3 AS DECISÕES TOMADAS NO ÂMBITO DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS E A SUA FORÇA NORMATIVA
Após analisarem-se criteriosamente as etapas apresentadas pelos Protocolos de Brasília, Ouro Preto e Olivos, os quais orientam o bloco Mercosul, passa-se então a sopesar as decisões advindas de cada sistema, sua importância junto aos Estados-partes, e o respeito a estas devotado.
Primeiramente serão abordados os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc, os quais inapeláveis e obrigatórios, que, obstante não contarem com força coercitiva para sua imposição, sempre foram respeitosamente cumpridos pelos Estados[82].
Em ato contínuo se vislumbrará a força decisória do Tribunal Permanente de Revisão, em que cabe a reanálise a este confiada, e a utilização de sua ferramenta central, as opiniões consultivas, para ser atingido o objetivo central do bloco, expondo-se o que é necessário para que sejam devidamente utilizadas, e merecer tal destaque junto ao sistema integracionista.
3.1 Os laudos arbitrais dos Tribunais Ad Hoc
Conforme anteriormente explanado, o Protocolo de Brasília previa três fases, sendo tais: a negociação direta entre as partes; a intervenção do Grupo do Mercado Comum; e, por última instância, o Tribunal Arbitral Ad Hoc[83].
Os laudos, que na última fase eram proferidos, traziam estampado o cuidado em resguardar os interesses dos Estados-partes, sendo nítido com tal precaução o interesse na consolidação e desenvolvimento do bloco, buscando com as decisões aplicar as suas normas, de modo a integrar as partes a sistemática do Mercosul[84].
No mesmo sentido, visível se tornava o posicionamento do Tribunal Arbitral quanto à solução de controvérsias, amparando-se nos princípios do direito público internacional, protegendo assim o objetivo primordial do Mercosul, sendo este a instituição de um mercado comum[85].
Ante o comprometimento do Tribunal Arbitral, encontram-se laudos que trazem soluções rápidas às lides, apresentando os fundamentos e a clareza esperada, seguindo um padrão de interpretação e de aplicação dos princípios gerais, como por exemplo, o da boa fé, o da compatibilidade das normas internas com os objetivos da integração, dentre outros, o que levou ao não questionamento quanto da eficácia de tal mecanismo[86], mostrando-se tais decisões respeitadas e cumpridas pela parte vencida[87].
Pelos motivos expostos, o Protocolo de Olivos, manteve a essência do procedimento arbitral, trazida pelo Protocolo de Brasília, mas agora apresentou a possibilidade de unificação de representação, em hipóteses onde dois ou mais Estados sustentassem a mesma posição frente a controvérsia, sendo que ai caberia a ambos, conjuntamente, a escolha do arbitro a representá-los[88].
O Tribunal Arbitral Ad Hoc sempre decide pela maioria, amparando-se além dos já mencionados princípios, também nas disposições do Tratado de Assunção e seus acordos; nas decisões do Conselho do Mercado Comum e suas resoluções, podendo ainda as partes da controvérsia consentir em uma decisão “ex aequo et bono”[89]-[90], no qual o Tribunal utilizará da equidade para chegar a uma decisão condizente.
De importância destacar que a aplicação deste instrumento jurídico fora utilizado quatro vezes entre Brasil e Argentina para solucionar seus conflitos antes que outro país do bloco a ele tivesse acesso. Isso revela uma diferença interna do Mercosul, eis que, somente quando acionado pela quinta vez, este mecanismo fora utilizado por país diverso, sendo este o Uruguai e, mais adiante, já no oitavo laudo, o Paraguai[91] acabou por servir-se de citado instrumento. Deste modo, percebe-se mais uma vez instalada a diferença socioeconômica entre os integrantes do grupo, anteriormente apresentada, haja vista que coube aos dois membros poderosos utilizarem-se primeiramente do dispositivo, para que timidamente os mais frágeis tivessem a possibilidade de acesso.
Ao se analisar as características dos laudos arbitrais, encontram-se nestes as características de sentenças internacionais, sendo que para surtirem efeito junto ao Estado-parte, necessário se faz que este aceite a jurisdição internacional que envia a sentença, possibilitando assim sua execução. Destarte, o Estado deve aceitar a jurisdição do Tribunal de que emanou o laudo arbitral[92].
Com foco na aplicação dos laudos, percebe-se que, apesar da orientação advinda, desde o Protocolo de Ouro Preto, de serem obrigatórias as decisões emanadas dos órgãos do bloco, isto não se da automaticamente, vez que tal feito foi reprovado durante o período de transição do grupo, ficando a aplicação destes a mercê do plano interno dos Estados membros, dependendo de mecanismos próprios dos ordenamentos jurídicos nacionais e da legislação de cada ente[93].
Os laudos, pelos Tribunais Arbitrais Ad Hoc gerados[94], são inapeláveis, tendo força de coisa julgada a partir de sua respectiva notificação, devendo ser cumpridos imediatamente, a menos que o Tribunal prolate de forma diversa, obrigando assim, juridicamente o Estado que se submete à arbitragem[95].
Quanto à elaboração dos laudos, o Tribunal Arbitral Ad Hoc, de posse dos dados necessários para a decisão, se pronunciará no prazo de 02 (dois) meses após a designação de seu presidente, podendo tal prazo ser prorrogado por mais 30 (trinta) dias, e tal decisão, o Estado vencido deve acatar imediatamente, ou no prazo pelo laudo fixado. A decisão se dará por maioria, a votação será confidencial e os votos dissidentes não poderão ser fundamentados[96].
Observa-se ainda que, dentro de 15 (quinze) dias, o Estado-parte pode solicitar esclarecimentos sobre o laudo, ou ainda interpretações de como deve cumpri-lo, tendo o Tribunal Arbitral, iguais 15 (quinze) dias para manifestar-se, podendo, se entender preciso, suspender o laudo até que se elucide a dúvida apresentada[97], ressalta-se que ao contrário do que se pode imaginar, tal meio de esclarecimento, que frequentemente é utilizado, não se encontra viciado pela procrastinação[98].
Ante o descumprimento do laudo arbitral, é facultado ao Estado-parte adotar medidas compensatórias temporais, visando vê-lo efetivado, sintetizando tais medidas em suspensões de concessões ou outras medidas equivalentes[99], as quais sopesariam os danos econômicos e institucionais encontrados pelo Estado favorecido[100]. Tendo por exemplo, as medidas adotadas pelo Uruguai contra a Argentina, face ao descumprimento do laudo número 01/2005[101], onde fixou uma taxa de 16% sobre a importação de pneumáticos advindos deste último[102].
Tais medidas compensatórias são vistas de maneira duvidosa, levando-se em compensação a diferença econômica entre os países integrantes do bloco[103].
Exceção à eficácia e obrigatoriedade dos laudos arbitrais, encontra-se quando: o Tribunal ou um de seus árbitros exceder suas prerrogativas; a sentença for prolatada por meio de fraude arbitral; a sentença for pronunciada por árbitro em situação de incapacidade ou quando uma das partes tiver cerceado algum dos princípios fundamentais do processo[104], ocorrendo nestes casos, a anulação do laudo, o qual será submetido ao Tribunal Permanente de Revisão[105].
Depois de demonstradas a funcionalidade e a força dos laudos arbitrais, necessário se faz demonstrar sua aplicação em casos concretos, para isto apresentam-se alguns dos laudos arbitrais por este Tribunal emitido[106].
O laudo inicial, de abril de 1999, envolvendo o Brasil e a Argentina, discutia a compatibilidade do regime brasileiro de licenças para importação, com o conjunto normativo do Mercosul, referindo-se objetivamente as licenças automáticas e não automáticas de importação, as quais estariam dificultando a importação de produtos argentinos, como farinha de trigo, parafina, e alguns produtos lácteos. O Tribunal Arbitral Ad Hoc, comungou pelo entendimento apresentado pela Argentina, firmando que as normas do bloco, devem atender os fins de integração, mesmo não se tratando de normas supranacionais[107]-[108].
Tal entendimento fundou princípio junto ao sistema de integração, esclarecendo que, os litígios no bloco surgidos, deveriam ser interpretados teleologicamente[109], sendo esta a contribuição especial deste primeiro laudo, o qual de início serviria apenas as partes envolvidas, mas por fim criou princípio ao sistema de integração[110].
Agora, em análise ao laudo emitido junto ao terceiro Tribunal Arbitral Ad Hoc, formado em março do ano 2000, percebe-se o reforço à importância da interpretação teleológica, como princípio do bloco. Desta vez o Brasil acionou o Tribunal, reclamando contra medidas de salvaguarda[111], sobre a importação de produtos têxteis brasileiros, adotadas pela República Argentina, a qual, em justificativa as medidas adotadas, alegava não haver norma no Mercosul, versando sobre o tema[112].
Vindo assim, o Tribunal ali designado, decidir que se deve interpretar as normas do bloco, de acordo com a finalidade integracionista, e que o livre comércio se aplica a todos os membros do grupo, não cabendo salvaguardas unilaterais, mas apenas as advindas de acordos entre os Estados-partes, devendo então, a Argentina revogar tal medida em favor do Brasil[113].
Apesar da eficácia, da rapidez, da acessibilidade e aceitação dos laudos arbitrais, percebe-se que estes julgados não formam jurisprudência, mesmo com a existência de princípios e alguns entendimentos consolidados, uma vez que as decisões são tomadas por Tribunais Arbitrais Ah Hoc, formados para casos específicos e decididos de maneiras diversas[114], motivo que levou à criação do Tribunal Permanente de Revisão, que traria maior unicidade as decisões.
3.2 As decisões e as opiniões consultivas do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL
Em 16 de agosto de 2002, na cidade de Assunção, Paraguai, através do Protocolo de Olivos, que revoga o anterior Protocolo de Brasília, criou-se o Tribunal Permanente de Revisão, sendo este acionado ao surgimento de casos concretos, reunindo-se assim seus árbitros nesta cidade que também é sua sede[115].
A criação deste novo tribunal almeja a evolução do sistema de solução de controvérsias, para que sejam corretamente interpretados e aplicados os tratados nascidos no seio do bloco econômico, e assim seja possível direcionar, com consistência em seus atos, a integração fundamentada nos tratados[116].
Deste modo, encontra-se a necessidade de intensificação da institucionalização na solução de controvérsias do Mercosul, viabilizando a uniformização nas decisões proferidas quanto às normas do bloco[117].
O Tribunal Permanente de Revisão é incumbido das seguintes funções: solucionar controvérsias entre os Estados; apreciar recursos de revisão; decidir sobre medidas excepcionais e de urgência e receber opiniões consultivas[118].
Assim, os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc, serão dispensados quando as partes, por espontaneidade, decidirem recorrer diretamente ao Tribunal Permanente de Revisão[119], tendo este então as mesmas competências daquele, aplicando-se o que se encontra no Protocolo vigente, cabendo ainda a este órgão, em fase recursal, confirmar, modificar e revogar os fundamentos jurídicos e as decisões do Tribunal Arbitral Ad Hoc[120].
Incumbe-se ao Tribunal Permanente de Revisão alcançar maior homogeneidade nas decisões do bloco, destarte, tendo o Tribunal Permanente de Revisão se manifestado sobre determinado conteúdo, não será necessário novamente acioná-lo, pois, tendo decidido sobre a questão, todos os Estados-partes do Mercosul, deverão ser cientificados[121]. Ato que obviamente exigirá julgamentos complexos, aprazados, que serão contrapesados por uma maior segurança na interpretação das normas do Mercosul, e pela harmonização[122], evitando que a mesma matéria encontre aplicações divergentes pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc.
Desta maneira, exercendo o controle normativo interpretativo, cautelosamente uniformizando a jurisprudência, que neste ponto da integração ainda não se concretiza, mas se torna referência para as decisões posteriores[123].
Aprovada a reanálise das decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc, torna-se possível a apreciação das questões de direito por juristas altamente qualificados, que corrigirão eventuais falhas interpretativas, passíveis de serem encontradas, autorizando ainda as partes litigantes recorrerem ao Tribunal, solicitando esclarecimentos de como os laudos deverão ser efetivados[124].
Os laudos, agora pelo Tribunal Permanente de Revisão confeccionados, são de força obrigatória[125], impossibilitando o Estado vencido em optar pelo seu descumprimento, ocorrendo a coisa julgada entre as partes, e sendo este Tribunal a última instância, descabidos quaisquer recursos[126].
O Tribunal Permanente de Revisão pode, de igual modo, decidir pela adoção de medidas provisórias, definindo as necessárias para evitar eventuais danos, podendo também sustá-las a qualquer tempo. Este meio deve apresentar-se proporcional ao dano demonstrado, e ser prontamente cumprido pela parte encarregada, cabendo, desta decisão, pedido de reconsideração, não existindo recurso aceitável face à denegação da medida de urgência[127].
Visando o cumprimento dos laudos, são estabelecidas garantias, como por exemplo, a obrigação de a parte inadimplente cumprir certas medidas compensatórias, que de modo algum a eximem das determinações instituídas nos laudos[128].
Tais medidas são a forma pela qual se impõe a aplicação do laudo, efetivando a decisão do sistema de solução de controvérsias. Destaca-se que as compensações não são previstas em pecúnia, mas sim em suspensões de concessões ou análogas[129].
Outra função do Tribunal aqui analisado é a consultiva, que possibilita a esse órgão funcionar como jurisdição de consultas, emitindo pronunciamentos, de caráter jurídico, a respeito de interpretação e aplicação das normas do Mercosul sobre fatos concretos, objetivando a uniformidade da aplicação destas no território que compõe o bloco[130].
O Tribunal Permanente de Revisão pode receber solicitações para se pronunciar a respeito da interpretação da normativa do bloco, aplicável a um caso concreto, feita por um órgão jurisdicional nacional. Cabe ao Tribunal Permanente de Revisão a emissão da opinião consultiva e o julgamento da causa que deu origem a solicitação, ao órgão judiciário nacional solicitante[131], que deveria se curvar à opinião emitida, para assim, garantir a harmonização e a unificação da normativa do bloco dentro das jurisdições nacionais.
Para ser possível a solicitação das Opiniões Consultivas, necessária é a regulamentação interna pelos Estados-partes, instrumentalizando o acesso dos juízes nacionais a este procedimento[132], encontrando em tais regulamentações que o envio ou não do pedido de interpretação é facultado ao juiz, e aos Tribunais Nacionais[133].
Quanto às Opiniões Consultivas, o Tribunal Permanente de Revisão manifestou-se positivamente sobre a possibilidade destas versarem sobre a validade das normas derivadas do bloco, frente ao direito originário[134], ou sobre normas internas dos Estados perante a norma mercosulina[135].
O Protocolo de Olivos (2002) traz como legitimados a solicitarem as Opiniões Consultivas: o Conselho do Mercado Comum; o Grupo do Mercado Comum; a Comissão do Comércio do MERCOSUL; e as Cortes Supremas de Justiça dos Estados-partes[136].
As Opiniões Consultivas serão acompanhadas de considerações formuladas pelas partes do pleito, ademais a precedência da consulta depende da admissibilidade do Tribunal Superior do Estado-parte[137]. No Brasil, com a aprovação da Emenda Regimental número 48[138], pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, a Corte Suprema regulamentou o encaminhamento das solicitações, exigindo prévio juízo de admissibilidade do pedido e da pertinência processual[139].
Tal juízo de admissibilidade se dará, conforme orientação regimental, tendo início com a solicitação de opinião consultiva, originada de processo em curso junto ao Poder Judiciário, tratando necessariamente sobre matéria de interpretação normativa do bloco[140].
Percebe-se que será legitimado para requerer o encaminhamento da solicitação, o juiz da causa, seja ele de primeiro grau ou Tribunal[141].
Mas, dentro desta sistemática, encontra-se um afastamento desnecessário no caminho a ser percorrido pela solicitação de opinião consultiva, o que torna o procedimento muito mais moroso que o esperado. Ora, o requerimento de encaminhamento será enviado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, o qual dará início à colheita de votos, ou ainda, poderá designar sessão administrativa para analisar se o pedido é admissível[142].
Depara-se então, com um regimento que, de certo modo, dificulta a sistemática de integração, destarte, mais viável seria o envio direto pelos magistrados nacionais, ao Tribunal Permanente de Revisão, cabendo a este, da análise do feito, julgar a admissibilidade do requerido, sem as prolongas de trâmites pelo Poder Judiciário nacional.
O envio direto ao Tribunal, pelo magistrado que julga diretamente o caso, seria o elo de força no processo de integração, tendo em vista que caberá a este solicitante aplicar a vontade do Tribunal, e uma relação mais próxima facilitaria o envolvimento mútuo. Outra vantagem possível de se visualizar, é quanto a antecipação na solução dos litígios. Uma relação direta entre o Tribunal e o solicitante, pouparia o tempo despendido aguardando o acolhimento ou não pelo Supremo Tribunal Federal, assim, levando em consideração que os assuntos primordialmente discutidos pelo bloco versam sobre importações, comércio e congêneres, e que estes carecem de rápidas soluções, evitar-se-iam desgastes diplomáticos e maiores prejuízos econômicos.
Não obstante o regimento interno, o sistema de consultas opinativas, previsto no Protocolo de Olivos, prevê detalhadamente o caminho processual a ser cumprido pelos Estados-partes ao se depararem com a existência de controvérsias, ou interpretações que necessitem de homogeneidade.
Ante toda a legalidade, se os Estados-partes se recusarem a acompanhar o entendimento contido no parecer solicitado, este posicionamento negativo se mostrará como uma quebra do elo da confiança mútua, gerando desgastes frente à sociedade regional, indo contra os pilares do bloco, quais sejam a concessão recíproca e a confiança, podendo ocasionar consequências e dificuldades diversas ao Estado, tais quais descontentos diplomáticos, ou ainda, ter ao acionar o Tribunal Permanente de Revisão, suas chances de êxito reduzidas pelo descrédito depositado[143].
Uma vez que as opiniões consultivas não vinculam ou obrigam o Estado solicitante[144], cabe aos juízes aplicarem tal interpretação aos casos concretos encontrados, sendo uma forma de cooperação vertical entre as jurisdições nacionais e mercosulina, competindo à aceitação das opiniões o sucesso integracionista[145].
De relevância se faz essa cooperação, pois são os judiciários nacionais que levam estas normas a seus países, eis então a necessidade de pareceres coerentes, sem riscos de interpretações distintas sobre a mesma norma, sendo correto que uma controvérsia anteriormente apreciada pelo Tribunal Permanente de Revisão, quando apresentada por partes diversas, seja decidida no mesmo sentido da anteriormente elucidada[146].
Apesar de não vinculantes, as opiniões consultivas servem de instrumento para a aproximação entre os povos dos Estados-partes, propiciando um ambiente adequado ao processo de integração, sendo possível identificar, em certo grau, que estes pareceres se mostram cogentes[147].
Quanto a não vinculação, percebe-se a fragilidade do mecanismo ante a intergovernamentabilidade presente no bloco[148], de outro norte esta omissão a respeito de não serem vinculantes, não tira o valor jurídico das manifestações do Tribunal Permanente de Revisão, que permite presumir que a opinião consultiva emitida será aplicada ao caso apresentado, sendo todas as consultas tratadas de forma igualitária perante o Tribunal[149].
Em semelhança ao que acontece com os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc, percebe-se que, através das opiniões consultivas, o Tribunal Permanente de Revisão vai, pouco a pouco, harmonizando o sistema de solução de controvérsias, assim encontra-se na Opinião Consultiva número 01/2008[150]. Nesta, o Tribunal Permanente de Revisão, compreendeu ser de sua competência, emitir opiniões consultivas, sobre a compatibilidade de uma norma interna, com as normas mercosulinas, devendo o Tribunal limitar-se a analisar a norma interna, exclusivamente quanto à possível colisão[151], possibilitando assim, ao emitir opiniões sobre a relação de norma interna dos Estados, com a do bloco, guiar a aplicação pelo magistrado nacional, da vontade advinda do Mercosul.
De maneira diversa a apresentada, podem as opiniões consultivas emitidas em decorrência de consulta formulada pelos Estados-partes, em ações conjuntas, ou pelos órgãos decisórios do Mercosul, serem desvinculadas de casos concretos, tendo então função de prevenir conflitos, servindo a afastarem futuros desentendimentos, evitando assim enfrentamentos jurídicos[152].
Outrora a grande relevância encontrada nas opiniões consultivas, percebe-se que o Tribunal Permanente de Revisão, até dado momento só havia emitido três opiniões neste sentido, sendo todas solicitadas pelos judiciários dos Estados-partes, dentre os quais, acredita-se que devido à recente aprovação pelo Supremo Tribunal Federal das medidas necessárias a solicitação, nenhuma foi solicitada pela República Federativa do Brasil[153].
Ante o exposto e a importância das mesmas, segue o que levou a solicitação, e a opinião emitida pelo Tribunal Permanente de Revisão ante aos fatos que até o momento lhe foram apresentados.
Na Opinião Consultiva 01/2007, incitada pela Juíza de Primeira Instância Cível e Comercial do Primeiro Turno da Jurisdição de Assunção – Paraguai, Magistrada Maria Angélica Calvo, versando sobre a lide movida por Norte S.A. Imp. Exp., contra Laboratórios Northa Sociedade Anônima, sendo a primeira, empresa argentina e a segunda, empresa paraguaia. Neste caso a empresa argentina opôs exceção de incompetência de Juízo, aclamando a aplicação do Protocolo de Buenos Aires, afastando assim a lei paraguaia, sob a alegação de primazia do tratado do Mercosul sobre a lei nacional.[154]
Aqui discutiu-se a possibilidade de prevalência do direito do bloco sobre os ordenamentos internos dos Estados-partes, decidindo o Tribunal Permanente de Revisão, pela maioria de seus árbitros, que a natureza própria do direito de integração permitiria a prevalência das normas do Mercosul sobre a ordem jurídica nacional.
Já a Opinião Consultiva 01/2008, suscitada pela Suprema Corte de Justiça da Republica Oriental Uruguaia, pelo Juizado Letrado de Primeira Instância no Cível de Primeira Turma, questionava se as normas do bloco prevaleceriam sobre as uruguaias, as quais implantavam um tributo, chamado de “taxa consular”, que violaria o acordo mercosulino, reafirmando então os árbitros a prioridade normativa do bloco sobre o direito interno.[155]
Do mesmo modo, na Opinião Consultiva 01/2009, requerido o Tribunal Permanente de Revisão, pela Suprema Corte de Justiça Uruguaia, sobre o tema abordado na Opinião Consultiva 01/2008, agora pelo Juiz de Direito da Instância da Segunda Vara Cível, os árbitros seguiram os precedentes, confirmando a posição formada pelo bloco, enaltecendo as normas do Mercosul sobre as nacionais a partir do momento que são incorporadas no direito interno pelos Estados-partes.[156]