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A encíclica Rerum Novarum e o Direito do Trabalho

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Agenda 01/08/2002 às 00:00

V – Proposta de solução às questões iniciais – Conclusão

1)A preocupação imediata da Igreja não foi com a situação do operário em si, como ser humano despido de direitos básicos, submetido a um regime que chegou a ser pior do que a escravidão (os escravos, assim como os animais, não eram submetidos a longas jornadas de trabalho, pois representavam bens, e, como tais, deveriam ser usados com moderação, para não depreciarem-se; os operários europeus eram submetidos a uma jornada que chegava a dezesseis horas por dia, sem falar na utilização das "meias-forças"). A grande preocupação da Igreja era com os efeitos políticos dessa exploração, não os morais ou biológicos; o fenômeno do associacionismo, vocábulo eternizado por Orlando Gomes, já começava a incomodar, diminuindo a diferença gritante de forças entre patrão e empregado. As conseqüências apocalípticas da luta de classes já estampavam as obras de Marx, como "germes" intelectualizados a dar suporte às pretensões revolucionárias. A estrutura sócio-política da época, garantidora de privilégios, inclusive para Roma, estava por um fio. O clamor social era latente. As teorias socialistas vinham num crescente, infiltrando-se, principalmente, nos sindicatos obreiros. O medo da "ebulição social" foi tanto que levou o papa Leão XIII a lançar propostas de conciliação entre capital e trabalho, enaltecendo, contudo, que ambos eram vitais. O Estado Social viria a "corrigir" um desvio de rota do Estado Liberal, sob a supervisão de uma Igreja atemorizada. Essa correção, contudo, não deu-se de forma imediata, mas lenta e gradativamente.

2)Não há como esconder o fato da Igreja Católica estar, acima de tudo, defendendo seus próprios interesses. A doutrina marxista sempre foi combatida pela cúpula católica. Para essa constatação basta observar a repressão a que foram submetidos os integrantes da chamada "teologia da libertação", chegando a serem apenados com o "silêncio". "A difusão das idéias cristãs", que "erodiu as bases da escravidão", segundo Eduardo Gabriel Saad (8), não foram, como entende o ilustre jurista, tão cristãs assim, pois, data vênia, estavam recheadas de interesses políticos e econômicos, travestidas de uma santidade apenas formal.

3)A Igreja, em todos os movimentos ditos religiosos, desde as cruzadas, passando pela "catequização dos selvagens", até as encíclicas, sempre atuou como Estado Católico, defendendo seus interesses de império. Os versos de Pablo Neruda resumem com maestria o papel cristão na conquista das Américas: "A cruz, a espada e a fome dizimaram a família selvagem". A espada e a cruz sempre atuaram com extrema cumplicidade.

4)O interesse imediato da Igreja não era o ser humano, mas os efeitos do "caldeirão social" que estava prestes a explodir. Crivou em sua bandeira de luta o corpo, a mente e a alma humana, mas apenas na tentativa de reverter uma posição defensiva, sem o comprometimento total dos dogmas cristãos. A maquiagem era antiga, mas eficaz; os objetivos também: manutenção do status quo. Utilizou-se de meios dóceis para fins vis. O fim social era a mantença de privilégios e posições; os meios, a "palavra santa". Enfim, curiosamente, aprendera um pouco dos ensinamentos da filosofia "subversiva", no jargão "os fins justificam os meios". E quem, ou o que, justificaria os fins? Simples: o poder!

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5)Não tinha interesse em destruir o Estado Liberal, pelo contrário, visava conservá-lo. Para isso, entretanto, seria necessário "calar a boca" dos inquietos operários. Sentia, na verdade, saudades da indolência indígena e da dócil subserviência negra, mas as circunstâncias eram outras, o que requeria um pouco mais de habilidade negocial. Foi, como todas as estratégias religiosas, uma "saída" de grande habilidade, movendo o "bispo" na hora fatal, e obtendo, assim, um xeque-mate inescrupuloso.


Bibliografia

Johnson, Paul. História do Cristianismo, Tradução: Cristiana de Assis Serra, Imago, 2001.

De Masi, Domenico. O Ócio Criativo – Entrevista a Maria Serena Palieri, 3ª Edição, Sextante, 2000.

Süssekind, Arnaldo; Maranhão, Délio; Vianna, Segadas; Teixeira, Lima. Instituições de Direito do Trabalho, Volume I, 18ª Edição, Editora LTr., São Paulo, 1999.

Martins, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 9ª Edição, Editora Atlas S.A., São Paulo, 1999.

Gomes, Orlando e Gottschalk, Elson. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1999.

Pinto, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho, 4ª Edição, Editora LTr., São Paulo, 2000.

Saad, Eduardo Gabriel. Curso de Direito do Trabalho, Editora LTr., São Paulo, 2000.

Russomano, Rosah. Curso de Direito Constitucional, Edição Saraiva, São Paulo, 1970.


Notas

1. Süssekind, Arnaldo; Maranhão, Délio; Vianna, Segadas; Teixeira, Lima. Instituições de Direito do Trabalho, Volume I, 18ª Edição, Editora LTr., São Paulo, 1999, pág. 42;

2. Pinto, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho, 4ª Edição, Editora LTr., São Paulo, 2000, págs. 30 e 31;

3. Martins, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 9ª Edição, Editora Atlas S.A., São Paulo, 1999, pág. 35;

4. Gomes, Orlando e Gottschalk, Elson. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1999, pág. 5;

5. Johnson, Paul. História do Cristianismo, Tradução: Cristiana de Assis Serra, Imago, 2001, págs. 561 a 578;

6. De Masi, Domenico. O Ócio Criativo – Entrevista a Maria Serena Palieri, 3ª Edição, Sextante, 2000, págs. 45 a 58;

7. Russomano, Rosah. Curso de Direito Constitucional, Edição Saraiva, São Paulo, 1970, págs. 3 a 12;

8. Saad, Eduardo Gabriel. Curso de Direito do Trabalho, Editora LTr., São Paulo, 2000, pág. 32.

Sobre o autor
Gustavo Henrique Cisneiros Barbosa

juiz do Trabalho do TRT da 6ª Região, professor de Direito do Trabalho do Curso Especial, do CEPS e do Proconcurso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Gustavo Henrique Cisneiros. A encíclica Rerum Novarum e o Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3188. Acesso em: 22 nov. 2024.

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