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Marina Silva é uma fraude?

Agenda 01/09/2014 às 15:45

As eleições pertencem tanto ao campo político, quanto aos campos político e linguístico.

Tenho visto vários adversários da candidata do PSB a chamarem de “fraude” na internet. Já disse aqui que não votarei nela. Mas farei isto justamente porque ela não e uma “fraude”.

“Fraude” tem uma definição bem precisa no direito civil brasileiro.  O verbete “fraude” no Dicionário Jurídico, Valdemar P. da Luz, Manole, 2014, p. 196, tem a seguinte definição:

“Má-fé, artifício malicioso usado por alguém para prejudicar dolosamente direito ou interesse de terceiro (art. 158, CC)."

“Fraude” é uma palavra da língua portuguesa que se originou no vocábulo latino “fraus”, o qual pertence a mesma família que os vocábulos “fraudatio  (ação de enganar), “fraudator” (trapaceiro), “fraudatrix” (embusteira), “fraudatus” (enganado), “fraudo” (prejudicar com fraude), “fraudulenter” (fraudulentamente), fraudulentia (astúcia) , “fraudulentus” (fraudulento). Todos os vocábulos citados por Francisco Torrinha em seu Dicionário Latino Português, Gráficos Reunidos, Porto, 6ª edição, estão em uso no Brasil. 

O que se perdeu entre nós – algo que, aliás, não é mencionado no dicionário latino citado - foi a relação que os romanos faziam entre estes vocábulos e a deusa Fraus, deusa que personificava a fraude e a traição. Fraus é a correspondente latina deusa grega Apatê(demônio do engano)  [[1]], cujo oposto é Aletheia (o espírito da verdade).

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A conduta de Marina Silva em relação a vários temas é claudicante e até contraditória. Quem prestar atenção às palavras e aos apoios da candidata do PSB percebe com facilidade o divórcio que existe entre programa de governo e prática política em relação a temas como pré-sal, casamento gay, ecologia, moralidade administrativa, etc. Uma fraude só existe quando não é percebida de imediato, quando a verdade é obliterada pela artimanha antes que o dano se consume. Marina Silva é verdadeira na medida em que expõe seu dolo. E é justamente em razão de expor seu dolo que sua candidatura deve ser rejeitada.

Se tivesse dito que congelaria a poupança dos seus eleitores, Fernando Collor provavelmente não teria sido eleito presidente. A fraude cometida pelo candidato do PRN foi eficaz, justamente porque ele escondeu suas reais intenções durante a campanha. Durante sua campanha para reeleição FHC disse diariamente na TV que preservaria o Plano Real intacto. Reeleito ele desvalorizou A moeda brasileira provocando estragos na economia do país. O dolo de Collor e de FHC durante suas respectivas campanhas era imperceptível, o de Marina Silva está escancarado nas contradições que existem entre suas palavras e companhias/apoios.

Aécio Neves afirmou que reduziria o salário mínimo, que segundo ele estaria provocando prejuízo às empresas brasileiras. Não há fraude na conduta do candidato tucano em relação a esta questão. Muito embora a proposta seja nociva aos interesses dos trabalhadores, ninguém pode acusar Aécio Neves de esconder o que pretende fazer. “Farei mal a vocês caso vocês votem em mim!” – foi o que o herdeiro de FHC disse aos trabalhadores. Marina Silva é incapaz de ser tão perversamente coerente quanto Aécio Neves. Mas isto não faz dela uma candidata necessariamente fraudulenta.

O que realmente preocupa em Marina Silva é sua instabilidade, sua submissão automática a alguns de seus apoiadores. Na semana passada, por exemplo, dois ou três Twitters do pastor Malafaia foram suficientes para que a candidata do PSB voltasse atrás em relação a legalização do casamento gay. Quem governará o Brasil caso Marina Silva seja eleita? Ela mesma despachando no Palácio do Planalto ou o Malafaia dizendo o que a presidente deve ou não fazer no Twitter? O que se espera de um governante é independência em relação ao seu círculo pessoal de relações e apoiadores. Afinal, quem outorgará o mandato presidencial será a maioria dos brasileiros e não um punhado de pastores intolerantes.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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