nos custos potenciais de uma anarquia punitiva, sustentando que o Direito penal mínimo estaria legitimado pela necessidade de proteger, a um só tempo, as garantias dos “desviantes” e “não desviantes” (ANDRADE, 2006).
O minimalismo de Ferrajoli se propõe como fim e, neste sentido, polemiza com o abolicionismo e, de certo, modo contribuiu para vulgarizar a dicotomia abolicionismo x garantismo, que não tem lugar quando se abre o leque minimalista (ANDRADE, 2006).
No campo da prática, no entanto, abolicionismos e minimalismos oferecem ferramentas de trabalho preciosíssimas para ser apropriadas cotidianamente, na prática do sistema, em todos os níveis, e na militância societária, para conter violência e proteger direitos humanos, aqui e agora, relativamente a todas as ações e decisões do sistema, mas também para avançar (ANDRADE, 2006).
4.5 O minimalismo penal e o Direito Penal Mínimo de Zaffaroni
O Direito Penal Mínimo de Zaffaroni (ZAFFARONI, 1991b) possui uma ética básica de valorização da vida humana, pautada na reconstrução das garantias fundamentais e baseada nos Direitos Humanos como fio condutor.
Para Zaffaroni, a recuperação das garantias dos Direitos Humanos pelo programa de Direito Penal Mínimo é imperiosa pois, segundo ele, os resultados das pesquisas que demonstram a deslegitimação do sistema penal revelam que este viola abertamente os Direitos Humanos. Esta violação é oriunda não só da violência operacional do exercício de poder punitivo em nossos sistema penais periféricos, como também de todos os sistemas penais, constituindo-se como fruto de suas características estruturais (SANCHES, 2010). “Em resumo, o exercício de poder dos sistemas penais é incompatível com a ideologia dos direitos humanos.” (ZAFFARONI, 1991b).
A constituição do sistema penal atual iniciou-se no século XII, consolidando-se no século XIX, enquanto que, apesar de possuir diversas raízes e origens, a formulação dos Direitos Humanos em sua versão moderna se deu no século XVIII, fruto do Iluminismo e na tentativa de limitar o poder soberano (SANCHES, 2010). Ao invés, porém, de ter o seu poder limitado, o sistema penal conseguiu aumentá-lo através da proliferação das agências policiais nos séculos XVIII e XIX, que exercem o mais importante poder do sistema penal: o positivo e o configurador. (ZAFFARONI, 1991b).
Entretanto, na opinião do autor, os Direitos Humanos não representam uma utopia, mas “um programa de longo alcance de transformação da humanidade.” (ZAFFARONI, 1991b).
A necessidade e a urgência de uma resposta fundada na deslegitimação do sistema penal se impõe também, a partir da perspectiva do programa transformador que os direitos humanos implicam, particularmente em nossa localização no mapa do poder planetário, onde o caminho progressivo até a realização dos direitos humanos é muito claramente submetido a interrupções abruptas e onde o exercício de poder do sistema penal constitui a peça chave do extermínio brutal. (ZAFFARONI, 1991b).
Neste sentido, Zaffaroni compara a deslegitimação do sistema penal com a deslegitimação da guerra, demonstrando que o papel da agência judicial no sistema penal é o mesmo que o da Cruz Vermelha Internacional que, apesar de não possuir o poder de acabar com a guerra, procura evitar seus piores efeitos e busca contê-la dentro dos limites do seu poder (ZAFFARONI, 1991b). Segundo o autor, esta é a forma de progredir sempre mais na limitação da violência, e exige um papel crítico do discurso jurídico-penal para com os padrões alcançados pelas agências judiciais (SANCHES, 2010).
A única forma de se manter esta progressividade da limitação repressiva e de fazer com que os princípios penais permaneçam sempre “abertos” ou “inacabados” consiste em sustentar um certo grau de contradição entre o discurso jurídico-penal da agência de reprodução ideológica e o padrão obtido pelas agências judiciais. (ZAFFARONI, 1991b).
5 DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO E EXPANSIONISMO PUNITIVO
5.1 Direito Penal Mínimo: crítica ao expansionismo punitivo do Direito Penal Contemporâneo
Em meio à turbulência provocada pelo reconhecimento do Direito Penal como veículo de imposição de um mal, o qual, porém, é um “mal necessário”, praticamente todos os esforços têm se voltado para o intento de humanizar, na medida do possível, a seara jurídico-penal (CABETTE e NAHUR, 2012).
Os esforços se dirigem desde antanho para a melhoria das condições do cárcere, abolição de penas cruéis, infamantes e de morte (CABETTE e NAHUR, 2012). Surgem, então, propostas alternativas para a solução das questões penais, emergindo uma série de substitutivos para a reação penal tradicional, tais como os institutos da “diversão” e da “mediação” (OLIVEIRA, 2001).
Tourinho Filho, em comentário à Lei n. 9.099/95, afirma que há uma “tendência do mundo moderno de se adotar um Direito Penal mínimo” com medidas alternativas que agilizem o processo, ensejando rapidez nas respostas à “pequena criminalidade”, evitando “o estigma do processo” (TOURINHO FILHO, 2000).
Reservar-se-ia a aplicação da pena privativa de liberdade e até mesmo a submissão do indivíduo às agruras do Processo Penal como recursos extremos e não sua utilização indiscriminada em infrações graves e leves, assemelhando-se àquilo que Foucault descreveu como “punição generalizada” (FOUCAULT, 1995).
Na verdade, por mais que aparentemente tenha evoluído o pensamento acerca das funções e da conformação do Sistema Penal, ainda não se logrou deixar de caminhar em círculos, e o pior: trata-se de um círculo vicioso. Na realidade vivenciamos hoje e sempre um enorme marasmo intelectual e prático que se retroalimenta em uma circularidade viciosa, sem um mínimo sequer de espaço para um pensamento legitimamente inovador, revolucionário ou reformador. (CABETTE e NAHUR, 2012).
As alterações do protagonismo de umas penas por outras têm passado pela real e efetiva aplicação dos princípios da fragmentariedade, subsidiariedade ou do Direito Penal como ultima ratio?
Ora, todos esses princípios orientam para a excepcionalidade da solução criminal dos conflitos. Somente na ausência da proteção de outros ramos do Direito ou onde esta seja falha ou insuficiente e ainda tratando-se de lesão ou perigo de lesão grave a certos bens jurídicos é que deve o Direito Penal atuar (TOLEDO, 1994).
Seja com penas de prisão, “penas alternativas” ou “consensuadas”, o Direito Penal não se contrai nem fragmenta. O que se verifica constantemente é uma expansão incontrolada da seara penal, uma verdadeira criminalização generalizada dos mais diversos conflitos e problemas sociais e individuais (CABETTE e NAHUR, 2012).
Diante da constatação do expansionismo punitivo, Silva Sánchez esboça um modelo que consiste praticamente numa mera descrição do processo de expansão do Direito Penal na atualidade. Trata-se de um movimento expansivo bifronte: por um lado o acirramento punitivo, com incremento das penas privativas de liberdade, aumento do rigor dos regimes de cumprimento etc, para a criminalidade considerada mais gravosa; de outra banda, surge um modelo flexibilizado de imputação onde se fazem ausentes as “penas corporais”. No entanto, mesmo no segundo caso, em reverência à sanha do punitivismo, seria imprescindível que “a sanção fosse imposta por uma instância judicial penal, de modo que preservasse (na medida do possível) os elementos de estigmatização social e de capacidade simbólico-comunicativa próprios do Direito Penal” (SÁNCHEZ, 2002).
O melhor caminho não pode ser a conformação perante o fenômeno da expansão irracional do Direito Penal e muito menos a tentativa de legitimar essa aberração, acenando com o clamor popular por punição criminal a qualquer custo e controle social pelo aparato repressivo-penal (CABETTE e NAHUR, 2012).
Esse Direito Penal paquidérmico em voga na atualidade perde não só sua credibilidade pelas enormes “cifras negras” (CERVINI, 2002) que produz, como também vem rapidamente se transformando em algo diverso do que era pela sobreposição e agregação de características e funções que jamais lhe foram próprias, mas que aos poucos vem usurpando e açambarcando de outros ramos do Direito.
Note-se que esse problema que deforma, deslegitima, põe em descrédito e disfuncionaliza o Direito Penal, não é novidade de vanguardistas pós-modernos, mas já havia sido diagnosticado há tempos pelo Marquês de Beccaria (século XVIII) ao asseverar: “não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo” (BECCARIA, 1985).
Inobstante, as pessoas preferem crer numa mentira simples a encarar uma verdade complexa; preferem cultivar falsas mudanças, simples aparências, empreendendo grandes batalhas para que, ao final, como diz Lampedusa, “tudo fique na mesma” ou num exercício meticuloso de “mudar tudo para que tudo fique como está” (LAMPEDUSA, 2002).
Em geral as pessoas não estão dispostas a praticar o mal, ainda que seja contra aqueles que infringem as normas de convivência social pacífica. Por isso surge a ideia do Direito Penal como ultima ratio enquanto hipótese teoricamente aceita. Acontece que a racionalidade e o bom senso da “intervenção mínima” da seara penal não tem conseguido domar a irracionalidade da desenfreada tendência expansiva do Direito Penal e do punitivismo exacerbado. Então surge um dilema: “como conciliar expansionismo e minimalismo?” (CABETTE e NAHUR, 2012).
A suposta solução tem sido o crescimento deformado do Direito Penal nos moldes acima mencionados. As intenções são boas; pretende-se regular e pacificar os conflitos sociais mediante uma normatização milimétrica de toda atividade e relação humana, optando-se pelo instrumento da coerção penal, mas procurando mitigar sua atuação mais incisiva e seus efeitos mais gravosos (CABETTE e NAHUR, 2012). Mas, como lembra Neiman, “somos ameaçados com mais frequência por quem tem intenções indiferentes ou mal direcionadas do que por quem tem intenções malévolas” (NEIMAN, 2003).
O resultado dessa excessiva intervenção penal se vê na prática: sobre o imputado recai a carga pesada e infamante do Sistema Penal. E sobre o depauperado e sobrecarregado Sistema Penal, com suas agências repressivas deficitárias (Polícia, Ministério Público, Judiciário, Sistema Penitenciário), desaba uma avalanche de procedimentos simbólicos que bem poderiam ser muito melhor levados a termo por outras instâncias de controle social já existentes ou que poderiam ser criadas para fins específicos. Até mesmo os próprios atores do cenário criminal passam a sofrer desvios em suas funções, sendo inclusive, muitas vezes, exigidos além de suas capacidades (CABETTE e NAHUR, 2012).
Mas, qual a solução para esse impasse? O Direito Penal e o Processo Penal são meios instrumentais para imposição do mal aos indivíduos que infringem gravemente as normas básicas do convívio social pacificado. É preciso ter consciência de que vivemos em uma sociedade que é formada de homens dotados de vícios e virtudes. Dessa forma, o Sistema Penal é um mal necessário. E o Direito Penal e suas penas são um mal e como um mal devem ser tratados.
Com a consciência de sua efetiva natureza poderemos distinguir mais nitidamente o Direito Penal dos outros ramos do Direito. Ele seguirá reservado às infrações extremas das regras de convívio social que afetem bens jurídicos de altíssima relevância, os quais não possam ser eficazmente tutelados por outros instrumentos de controle social menos drásticos. Nisso consistiria sua face minimalista. Além disso, as sanções para serem consideradas de natureza penal teriam de ser realmente duras, aflitivas para o infrator, sobressaindo a privação de liberdade, a qual, no máximo, poderia ser cumulada com penalidades pecuniárias em casos especiais (CABETTE e NAHUR, 2012).
Deve-se ter em mente que o processo pelo qual seriam selecionadas as condutas dignas de tratamento penal não consiste em um único momento histórico. Tratar-se-á de um contínuo e dinâmico policiamento a impedir futuras tendências expansionistas, que podem então tornar-se ainda mais perigosas e lesivas para os valores humanos, especialmente para nossa dignidade e liberdade (CABETTE e NAHUR, 2012).
Como saber que condutas deveriam ser criminalizadas? Entendemos que um bom guia para um paradigma minimalista do Direito Penal é a eleição da Constituição como depositária dos bens jurídicos dignos de tutela penal. Somente bens jurídicos de estatura constitucional seriam dignos de proteção por via penal (CABETTE e NAHUR, 2012).
Trata-se, portanto, de uma reforma penal que transcende seu campo necessariamente, impondo-se alterações no cenário jurídico global. Sua implantação ao mesmo tempo que urgente, exige grande ponderação e estudos meticulosos. Hassemer já acenou há tempos com seu “Direito de Intervenção” ou uma “Terceira Via”, admitindo que a proposta ainda carece de maior desenvolvimento teórico e prático (HASSEMER, 1994).