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MPT no Pará e Amapá:

mudança no modus operandi

Agenda 22/12/2014 às 09:55

O Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá parece ter mudado o seu modo de enfrentar a síndrome das violações trabalhistas, com mais ações civis públicas de cunho indenizatório.

O objetivo do presente artigo é demonstrar que houve uma alteração no comportamento do Ministério Público do Trabalho nos Estados do Pará e Amapá. Da mesma forma como ocorreu na Bahia, Rondônia e Acre, a busca pela responsabilização dos infratores através de ações judiciais foi fortemente incrementada ao longo dos quatro últimos anos.

Tem sido objeto dos nossos estudos o conhecimento e análise do perfil objetivo das instituições de regulação do trabalho, envolvendo o comportamento da Justiça do Trabalho, Fiscalização do Trabalho e Ministério Público do Trabalho. Dentro deste contexto, realizamos um levantamento estatístico envolvendo desta vez a Procuradoria do Trabalho da 8ª Região, responsável pela regulação do trabalho nos Estados do Pará e Amapá. O foco foi identificar alguma mudança no que tange ao comportamento hegemônico do Ministério Público do Trabalho, apontado de forma crítica por Filgueiras[ii](2012), para quem:

As ações buscando a conciliação com o capital infrator são sistemáticas, e têm lastro nas concepções hegemônicas incorporadas (...). Ao “envidar todos os esforços na tentativa da adequação voluntária e administrativa do denunciado aos ditames legais”, o MPT concede às empresas infratoras a decisão da discussão judicial do caso. Os TACs (...) são defendidos porque previstos em lei e resultado de consenso com os infratores, sendo a justiça acionada apenas se não houver compromisso. A utilização das ACPs apenas como último recurso (...) é fartamente admitida pelos procuradores, e recorrentemente contaminada pelo caráter ideológico da cultura conciliacionista. Os TACs foram amplamente privilegiados em relação às ACPs, conforme demonstra a Tabela a seguir, com dados globais da instituição no país.

Tabela 8.25 - Brasil: MPT - Número de ACPs e TACs ano a ano

1997

1999

2000

2001

2003

ACP

418

690

864

629

628

TAC

1080

2392

3612

4980

5823

Fonte: Site da PGT e revista da ANPT.

A suposição de que uma maior quantidade de ações civis públicas ajuizadas implicaria numa mudança, gradual e provisória, desta cultura conciliacionista é o ponto de partida deste artigo.

Realizamos pesquisa com base no sistema do Ministério Público do Trabalho intitulado “MPT Digital”, que funciona como um banco de dados que registra todas as informações relevantes relativas aos procedimentos que por ali passam. Com a utilização de chaves de busca tais como “ação civil pública” e “procedimentos de acompanhamento judiciais” autuados no período alcançado, de 2010 a 2013, chegamos aos dados coletados. Tanto as procuradorias das capitais, em Belém e Macapá, quanto as Procuradorias do Trabalho nos Municípios de Marabá e Santarém foram contempladas. Assim, a pesquisa envolveu ações civis públicas, execuções de termos de ajuste de conduta e outras modalidades de ações ajuizadas nos últimos quatro anos, estas em menor número (ações civis coletivas ou ações rescisórias).

Da mesma forma como ocorreu no Estado da Bahia, Rondônia e Acre[iii], o que se observou é que houve uma forte mudança no quantitativo de ações ajuizadas, o que sugere uma maior adoção da via judicial como forma de combate às infrações trabalhistas que afetam o interesse público. A quantidade de ações civis públicas e execuções de termos de ajuste de conduta ajuizadas aumentou vertiginosamente, passando de um total de 110 ações ajuizadas no ano de 2010, para 316 ações ajuizadas no último ano de 2013.

Em relação aos anos de 2010-2013, o acréscimo percentual foi de quase 200%.[iv]

Como contraponto, deve ser dito que o número de representações (notícias de fato) também aumentou neste lapso de tempo. Assim é que no ano de 2010 foram autuadas 863 representações, enquanto em 2012 houve um pico de denúncias autuadas atingindo 1299 representações, para estabilizar-se no total de 1192 representações apresentadas no ano de 2013, redundando num aumento percentual de 50%, número este incompatível, entretanto, com o recrudescimento do número de ações ajuizadas.

Analisamos, ainda, o quantitativo específico de ações civis públicas propostas. No primeiro ano (2010), os Procuradores do Trabalho do Pará e Amapá ajuizaram 43 ações civis públicas; em seguimento, este número mais do que dobrou no ano de 2011, quando foram ajuizadas 98 ações civis. No ano de 2012 foram ajuizadas 131 ações civis públicas para, em 2013, chegar-se a uma possível marca histórica de 154 ações civis públicas[v]intentadas conforme tabela abaixo.

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Verifica-se, com facilidade, que houve um incremento de quase 300% no resultado total de ações civis ajuizadas, tendo quase quadruplicado o número original.[vi]

Em contrapartida, o quantitativo de procuradores permaneceu praticamente estável, oscilando entre 24 e 30 procuradores em cada um dos anos.[vii]. A média bruta de ACPs por procurador passou de 1,7 ação ajuizada por ano em 2010 para 5,1 ações civis públicas por membro em 2013. Ou seja, aumentou-se em três vezes a quantidade de ações civis ajuizadas individualmente por membro.

Alguns resultados já estão sendo colhidos. Em ação civil pública proposta pelo Parquet Trabalhista a MRN (Mineração Rio do Norte S.A) foi condenada ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 653.000,00, sendo que o TST confirmou recentemente este decisum. A Companhia de Eletricidade do Amapá foi condenada em 200 mil reais pela falta de recolhimento do FGTS dos seus empregados. O Banco Bradesco foi condenado em 1 milhão de reais, por desvio de função, pela 10ª Vara do Trabalho de Belém[viii]. E a empresa LMS Vigilância e Segurança Privada Ltda., com sede em Macapá, foi condenada em R$ 500.000,00, também a título de indenização por danos morais coletivos, por não assinar corretamente a CTPS dos seus empregados.

O número de termos de ajuste de conduta firmados, entretanto, ainda supera a quantidade de ações civis públicas ajuizadas, uma vez que no último ano foram celebrados nada menos do que 408 TACs[ix].

A grande questão para os operadores do Direito do Trabalho hoje em dia consiste em identificar uma estratégia de atuação que combata a pandemia de infrações trabalhistas de forma estrutural e não meramente pontual ou atomizada. Pelos dados gerais do nosso mercado de trabalho (índices de informalidade, grau crescente de terceirização e precarização do trabalho, estatísticas de acidentes de trabalho), este objetivo ainda está longe de ser alcançado. Por esta razão é que as formas de enfrentamento ao descumprimento arraigado de direitos trabalhistas devem ser repensadas[x].

No sistema capitalista, cumprir a lei implica mais custos, de forma que se a reação do Estado não for pecuniariamente superior à redução de gastos que as violações da lei engendram, o ciclo da impunidade não será rompido. Aqui, cabe citarmos José Roberto Freire Pimenta: 

(561) O que, embora insustentável do ponto de vista jurídico, é até compreensível na estrita ótima empresarial, movida essencialmente por considerações de natureza econômica e administrativa, com vistas à maximização da citada relação custo-benefício – o erro maior, evidentemente, é daqueles operadores do Direito que, tendo ou devendo ter noção disso, nada fazem para inverter essa equação de modo a tornar desvantajosa, na prática, essa relação, mediante a plena e efetiva aplicação das normas jurídicas materiais em vigor, com a rigorosa aplicação de todas as sanções materiais e processuais legalmente previstas para a hipótese de seu descumprimento”. (Pimenta, José Roberto Freire. DIREITO DO TRABALHO – Evolução, Crise, Perspectivas – São Paulo: LTr, 2004. Tutelas de Urgência no Processo do Trabalho: O Potencial Transformador das Relações Trabalhistas das Reformas do CPC Brasileiro. P. 341).

Como temos insistido, apenas uma pequena proporção de TACs firmados exige que o infrator dispenda algum tipo de recurso financeiro com finalidade reparatória (indenização prévia do dano moral coletivo), enquanto a ampla maioria (97,5% daqueles analisados) somente exige o cumprimento da lei para o futuro[xi], razão pela qual o modus operandi institucional tem-se mostrado ineficaz no que tange à efetivação dos direitos trabalhistas[xii]. Por outro lado, quando uma ação civil pública é ajuizada, contendo pedido de indenização pelos danos morais e materiais causados (dumping social), o desestímulo financeiro que pode sobrevir representa uma tendência de reversão deste quadro de concorrência predatória lastreado no descumprimento da legislação trabalhista[xiii].

O Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá parece ter mudado o seu modo de enfrentar a síndrome das violações trabalhistas (mais ações civis públicas de cunho indenizatório).

Algumas questões, entretanto, necessitarão ser melhor esclarecidas, futuramente, para avaliarmos a natureza e a profundidade das alterações sugeridas pelos dados. É preciso apurarmos a dinâmica do número de TACs firmados em comparação às ações civis ajuizadas; perquirirmos se as ACPs foram opções prioritárias dos procuradores ou últimos recursos após recusa dos infratores à assinatura dos TACs; além disso, a condução das ACPs, pelos procuradores, é também uma variável fundamental para detectar se seu monitoramento tem visado a imposição das normas e responsabilização dos infratores, ou têm seguido a lógica flexível já identificada nos TACs; e, ainda, como a prática de arquivamento de alguns procedimentos têm se relacionado com a opção de condução flexível da regulação do emprego.

Portanto, se essa guinada será suficiente para imprimir uma pedagogia eficiente nas relações trabalhistas só o tempo dirá, mas o certo é que o direito pode atuar, também, como instrumento de mudança social[xiv].


Notas

[ii]Filgueiras, Vitor. Estado e direito do trabalho no Brasil:regulação do emprego entre. 1988 e 2008. 2012.

[iii]Souza, Ilan. MPT da Bahia mudou e ações civis públicas aumentaram. 2014. (Disponível em < http://www.conjur.com.br/2014-fev-12/ilan-fonseca-mpt-bahia-mudou-acoes-civis-publicas-aumentaram> acesso em 14.03.2014) e Rondônia e Acre: ação civil pública como estratégia de efetivação de direitos fundamentais trabalhistas (disponível em < http://indicadoresdeemprego.files.wordpress.com/2013/12/rondc3b4nia-e-acre-ac3a7c3a3o-civil-pc3bablica-como-estratc3a9gia-de-efetivac3a7c3a3o-de-direitos-fundamentais-trabalhistas.pdf>)

[iv]Ações ajuizadas por ano: 2010-110, 2011-210, 2012-276, 2013-316.

[v]Número este relativamente coincidente com aquele apresentado pelo Relatório Gaia do MPT, que indica um total de 157 ações civis públicas ajuizadas no período. (http://www.prt15.mpt.gov.br/images/arquivos/mpt/indicadores/IndicadoresMPT.pdf)

[vi]Seguem números registrados por ano: 2010 – 16, 2011 – 19, 2012 – 61, 2013 – 91.

[vii]Segue histórico da quantidade de procuradores por mês/ano: 08.2010 – 24, 03.2011 – 28, 03.2012- 27, 03.2013 – 29, 08.2013 – 30. Fonte: Relatórios da Corregedoria do MPT e Revista do MPT.

[viii]Disponíveis nos sites: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/9354441 , http://www.brasil247.com/pt/247/amapa247/128153/CEA-recorre-de-multa-imposta-pela-Justi%C3%A7a-do-Trabalho.htm; http://reporterbrasil.org.br/2014/01/bradesco-pagara-r-1-mi-em-dano-moral-coletivo/)

[ix]O Relatório Gaia apresenta número levemente discrepante de 425 TACs firmados no ano de 2013.

[x]  Nesta discussão, é fundamental para a ACP a sua forma de condução, com formulação de pedidos compatíveis ao dano impingido, e a pró-atividade do procurador em todo processo (recorrendo através de Mandados de Segurança, dialogando abertamente com o Judiciário etc).

[xi]Em contraposição aos termos de ajustamento de conduta que não costumam ter pré-fixação de indenização por danos morais coletivos. Vide a respeito: Filgueiras, Vitor. Estado e direito do trabalho no Brasil:regulação do emprego entre. 1988 e 2008. 2012.

[xii]O fenômeno da impotência do Ministério Público na proteção dos direitos difusos foi observado por Capelletti e Garth (Embora seja ainda o principal método para representação dos interesses difusos, - especialmente por causa da relutância tradicional em dar-se legitimação a indivíduos ou grupos para atuarem em defesa desses interesses – a “ação governamental” não tem sido muito bem sucedida (94). A triste constatação é que, tanto em países de common law, como em países de sistema continental europeu, as instituições governamentais que, em virtude de sua tradição, deveriam proteger o interesse público, são por sua própria natureza incapazes de fazê-lo. O Ministério Público dos sistemas continentais e as instituições análogas, incluindo o Staatsanwatl alemão e a Prokuratura soviética, estão inerentemente vinculados a papéis tradicionais restritos e não são capazes de assumir, por inteiro, a defesa dos interesses difusos recentemente surgidos. Cappelletti, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre, Fabris, 1988, pg. 51)

[xiv]Grau, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 2011, 8ª edição, São Paulo. Malheiros Editores. P. 21.

Sobre o autor
Ilan Fonseca de Souza

Procurador do Trabalho na 5ª Região (Bahia), Especialista em Processo Civil, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Doutor em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilan Fonseca. MPT no Pará e Amapá:: mudança no modus operandi. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4191, 22 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31514. Acesso em: 21 nov. 2024.

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