Em que pese a lei 7.210 ter sido instituída no ano de 1984 e até o presente momento de elaboração deste artigo a mesma não ter passado criteriosamente por uma análise detida de constitucionalidade ou não, após a promulgação da constituição federal em 1988, presume-se que a mesma tenha sido recepcionada pela carta magna, ao menos, até que venha uma aprofundada análise e discussão sobre a sua completude normativa.
Dito sobre este ponto, verifica-se que a lei de execução penal, ao contrário do sistema penal, não visa a punição em si, mas sim, a reinserção do cidadão já condenado pelo sistema ao seio da sociedade, aliás, assim também menciona o renomado mestre Delmanto ao falar que “a pena tem três finalidades, sendo que, dentre elas destaca-se a ressocializadora porque objetiva a readaptação social. Busca recuperar, reeducar ou educar o condenado”¹.
Ademais, conquanto penitente, menciona Mirabete (1996) que:
Por estar privado de liberdade, o preso encontra-se em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na Constituição Federal e nas leis,mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não atingidos pela condenação.”.
Outrossim, baseando nestes entendimentos aclaratório, vê-se que a lei de execução penal estabelece que a regra para o cumprimento de pena é estabelecido pela progressão, ou seja, após o penitente atender certos critérios legais, assiste ao mesmo o direito de modificar a sua pena para outra mais branda até que possa ao final entender o significado do cumprimento da pena e atingir a ressocialização, pondo em mente que o feito praticado por sua ilicitude prejudica a própria sociedade em que convive.
Porém, tal regra comporta duas exceções, nas quais, poderá o penitente ter o seu regime de pena regredido do mais “benéfico” para o mais “gravoso”, porém, para que isso ocorra, deve o mesmo se adequar ao estabelecido pelos incisos I e II do artigo118 da lei de execucoes penais.
Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).
§ 1º O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.
§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.
Sendo assim, a legislação sobre execução penal é clara em seu artigo demonstrado e principalmente sobre a égide do parágrafo segundo que, independentemente se a regressão do penitente se der da forma do inciso primeiro ou do inciso segundo, pois, assim estar-se-á garantindo e preservando o devido processo legal com o contraditório e a ampla defesa, ademais, o verbo da determinação “deverá” não é uma faculdade, mas sim, uma ordem legal imposta ao magistrado antes da decisão de regressão.
Aliás, neste sentido das possibilidades, merece destacar que conforme os incisos apresentam, estes devem ser também analisados sob o prisma do devido processo legal para que seja consubstanciada a adequação do termo, como por exemplo, se o artigo menciona em seu inciso primeiro que o condenado poderá ser regredido de regime se praticar fato definido como crime doloso, este fato só será verificado ao final de uma instrução processual penal e com todas as garantidas inerentes ao processo, principalmente com o trânsito em julgado da condenação nova.
De mesma sorte merece a regressão por falta grave, pois, esta só deverá ser verificada se atendidos os direitos à ampla defesa e o contraditório em um processo administrativo da penitenciária e após a decisão final que considerar irrecorrível o fato da falta grave, pois, se não houver tais atendimentos, torna-se incabíveis a regressão, mormente quando se tratar de uma regressão cautelar.
Aprofundo-nos ainda mais nesta matéria, ver-se que o parágrafo segundo apresenta uma ordem ao magistrado julgador no momento da decisão que determinar a regressão do regime de cumprimento de pena do apenado, pois, deve-se respeitar o direito do mesmo em se defender dos fatos que lhe são imputados como novos e que irão impactar diretamente em seu cumprimento de pena e quiçá, em sua ressocialização.
RECLAMAÇÃO. PENAL. LIMINAR CONCEDIDA EM HABEAS CORPUS. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME MENOS GRAVOSO. EXISTÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. SUSTAÇÃO CAUTELAR DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO CONFIGURADO. 1. A reclamação é instrumento de previsão regimental destinado a preservar a competência da Corte ou garantir a autoridade de suas decisões (RISTJ, art. 187). 2. A possibilidade de regressão de regime prevista no artigo 118 da Lei de Execução Penal deve obedecer a procedimento em que se assegure a oitiva do apenado, somente devendo ser levada a efeito após seu trâmite regular, não se mostrando razoável a sustação cautelar da transferência do reclamante para o regime semi-aberto se tal benefício foi assegurado por decisão desta Corte.3. Reclamação julgada procedente. (STJ - Rcl: 1667 SP 2004/0104818-2, Relator: Ministro PAULO GALLOTTI, Data de Julgamento: 24/11/2004, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 11.06.2007 p. 261).
Nesse mesmo sentido se manifestou o mesmo órgão julgador ao julgarem um recuso ordinário em Habeas Corpus, sendo que, assim se manifestaram:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. COMETIMENTO DE FALTA GRAVE. REGRESSÃO DE REGIME. INEXISTÊNCIA DE OITIVA PRÉVIA DO CONDENADO. LEI No7.210/84, ART. 118, § 2o. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PREJUÍZO DEMONSTRADO. RECURSO PROVIDO. Configura constrangimento ilegal a decisão que determina a regressão de regime prisional fundada em procedimento regular instaurado para a apuração da prática de falta disciplinar, não obstante a inexistência de oitiva do réu pelo Juízo das Execuções. É de rigor a regra do art. 118, § 2o, da LEP, no sentido de se entender imprescindível a audiência pessoal do condenado, pelo Juiz, antes de imposição da regressão. In casu, sendo a decisão regressão definitiva a determinar a medida mais gravosa, imprescindível a prévia oitiva do réu que, em tese, cometeu falta grave, propiciando-se, assim, a oportunidade da ampla defesa do condenado. Recurso PROVIDO. (STJ - RHC: 17924 PR 2005/0096400-4, Relator: Ministro PAULO MEDINA, Data de Julgamento: 18/08/2005, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 12.09.2005 p. 370RT vol. 843 p. 536).
Portanto, diante do quanto verificado nos julgados acima mencionados, percebe-se que as decisões exaradas pelos magistrados de primeiro grau em que determinam a regressão do cumprimento de regime de pena do penitente de forma cautelar, “fere de morte” a determinação legal do parágrafo segundo constante no artigo 118 da lei de execucoes penais, portanto, tais decisum, devem ser considerados ilegais, ou melhor, devem os magistrados se absterem de proferir decisões neste sentido, mormente quando requeridos pelos representantes do Ministério Público, pois, a ilegalidade passa-se a tornar-se inconstitucional em violação ao devido processo legal.
Ao final, merece destacar que não encontra respaldo legal a medida cautelar em regressão de regime de cumprimento de pena, pois, tal situação foi uma construção doutrinária e jurisprudencial e não deve ser repassada pelos magistrados, pois, estes tem o dever legal de aplicar o comento da lei no caso concreto e a função de um magistrado é guardar lealdade com a imparcialidade e com o devido processo legal e não se agarrar a construções pífias de teses inexpressivas