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A integração no Direito Tributário:

considerações acerca do emprego da analogia

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Agenda 01/08/2002 às 00:00

5. A analogia e a interpretação extensiva no direito tributário

Para Norberto Bobbio [40], há uma diferença entre a natureza jurídica da interpretação extensiva e da analogia, manifestada pelos efeitos decorrentes de uma e de outra. Para ele, na primeira, ocorreria uma aplicação da mesma norma a hipóteses não especificamente por ela contempladas, pelo que, para Francisco de Souza Matos seria confundida com a "analogia por compreensão" [41]. Na outra, diante da ausência de norma reguladora para a hipótese específica, criar-se-ia uma nova norma, não aplicando-se extensivamente aquela já existente.

Alfredo Augusto Becker distingue a analogia por compreensão e analogia por extensão:

"É preciso distinguir entre analogia por compreensão e analogia por extensão; na primeira, a Interpretação constata a incidência de regra jurídica que já existia; na segunda, não ha Interpretação, mas criação de regra jurídica nova que, uma vez criada, incide sobre sua hipótese de incidência (´fato gerador´ ou suporte fático)." [42]

Contudo, Amílcar de Araújo Falcão demonstra não haver, de fato, que falar-se em interpretação extensiva ou restritiva, eis que

"O intérprete, portanto, não cria, nem inova; limita-se a considerar o mandamento legal em toda a sua plenitude e extensão e a, simplesmente, declarar-lhe a acepção, o significado e o alcance. Pode ocorrer que o legislador tenha expressado mal a sua vontade, estabelecendo-se entre a dicção da lei e o seu espírito uma inequivalência ou um desequilíbrio aparentes, de modo que a fórmula verbal signifique menos (minus dixit quam voluit) ou mais (plus dixit quam voluit) do que se intentava dizer. Em qualquer dos dois casos, a interferência do intérprete, restabelecendo o sentido da norma, pela pesquisa de seu espírito (mens legis), não amplia, nem restringe aquele mesmo sentido. É um erro, ou uma impropriedade, como se vê falar, em um caso, em interpretação extensiva e, no outro, interpretação restritiva." [43]

O verdadeiro cerne da questão, muito bem apontado por Ricardo Lobo Torres, consiste em identificar o "limite da expressividade das palavras da lei" [44], pois, para ele, seu emprego deve observar alguns parâmetros:

"...só se utiliza quando insuficiente a expressividade das palavras da lei; é necessário que haja semelhança notável entre o caso emergente e a hipótese escolhida para a comparação; beneficia assim o fisco que o contribuinte." [45]

Outro aspecto a ser investigado, segundo Amílcar Falcâo, seria a intenção do legislador de fazer uma enumeração taxativa ou meramente exemplificativa, pois segundo ele:

"O critério mais seguro para distinguir as duas situaçãoes consiste em que, no último caso, os fatos ou circunstâncias são numerosos e guardam entre si traços comuns, que permitem reuni-los numa categoria, enquanto, no primeiro caso, a enumeração é menos ampla e os fatos ou circunstâncias deixam sobressair caracteres secundários a traduzirem situações diversas em cada hipótese, tornando-se indeterminado, ou não aparecendo qualquer elemento ou traço comum." [46]

A interpretação extensiva teria lugar, então, para aplicar-se aquela norma a circunstâncias, fatos, situações enumeradas exemplificativamente, pois a lei teria dito menos que gostaria (dixit minus quam voluit); a hipótese examinada estaria fora do alcance expresso da lei, embora o legislador a tenha querido contemplar. Ainda assim, estaríamos diante de mera atividade declarativa. A este respeito, FRANCISCO JOSÉ CARRERA RAYA esclarece que

"...la interpretación extensiva no hace más que aclarar el sentido de la ley poniendo de acuerdo su letra insuficiente con su espíritu. Con otras palabras, la interpretación extensiva precisa el significado de una norma ya formulada..." [47]

Assim, não há que se equiparar a analogia à interpretação extensiva, pois, mesmo diante das dificuldades para a sua distinção, no caso concreto, são divergentes. A primeira parte de uma regra geral, que é extendida até atingir a hipótese não regulada pela letra da lei, que, a partir de então, passará a reger as duas situações. A outra submete duas situações semelhantes a uma mesma regra, que, em princípio, prevê apenas a primeira, enquanto a segunda não encontraria previsão em dispositivo algum.


6.O emprego da analogia e o princípio da legalidade no direito tributário

A aplicação da analogia no Direito Tributário tornou-se questão controvertida e de dificílima solução. A conexão entre o princípio da legalidade e a proibição da analogia surgiu do ideário liberal da Europa do século XVIII, onde eclodiram movimentos revolucionários, como a Revolução Francesa de 1789, que tornou-se também uma das causas da Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, e da Inconfidência Mineira, no Brasil. Estes movimentos foram provocados exatamente pela atividade tributária arbitrária e, quase sempre, extorsiva do Estado. Eis a razão do princípio da legalidade ter assumido uma função garantidora no Direito Tributário, tal como ocorreu no Direito Penal.

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Por estas razões, a existência de lacunas no Direito vem de encontro às limitações do Poder Judiciário, em função do princípio da separação dos poderes. Assim, diante da presença de uma lacuna, poderia o juiz supri-la ou, assim atuando, estaria desempenhando função privativa do Poder Legislativo ?

A vexata quaestio consiste em saber se, através da analogia, pode uma norma tributária extender-se a situações não incluídas em seu campo de aplicação, mas que, dada sua similitude com a hipótese a ser regulada, estaria nele incluído; estaria ocorrendo violação ao princípio da reserva legal ?

A doutrina alemã, na qual desponta KLAUS TIPKE, considerado o maior especialista em Direito Tributário da atualidade, entende ser possível a coexistência entre aquele limite constitucional e o emprego da analogia, como método de integração jurídica.

Segundo registram JUAN MARTIN QUERALT, CARMELO LOZANO SERRANO, GABRIEL CASADO OLLERO e JOSÉ M. TEJERIZO LÓPEZ, a questão está sendo revista, no Direito espanhol, de modo a admitir-se a analogia onde a Ley General Tributaria – artigo 23.3 – não proíbe. Entendem eles que cabe ao Tribunal Constitucional decidir se a analogia contraria o princípio da reserva de lei ou, ao contrário, seria ela o vetor de promoção de igualdade jurídica, através da capacidade contributiva.

"En la doctrina española, PÉREZ ROYO ha afirmado que el único límite que se presenta para la aplicación analógica de las normas tributárias es el mismo que se presenta para cualquier norma jurídica, o sea el límite de carácter puramente lógico de la estructura de su presupuesto de hecho, añadiendo que ni siquiera en el ámbito penal es el principio de reserva de ley, en sí mismo considerado, el que excluye la aplicación analógica de las normas penales, sino la exigencia de certeza incorporada en el princípio de tipicidad." [48]

Dadas as similitudes de institutos e princípios, cujas lindes foram tão bem examinadas pela Prof.ª Misabel Abreu Machado Derzi, em sua obra "Direito tributário, direito penal e tipo" [49], e sua característica de manifestação do poder de império do Estado, muitos dos princípios e limitações constitucionais aplicáveis ao Direito Penal, também o serão ao Direito Tributário.

De fato, só para citar o exemplo mais expressivo, à conduta típica, cuja descrição abstrata, no Direito Penal, é feita pela norma penal incriminadora, corresponde, no Direito Tributário, o fato gerador. O tipo penal, portanto, há de ter todos os seus elementos constitutivos previstos em lei (nulla poena, nullum crimen sine lege); logo, o mesmo princípio há de ser adotado em matéria tributária. [50]

Em sede constitucional, encontramos as verdadeiras semelhanças entre estes dois campos do Direito, com a aplicação dos princípios que lhe são comuns, tais como: legalidade ou reserva legal, anterioridade, igualdade, irretroatividade da lei, retroatividade da lei mais benéfica, devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

Assim, à guisa de argumentação, tomemos por exemplo o artigo 4.1. do Código Penal Espanhol que veda expressamente qualquer método ou processo ampliativo da letra da lei.

"Las leyes penales no se aplicarán a casos distintos de los compreendidos expresamente en ellas."

Guardando coerência com o princípio respeitado na lei penal, o artigo 23.3. da Ley General Tributária contém expressa vedação ao uso da analogia para ampliar os limites do fato gerador, das isenções e das bonificações [51]. JOSE JUAN FERREIRO LAPATZA justifica a proibição pelo fato de que a obrigação tributária é obrigação ex lege; assim não se pode exigir tributo com fundamento na analogia, dada a violação ao princípio da legalidade. [52]FRANCISCO JOSÉ CARRERA RAYA registra que a corrente majoritária, na doutrina espanhola, situa a proibição não só em relação ao fato gerador, isenções e bonificações, mas a todos os elementos essenciais ou estruturais do tributos, por serem matéria de reserva de lei. [53] Contudo, este mesmo diploma excepciona a regra em seu artigo 24, ao determinar que

"Art. 24. Para evitar el fraude de ley se entenderá que no existe extensión del hecho imponible cuando se graven hechos, actos o negocios jurídicos realizados com el propósitode eludir el pago del tributo, amparándo-se en el texto de normas dictadas con distinta finalidad, siempre que produzcan un resultado equivalente al derivado del hecho imponible..."

Considerada a reserva de lei ou princípio da legalidade (lex certa, praevia, scripta e stricta), como decorrência lógica e necessária da necessidade de segurança jurídica, corolário essencial do Estado de Direito, podemos desdobrá-lo em dois subprincípios: o princípio da reserva de lei formal e princípio da reserva de lei material, cujo sentido foi esclarecido por Luciano Amaro da Silva, ao asseverar que

"quando se fala em reserva de lei para a disciplina do tributo, está-se a reclamar lei material e lei formal. A legalidade tributária não se contenta com a simples existência de comando abstrato, geral e impessoal (lei material), com base em que sejam valorizados os fatos concretos." [54]

A segurança jurídica requer lei formal, ou seja, exige que aquele comando que cria a exação, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), ao elaborar a norma jurídica tributária (hipótese de incidência, sujeitos ativo e passivo, bases de cálculo, alíquotas) [55], seja formulado por órgão titular de função legislativa (reserva de lei formal).

Tributario. ICM. Vendedor e comprador sediados em estados-membros diversos. Fato gerador. Local da fatura da nota fiscal. Aliquota interna. ctn, arts. 97, iii, 102, 108 e 114. Del. 406/1968 (art. 1º.). Leis estaduais/mg 6.763/1975 e 7.164/1977. 1. A definição do fato gerador corresponde a situação definida em lei, sintonizando a nota fiscal ou a fatura (expressão da ´tradição´) o local da saida para a entrega ao consumidor final, espelhando o envolvimento do ato mercantil. 2. Repudio a ´saida ficta´ e a ´analogia´ para justificação de compreensão fiscalista na venda direta ao consumidor. 3. A ingerencia da legislação estadual em assunto reservado a lei complementar e sementeira de violação dos limites legais a criação de tributação. 4. No caso, o ICM tem como local de incidencia aquele de onde saiu a mercadoria para o consumidor. 5. Precedentes jurisprudenciais. 6. Recurso provido. (STJ - 1ª Turma - RESP-87862/MG - Min. MILTON LUIZ PEREIRA j. 27/02/1997 - DJU 24/03/1997) (grifos nossos)

Há autores de peso, como Fernando Sainz de Bujanda [56] e, entre nós, Amílcar de Araújo Falcão [57], que entendem que o emprego da analogia feriria a segurança jurídica, pela violação ao princípio da legalidade tributária insculpido, entre nós, na norma do artigo 150, I da Constituição Federal, abrindo um campo de demasiada discricionariedade para o aplicador, eis que estaria sendo suprida a vontade do legislador. Para Alfredo Augusto Becker,

".... quando se trata de lei tributária criadora de tributo, é indispensável que preexista regra jurídica outorgando, expressamente, ao juiz (ou à autoridade incumbida do lançamento), o poder de "aplicar" (criar), por analogia, a regra jurídica tributária criadora do tributo. (...) A sua referida ineficácia decorre da existência de outra regra jurídica (portanto, justamente em virtude do indicado cânone hermenêutico), esta de natureza constitucional (existente em todas as modernas Constituições), que proíbe a cobrança de tributo sem prévia lei que o estabeleça" [58]

Para FRANCISCO DE SOUZA MATOS, a discussão acerca do emprego da analogia, no Direito Tributário, estaria encerrada na medida em que a ela nem sempre criaria uma norma jurídica, mas consistiria em sua aplicação a um caso não previsto expressamente, mas que, com ele, guarda afinidade, tendo escapado à letra, mas não a mens legis. Prossegue afirmando que sua aplicação não constitui desrespeito ao princípio da legalidade, já que não acarreta tributação de fato que o legislador não quis tributar, dada a sua identificação com a norma já existente. [59][60]

Outros, como Ricardo Lobo Torres, afirmam que a legalidade deve ser contrabalançada com a igualdade, através da capacidade contributiva, e com a justiça, que passaria a ter seu papel equilibrado com a segurança jurídica [61]

A considerar-se a opinião de Norberto Bobbio, acima exposta, de que a analogia criaria nova norma, realmente estar-se-ia violando o princípio da legalidade tributária e ferindo de morte a segurança jurídica. Todavia, pela existência da analogia por extensão, que, na verdade, se confunde com a interpretação extensiva, não haveria nenhum óbice, para que ela fosse aplicada no Direito Tributário, eis que, neste caso, ambos os fatos estariam compreendidos na ratio legis.

Sobre a autora
Cinthia Rodrigues Menescal Palhares

defensora pública no Estado do Rio de Janeiro, advogada, professora da Universidade Cândido Mendes, mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALHARES, Cinthia Rodrigues Menescal. A integração no Direito Tributário:: considerações acerca do emprego da analogia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3103. Acesso em: 5 nov. 2024.

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