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A desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho e sua fundamentação

Agenda 23/02/2015 às 14:45

Parte da doutrina e da jurisprudência aponta a existência de uma teoria própria do Direito do Trabalho que possibilita a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se da Teoria do Risco da Atividade Econômica.

Hoje vou apresentar um artigo mais voltado aos empregados do que às empresas, porém, é essencial que os empresários tenham conhecimento do que será explanado aqui para que evitem possíveis ônus quanto ao tema. A desconsideração da personalidade jurídica é um assunto de suma importância para o processo do trabalho, já que muitas vezes é necessário atingir o patrimônio dos sócios das empresas para dar eficácia às decisões judiciais, garantindo, assim, o pagamento dos créditos trabalhistas (os quais possuem natureza alimentar).

Desconsideração da personalidade jurídica é a medida processual em que o juiz determina a inclusão dos sócios ou administradores da pessoa jurídica no polo passivo da demanda, para que estes respondam com seu patrimônio particular pelas dívidas da empresa no caso de insolvência.

Muitos doutrinadores e juristas afirmam não haver, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma previsão quanto à desconsideração da personalidade jurídica e entendem que, para que esta ocorra no bojo de uma ação trabalhista, devem ser aplicadas ao processo do trabalho uma das teorias existentes no âmbito civil. Porém, conforme será demonstrado neste artigo, há uma teoria própria do Direito do Trabalho, com previsão na CLT, apta a fundamentar a desconsideração.

As teorias externas ao Direito do Trabalho, muitas vezes aplicadas a este de maneira subsidiária com fulcro no artigo 8º da CLT, são duas: a Teoria Maior da Desconsideração e a Teoria Menor da Desconsideração.

A Teoria Maior da Desconsideração é aquela segundo a qual deve ser provado um motivo para que seja decretada a desconsideração, não bastando a simples insuficiência patrimonial da pessoa jurídica. Esta teoria é a adotada pelo Código Civil (CC) e pelo caput do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Código Civil, 10 de janeiro de 2002.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 

Código de Defesa do Consumidor, 11 de setembro de 1990.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Como se vê, o CC exige, para desconsideração da personalidade jurídica, o abuso da personalidade, caracterizado quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nesta última hipótese pode-se falar até em vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium non potest), pois, se o sócio não separa o seu patrimônio pessoal do patrimônio da pessoa jurídica, por que o seu credor deveria fazê-lo?

Deve-se salientar que, apesar da inexistência de previsão pelo CC, a jurisprudência continua reconhecendo a fraude como motivo para desconsideração da personalidade jurídica. Este confronto entre o CC e a jurisprudência ocorre porque o Código Civil de 2002 demorou a ser promulgado, fazendo com que a jurisprudência e a doutrina se apresentassem em patamar superior frente ao mesmo, quanto à análise do tema (lacuna ontológica*).

Lado outro, a Teoria Menor da Desconsideração apresenta o entendimento de que basta a insuficiência patrimonial da pessoa jurídica para que seja decretada a desconsideração da sua personalidade. Esta teoria foi adotada pelo parágrafo 5º do artigo 28 do CDC:

Código de Defesa do Consumidor, 11 de setembro de 1990.

Art. 28. §5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

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É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu ser possível a aplicação autônoma do §5°, em relação ao caput do artigo 28 do CDC.

No processo do trabalho, quando comprovada a existência da relação de emprego, os juízes tem optado pela aplicação, por analogia, do artigo 28, §5° do CDC, ou seja, da Teoria Menor da Desconsideração. O fundamento para essa opção consiste no Princípio da Igualdade Substancial, base, tanto da CLT, quanto do CDC, ou seja, aplica-se uma norma jurídica protetiva a uma parte, em função da sua hipossuficiência existente no plano dos fatos, uma vez que, a princípio, o empregado é hipossuficiente frente ao empregador, assim como o consumidor é hipossuficiente quanto ao fornecedor. Já quando não há relação de emprego, mas sim, relação de trabalho (ex.: trabalhador avulso ou autônomo), é mais aplicada a Teoria Maior da Desconsideração (art. 50, CC e 28, caput, CDC).

Porém, parte da doutrina e da jurisprudência aponta a existência de uma teoria própria do Direito do Trabalho que possibilita a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se da Teoria do Risco da Atividade Econômica.

Quando o empregado ajusta, no contrato individual de trabalho, o recebimento de salário, ele renuncia ao resultado do seu trabalho, ou seja, o salário é o pagamento pela força de trabalho do empregado, que gera um resultado (lucro) que será “propriedade” do empregador. Sendo, o lucro do empreendimento, propriedade do empregador, este assume, por consequência, o eventual prejuízo advindo daquele, o que é próprio do sistema capitalista de produção.

Assim, no Direito do Trabalho, por força do artigo 2° da CLT, o empregador assume o risco da atividade econômica, não podendo transferi-la ao empregado, esta é a Teoria do Risco da Atividade Econômica:

Consolidação das Leis do Trabalho, 1º de maio de 1943.

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Assim, ao exercer uma atividade econômica, é natural que o empregador (sócio proprietário) se beneficie com o resultado positivo do empreendimento. O empregado, por outro lado, não tem crescimento do seu patrimônio pessoal devido ao sucesso do empreendimento**, pois salário não é participação no resultado do empreendimento, mas contraprestação ao trabalho realizado.

No caso de insolvência, se não houvesse a desconsideração da personalidade jurídica, o empregador (que teve acréscimo patrimonial quando houve o resultado positivo do empreendimento) teria o seu patrimônio pessoal protegido. Já o empregado (que não participou do resultado positivo) teria diminuição de seu patrimônio pessoal, diante do não pagamento da contraprestação pelo trabalho que ele já realizou. Portanto, ocorreria uma inversão da Teoria do Risco da Atividade Econômica, já que quem estaria suportando os riscos da atividade seria o empregado e não o empregador.

Seguindo este entendimento, no Direito do Trabalho, sendo caracterizada a insolvência da empresa, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada mesmo quando não haja desvio de finalidade e ainda que a pessoa jurídica seja utilizada nos termos da lei.

Conclui-se, portanto, que não há necessidade de se utilizar das fundamentações cíveis para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, pois a própria CLT traz, em seu artigo 2º, uma fundamentação coesa para isso, podendo-se embasar a desconsideração na Teoria do Risco da Atividade Econômica.

Para complementação do artigo, apresenta-se algumas características da Desconsideração da Personalidade Jurídica:

* Lacuna ontológica ocorre quando a lei existe, mas não corresponde à realidade social, ou seja, a lei está desatualizada frente ao cotidiano.

** Necessário fazer uma ressalva quanto ao pagamento de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) aos empregados: neste caso, o resultado positivo é parcialmente repassado ao empregado. Porém, ainda que exista a PLR, o ganho do empregado por meio dela não é proporcional ao ganho do empregador, não sendo suficiente para fazê-lo suportar os riscos da atividade, ou seja, a PLR não transforma o empregado em sócio do empregador. A PLR trata-se, na verdade, de um mecanismo para incentivar o aumento da produção que, por fim, reverte-se em um benefício ainda maior para o empregador.

Bases Jurídicas:

Sobre a autora
Marcela Faraco

Advogada, Consultora de Direito. Atuante, desde 2007, na carreira jurídica, nas áreas do Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PATRÍCIO, Marcela Faraco. A desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho e sua fundamentação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4254, 23 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31869. Acesso em: 22 dez. 2024.

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