ENTRE QUATRO PAREDES
Within four walls
Resumo: Entre quatro paredes é uma peça teatral de Jean-Paul Sartre, escrita em 1944, a qual é apontada pelo existencialismo do autor. A peça também é conhecida pela frase O inferno são os outros, dita pelo personagem Garcin. O drama “Entre Quatro Paredes” reflete claramente as preocupações filosóficas do seu autor e é categoricamente inerente das teses de O Ser e o Nada.
Palavras-chave: Sartre, outros, peça, quatro, paredes.
Abstract: Within four walls is a play by Jean-Paul Sartre, written in 1944, which is pointed to by the author existentialism. The piece is also known by the phrase Hell is other people, told by the character Garcin. The drama "In the Bedroom" clearly reflects the philosophical concerns of its author and is categorically inherent theses of Being and Nothingness.
Keywords: Sartre, others, part, four walls.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Os personagens; 3. Da existência do homem; 4. A visão de Sartre; 5. Conclusão; 6. Referências;
1. Introdução
O Filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), além das famosas obras filosóficas (“A Náusea”, “O Ser e o Nada”), escreveu romances, contos, peças teatrais e atuou também como crítico literário e de artes.
Escrita por Sartre “Entre quatro paredes” era chamada inicialmente de “Os Outros”.
A peça era uma interpretação de duas amigas de Sartre, as quais iniciavam suas carreiras no palco, Olga Barbezat e Marie Olivier.
Foi apresentada no Brasil pela primeira vez em 1950, no teatro Brasileiro de Comédia, com direção de Adolfo Celli e interpretação de Cacilda Becker (Inês), Sérgio Cardoso (Garcin), Nídia Lycia (Estelle) e Carlos Vergueiro (o Criado).
Já a última encenação ocorreu em 1974, sob a direção de Luis Sérgio Person, no Auditório Augusta de São Paulo, com Nathalia Timberg (Inês), Liliam Leminertz (Estelle), Luiz Linhares (Garcin) e Antonio Maschio (o Criado).
O drama “Entre quatro paredes” é de poucos personagens, numa idéia de drama ambientado num só cenário.
A história coloca três personagens em um inferno problemático, onde são obrigados a conviverem sem informações que possam refletir a própria imagem, a não ser os olhos dos residentes naquele ambiente confuso.
Este ambiente corresponderia a uma espécie de inferno. Não o tipo de ambiente da mitologia cristã, com garfos, diabos e cheiro de enxofre. Mas um salão decorado, com poltronas e estátua de bronze sobre a lareira, retratando o ambiente com estilo do Segundo Império.
A peça, em um ato, foi escrita ainda durante a Segunda Guerra Mundial. Sartre atendeu a um pedido do editor Marc Barbézat e, devido às dificuldades do período, restringiu os elementos cênicos. Assim, o drama é representado por apenas três atores, num único cenário. Com isso, reduziu o orçamento e facilitou a sua apresentação em turnês.
Confinados numa sala, sem espelhos, os três são obrigados a se ver através dos olhos dos outros.
Inês tenta conquistar Estelle, que, por sua vez, mostra interesse por Garcin.
Inês joga um contra o outro, forçando-os a exibir as suas faltas. À medida que a convivência se torna insuportável, Estelle tenta matar Inês, que apenas ri, pois já está morta. Garcin tenta se vingar amando Estelle diante de Inês.
Expostos em suas falhas, os três acabam chegando à conclusão formulada finalmente por Garcin: o inferno são os outros.
2. Os personagens
Os personagens eram levados ao ambiente confuso pelo criado. Trancados, eram condenados a conviverem em vida comum, ocasião em que a convivência tornar-se-á insuportável.
Os mortos, Garcin, Inês e Estelle, representavam pessoas totalmente diferentes uma das outras. Garcin, um homem de letras, Inês, uma funcionária dos correios e Estelle, uma mulher da alta sociedade.
No entanto, ao serem levados pelo Criado naquele ambiente, um a um, reconhecia que o inferno seria cada um deles.
Os três personagens morreram e chegam ao inferno. Este, porém, não tem demônios nem fornalhas como na tradição cristã. É apenas um quarto fechado onde os três se veem condenados a conviver uns com os outros.
Garcin, um escritor, queria ser um herói mas foi covarde. Ele teme que as suas duas companheiras de danação descubram sua covardia. Era farsante, sendo covarde tanto em vida como na nova condição de “morto vivo”. Jornalista pacifista, pretendia ser herói, mantinha um disfarce e procurava esconder o seu crime. Sua maior agonia era a possibilidade das duas companheiras, no inferno hipotético, descobrirem a sua fraqueza ou covardia que naquela situação não podia ser alterada. Mulherengo, péssimo marido, insensível aos sentimentos da esposa, precisava dos olhos de Inês, outra protagonista, para se desculpar.
No que tange a covardia de Garcin, vale refletir acerca das virtudes, as quais são como a coragem. A coragem é um meio-termo em relação aos sentimentos de medo e temeridade. A coragem é um meio-termo no que tange as coisas que inspiram confiança ou temor. Não são corajosas essas criaturas que são impelidas para o perigo pelo sofrimento ou a paixão. A coragem devida à paixão parece ser a mais natural. É por enfrentarem o que é penoso que os homens são chamados corajosos.[1]
Estelle é uma burguesa fútil que assassinou o bebê que teve com seu amante, e foge da própria culpa responsabilizando o destino. Cortejada por Inês, ela a despreza, seja por sua condição superior, ou porque não lhe agradava as declarações que lhe eram feitas. Seu casamento foi realizado com um homem mais velho, por interesse financeiro, esconde o seu crime e tenta convencer Garcin e Inês que havia um engano em mantê-la no inferno. Fútil, superficial e desorientada, necessitava dos olhos do jornalista, Garcin, para manter-se desejada vez que os valores superficiais a impedia de enxergar na forma mais adequada e consciente.
Ela deseja ser protegida e amada, pois a paixão a entorpece e ela pode escapar à realidade.
Em relação a essa paixão de Estelle, cita-se os entendimentos obidos na obra de Aristóteles, a qual nos reflete a lição de que na alma se encontram três espécies de coisas – paixões, faculdades e disposições, a virtude deve ser uma dessas. As virtudes não são paixões nem faculdades só podem ser disposições.[2]
Atualmente, somos levados constantemente a tomar decisões baseadas em nossos desejos e paixões, sem pesar adequadamente o resultado de nossas ações. Para Santo Tomás de Aquino[3], haveria uma virtude capaz de ajudar o homem a encontrar a justa medida de suas ações, seria ela a Prudência. Já Estelle, desejava a proteção através de sua paixão, pois o fato de ser amada a refugiava da realidade.
Inês, homossexual, funcionária dos correios, é agressiva e procura reforçar o sofrimento dos outros. Ela admite suas culpas, diferentemente de Garcin. Atraída por Estelle, porém, rejeitada, enfrenta este desprezo alimentando seu sadomazoquismo. É a única entre os protagonistas que admite a culpa. Reconhece estar no inferno e mostra o seu caráter, admitindo a situação que se encontram. Adere ao fato e tenta tirar proveito dele. Tinha uma reflexão interior profunda e consciência clara do papel a ocupar.
3. Da existência do homem
A filosofia existencialista, defendida por Sartre, responsabiliza o indivíduo na escolha do caminho que melhor lhe afaga e orienta sobre a importância dos sentimentos na vida das pessoas. O filósofo cita: “aquele que me olha é sempre o meu carrasco.”
Já conforme reflexão obtida na obra Ética a Nicômaco, resta evidenciada a visão de Aristóteles donde os homens de discernimento parecem buscar a honra visando ao reconhecimento de seu valor, para eles a virtude é mais excelente do que o título ou o status.[4]
Já na obra Entre Quatro Paredes, apesar do indivíduo desejar ser refletido na melhor forma, os olhos dos outros ignoram esta aspiração e o enxerga em profundidade, com o rigor que efetivamente ele, o individuo, não gostaria.
Nesse sentido, pode-se dizer que esta visão do homem bom adota voluntariamente os meios, onde a virtude é voluntária, e o vicio não será menos voluntário. As virtudes servirão assim, de meios, bem como disposições de caráter, com a tendência de por sua própria natureza dar ensejo na realização dos atos pelos quais elas são produzidas.[5]
Sendo assim, a importância dos outros para cada um de nós, gera influências que podem se tornar um inferno, devido à incapacidade humana de compreender nossas fraquezas. Ele cita: “o inferno são os outros” numa alusão à sua própria imagem refletida nos olhos de quem os observa.
Conforme ensinamentos obtidos na obra de Aristóteles, a amizade assemelha-se a este tipo de importância dos outros com cada um. Nesse sentido a análise que poderemos fazer é a de que não se pode ser amigo de muitas pessoas no sentido de ter com elas uma amizade perfeita, da mesma maneira que não se podem amar muitas pessoas ao mesmo tempo. Pois não passam juntos os seus dias, nem se comprazem na companhia uma da outra; e estas são consideradas as características marcantes da amizade e do amor. É preciso, para uma amizade perfeita, que as duas partes adquiram experiência recíproca e se tornem intimas, e isso custa muito esforço.[6]
4. A visão de Sartre
Sartre nunca perde de vista sua ética, visando uma moral de autenticidade, fez de “Entre Quatro Paredes” uma denúncia a toda ilusão e isolamento e irresponsabilidade.
A afirmação sobre a vigilância e o julgamento constante aos quais somos submetidos, não elimina a possibilidade de um paraíso. Neste caso, cabe ao individuo a responsabilidade da escolha do caminho que mais lhe agrada. Resumidamente, apesar de o inferno ser os outros é possível a conquista do paraíso.
Neste ponto cabe frisar uma das duas espécies de virtude, quais sejam a intelectual e a moral, frisando a virtude moral a qual é adquirida em resultado do hábito, de onde o seu nome se derivou, por uma pequena modificação dessa palavra. É nesse ponto que se enquadra a situação de julgamento sobre o que somos. Nossas disposições morais ou caráter nascem de atividades semelhantes a elas. É por essa razão que devemos atentar para a qualidade dos atos que praticamos, pois nossas disposições morais correspondem às diferenças entre nossas atividades. A escolha do caminho que mais agrada não significa necessariamente buscar a felicidade. Ser feliz é usar a razão com propriedade e fazer de tal modo que isso se torne uma virtude.[7]
Entre quatro paredes, sem janelas, sem pausas para a vida cotidiana e descanso da observação aos olhos dos outros personagens, os três protagonistas foram obrigados a conviverem. Cita um dos protagonistas referindo-se ao piscar dos olhos, como fuga ao julgamento dos outros, como se os seus olhos fechados impossibilitassem as críticas de quem o observa: “A gente abria e fechava; isso se chamava piscar. Um pequeno clarão negro, um pano que cai e se levanta, e aí a interrupção. (...) Quatro mil repousos em uma hora. Quatro mil pequenas fugas”.
Independente da intensidade, todos os protagonistas se olhavam e esta visão não passava do inferno de cada um. Cada um sabia os motivos de estar ali, no entanto, tentavam esconder dos outros os fatos que os levaram à situação, para serem vistos como pessoas boas, exceto Inês, que não tinha esperança de mudança.
Enquanto Estelle e Garcin tentaram esconder os seus crimes, Inês expõe o por ela praticado e chama a atenção dos demais condenados, igualmente a ela, a permanecerem de forma irreversível, no lugar onde um é o espelho do outro. Tenta fazer com que Estelle enxergue Garcin através da avaliação dos seus olhos, como alternativa, já que ela o avaliava de forma superficial.
A história segue com Inês tentando conquistar Estelle, que por sua vez procura se relacionar com Garcin, e - sabedores de que a consciência é liberdade condenada a existir - sem possibilidade de fuga Garcin se antecipa ao fechamento das cortinas e diz: "Pois bem, continuemos..."
5. Conclusão
Sartre apresentou uma proposta de compreensão da condição humana institulada psicanálise existencial, ocasião em que ao escrever sobre o inferno, retrata a situação de convivência entre três pessoas obrigadas a conviverem num ambiente fechado.
A peça foi feita com propósitos estéticos, com a intenção de um baixo orçamento, já que contava com apenas 3 (três) personagens, faciltando a realização de turnê.
A questão do olhar tanto retratada na peça, demonstra a afirmação do filósofo que o modo de ser da consciência também seria o ser para outro, na medida em que observa o outro.
Algumas passagens da peça demonstram a consciência, por exemplo, de Inês, que serve de espelho para refletir a má-fé de Estelle e de Garcin, ao mentirem para si mesmos.
A reflexão está ligada a idéia do espelho, já que a própria consciência é posicionada a si mesmo diante da própria imagem.
O ato de abrir e fechar os olhos, para Garcin, era como um descanso de sua existência. Neste passo, a ideia de interrupção se dá pelo ato de piscar os olhos.
Este embate de conciências entre os três personagens é o que denuncia a liberdade de viver num jogo de encontro e desencontros.
O espelho torna-se crítico ao apontar as falhas e as mentiras na existência ou não de conflitos.
6. Referências
AQUINO, Tomás. A Prudência – A virtude da decisão certa. São Paulo: Martins Fontes, 2005
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini / Bauru, SP: Edipro, 3ª Ed., 2009
SARTRE, J. P. Entre Quatro Paredes. Peça em um ato. Tradução e notas de Guilherme de Almeida. Editor Victor Civita. Abril S.A. Cultural Industrial, São Paulo, 1ª edição – março de 1977
[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini / Bauru, SP: Edipro, 3ª Ed., 2009, Livro III
[2] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini / Bauru, SP: Edipro, 3ª Ed., 2009, Livro II
[3] AQUINO, Tomás. A Prudência – A virtude da decisão certa. São Paulo: Martins Fontes, 2005
[4] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini / Bauru, SP: Edipro, 3ª Ed., 2009, Livro I
[5] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini / Bauru, SP: Edipro, 3ª Ed., 2009, Livro III
[6] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini / Bauru, SP: Edipro, 3ª Ed., 2009, Livro VIII
[7] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini / Bauru, SP: Edipro, 3ª Ed., 2009, Livro II