6 CONCLUSÃO
A partir dos anos 1970, os movimentos abolicionista e minimalista passaram a ocupar o cenário do controle social e das políticas criminais nas sociedades capitalistas. O contexto em que estes movimentos emergem é o da deslegitimação dos sistemas penais, e, como resposta a esse processo de deslegitimação, o abolicionismo propõe a absoluta extinção do sistema penal, e, em sua substituição, a adoção de formas alternativas de resolução de conflitos, ao passo que o minimalismo penal defende, associado parcialmente aos postulados abolicionistas, sua máxima contração.
Nada obstante a diversidade apresentada por ambos os movimentos no plano teórico, na prática, tendo como ponto de partida críticas a situações patentes do cotidiano do sistema penal, o abolicionismo e o minimalismo penal oferecem interessantes e úteis ferramentas ao aprimoramento do sistema e à defesa da sociedade, sobretudo, no que tange à contenção da violência (redução dos níveis de criminalidade, ressocialização, descriminalização, despenalização etc) e salvaguarda dos direitos humanos.
De fato, a era da globalização neoliberal é também a era da onda expansionista e de relegitimação do sistema penal orquestrada pelo neopunitivismo (discursos como “Lei e Ordem”, “Tolerância Zero” etc), e não propriamente da hegemonia de práticas minimalistas e abolicionistas.
Sistemas penais seletivos e arbitrários, especialmente na América Latina, fazem do jus puniendi estatal um exercício de poder altamente violento e transgressor dos Direitos Humanos e dos direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito, vale dizer, um exercício de poder deslegitimado que se manifesta como violência inútil.
A implementação dos postulados minimalistas significa a contração dos excessos da intervenção estatal punitiva e a contenção da sua violência. Isso implicaria em um processo amplo e necessário de descriminalização e despenalização, afastando-se os efeitos perversos e inúteis da criminalização e da prisão. A pena corporal seria aplicada somente em último caso, tolerando-se de igual modo uma série de condutas que não constituam grave lesão para os Direitos Humanos.
O Direito Penal não é panaceia para todos os males. De fato, ele é um dos males, malgrado necessário e em certa medida, mas não deixa de ser um mal. Portanto deve sofrer uma contração de seu campo de aplicação, a fim de assegurar-lhe uma correspondência entre o legalmente previsto e aquilo que é efetivamente cumprido quando da infração às suas normas.
A proposta final resumiu-se em demonstrar a necessidade de se dar efetividade e concretude ao princípio da intervenção mínima, com seus subprincípios da fragmentariedade, subsidiariedade e ultima ratio, conformando um Direito Penal racional e com atuação reservada às lesões extremamente relevantes aos bens jurídicos por ele tutelados.
Destacou-se, ainda, que a reforma não deve se concentrar e se reduzir ao campo penal. Ela deve alcançar também os demais instrumentos de controle social existentes nos outros ramos do Direito. Restou nítido o descrédito gerado pela ineficiência dos demais ramos do Direito no enfrentamento dos conflitos sociais e individuais, a ensejar a excessiva expansão da intervenção estatal punitiva (Direito Penal como prima ratio) devido ao incremento dos índices de criminalidade e ao déficit de solução dos conflitos nos outros campos.
Portanto, a pesquisa levada a termo neste trabalho revelou a necessidade de urgente revisão da atual política criminal de cunho expansionista, ou seja, uma revisão do mundo jurídico em diversos aspectos, abrindo-se caminho para novos instrumentos de controle social que não exclusivamente o Direito Penal, atualmente de cunho repressivo, punitivo e deletério, razão pela qual deve ser encarada pela comunidade jurídica a possibilidade de implementação de postulados abolicionistas e minimalistas, dando-se seguimento a estudos mais amplos e profundos.
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