I – Posicionamento da doutrina tradicional – Reflexão inicial
A doutrina trabalhista nacional, em regra, aponta a Encíclica "Rerum Novarum", de autoria do Papa Leão XIII, como um dos marcos na conquista dos operários por melhores condições de trabalho.
Segadas Viana, apreciando o tema, constata: "o Papa Leão XIII proclama a necessidade da união entre as classes do capital e do trabalho, que têm "imperiosa necessidade uma da outra; não pode haver capital sem trabalho nem trabalho sem capital. A concorrência traz consigo a ordem e beleza; ao contrário, de um conflito perpétuo, não podem resultar senão confusão e lutas selvagens" (1) (grifo nosso)
Percebe-se, sem muito esforço, o palpitante medo da Igreja Católica com o avanço das idéias socialistas. A "luta de classes", o "materialismo dialético", o "fim da propriedade privada" etc., incorporavam-se, definitivamente, à "lista negra" da Santa Instituição Romana.
Na mesma trilha segue o ilustre jurista José Augusto Rodrigues Pinto, que compõe seu "Curso" com tópico intitulado "Contribuição da Igreja Católica", observando que a obra papal representou "o veículo de entrada em cena" da Igreja Católica nas mazelas da sociedade industrial, afirmando ser "um dos marcos da evolução universal do Direito do Trabalho". Constata, ainda, que o ponto central da encíclica era a "questão social", principalmente no que se refere à dignidade humana do trabalhador. Recomenda, por fim, aos estudiosos do assunto, a leitura da mesma (2) (grifo nosso).
Sérgio Pinto Martins, cujas obras têm boa receptividade no meio acadêmico, reserva pouco mais da metade de um parágrafo para traduzir "Rerum Novarum" – "coisas novas" –, indicando o ano de sua publicação – "1891", e o autor (já por nós citado), além de pontificá-la como "uma fase de transição para a justiça social, traçando regras para a intervenção estatal na relação entre trabalhador e patrão" (3).
Concluindo essa pequena amostragem, não poderíamos deixar de citar o iluminado Orlando Gomes, que, em seu clássico "Curso de Direito do Trabalho", em co-autoria com Elson Gottschalk, vê a Encíclica "De Rerum Novarum" como o "terceiro período marcante da história do Direito do Trabalho"; revela, entrementes, que a doutrina mundial não é unânime em apontá-la como "o divisor de águas" entre o segundo e o terceiro período histórico, dividindo-se entre ela e a Conferência de Berlim (1891) (4).
Sobram motivos, aos doutos, para louvarem a Encíclica, cuja importância histórica parece irrefutável, principalmente no que concerne aos avanços na área trabalhista, proporcionados pela intervenção gradativa do Estado na economia. Porém, com as máximas e obrigatórias vênias que merecem os inatacáveis mestres, ousamos lançar novas células de discussão quanto a esse período tão importante para a história do Direito do Trabalho, opondo, por vezes, veemente discordância em relação ao posicionamento da doutrina tradicional, superficial em sua "aventura" metajurídica, numa espécie de aversão a depurações políticas, econômicas e sociais, reduzindo o raciocínio à mera esfera dogmática, o que nos impele, de forma incontrolável, a aprofundar a pesquisa, e, sobretudo, a fazer uso da sociologia, da ciência política, da história, do direito e da teologia para clarear o caminho ainda obscuro do conhecimento científico da matéria.
II – Questionamentos iniciais
No presente estudo, contradizendo o modelo padrão, utilizaremos, a priori, o método socrático, ou seja, o embate iniciar-se-á por perguntas sem respostas. Avançaremos, assim, com passos humildes, mas firmes, em busca de uma pequena faísca de sabedoria, longe, entretanto, da verdade absoluta (de existência duvidosa e alcance inatingível). A conclusão, por fim, revestir-se-á de singela e relativa impressão pessoal, nada mais. A origem do caminho que leva ao conhecimento, tão intensamente buscado por aqueles que o amam (filósofos – "amigos da sabedoria"), encontra-se, indubitavelmente, na dúvida, imprescindível luz que clareia as mentes dos humildes servos do saber.
1)O que levou a Igreja Católica, conforme afirma a doutrina tradicional, a preocupar-se com a dignidade do homem trabalhador, quando, por muito tempo, omitira-se de piores flagelos humanos, como, p.ex., a escravidão?
2)O que motivou essa instituição religiosa a, repentinamente, preocupar-se com uma parcela da sociedade há muito explorada e esquecida?
3)Estariam em cena apenas os ideais cristãos, ou haveria algum interesse econômico ou político a motivá-la?
4)Por que tamanha preocupação em arrefecer a iminente luta de classes?
5)O Estado Liberal fora seu parceiro por décadas; por que, então, atacá-lo em seu "calcanhar de Aquiles"?
Ao expor nossos questionamentos, é certo, fugimos um pouco da ortodoxia reinante no meio. Porém, torna-se imprescindível externá-los agora, antes de enfrentá-los, abrindo, assim, a possibilidade, ao leitor, de perceber a complexidade do tema, e, mesmo que parcialmente, concluir a linha cognitiva de suas conclusões.
III – Breve relato histórico e reflexões avançadas
Com a morte de Pio IX, em 1878, assumiu o ápice hierárquico da Igreja Católica Apostólica Romana Luigi Pecci, ex-bispo da Perúrgia, adotando o designativo papal de Leão XIII. Era tido como um papa de posições conservadoras, exigindo do Estado uma atitude tradicionalista (5). Era culto (um dos poucos papas modernos a dominar um latim elegante) e seu hobby era escrever e fazer publicar encíclicas. Através delas buscava difundir princípios cristãos. Na opinião do historiador Paul Johnson, entretanto, "quase todas as encíclicas refletiam as opiniões de um empirista conservador" (5).
Entre suas "obras" encontramos a "Immortale Dei", de 1885, tida como um movimento no sentido de reconhecer os governos eleitos pelo voto popular, onde não houvesse de fato outra alternativa; declarava que "a maior ou menor participação do povo no governo nada tem de repreensível em si" (5). Nesse documento ratificou sua filosofia política, reconhecendo a Igreja e o Estado como representantes da autoridade de Deus na Terra. A liberdade de pensamento e expressão era, em sua opinião, "a origem de muitos males" (5).
Já em 1878, em "Quode apostilici muneris", Leão ataca o socialismo, doutrina crescente à época. Em 1880 negou a qualquer Estado o direito de dissolver o casamento cristão (Arcanum). Em "Sapientiae Christianae", de 1890, concordou que a Igreja não se opusesse a nenhum sistema de governo específico, desde que promovesse a justiça e nada fizesse que prejudicasse a religião ou a disciplina moral. Em 1888, curiosamente, vendo que o Brasil finalmente tinha abolido a escravidão, alinhou a Igreja Católica, até então em posição dúbia, com o que era agora senso comum, ou seja, passou a condenar a escravidão, usando, para isso, essas palavras: "opunha-se por completo àquilo que não era determinado originalmente por Deus e pela natureza" (5). Paul Johnson vê a Igreja "conciliando seu pensamento, com elegância, ao novo alinhamento do pensamento moderno" (5). Inconciliável, entretanto, restou a antiga e esquecida incapacidade católica de condenar, antes, a escravidão. Fica claro o comprometimento da Igreja para com os interesses políticos e econômicos da época.
O erudito preferido de Leão era Tomás de Aquino, ao qual idolatrava, fazendo-o desejar sistemas de governo e políticas que se conformassem ao máximo aos ideais da Idade Média. Era avesso, assim, à tecnologia da Revolução Industrial. Esta o incomodava. Desse incômodo nasceu, em 1891, a Encíclica "Rerum Novarum", que tratava, entre outras coisas, das classes trabalhadoras. "Aceitou os sindicatos, desde que autorizados pelo Estado; condenou o capital e o trabalho, em suas expressões radicais. Tanto o socialismo quanto a usura eram errados; a propriedade particular era essencial para a liberdade, e a sociedade sem classes era contrária à natureza humana. Os trabalhadores jamais deviam recorrer à violência. Os empregadores deveriam adotar uma atitude paternal para com seus funcionários, pagar-lhe salário justo, protegê-los das oportunidades de pecado, aplicar qualquer riqueza "que sobrasse da manutenção de sua posição social" na promoção "do aperfeiçoamento de suas próprias naturezas" e funcionar como administradores "da providência divina em benefício alheio" (5).
Seu discurso era visivelmente favorável à filosofia capitalista, o que não surpreende, face à posição política ocupada pela Igreja. Dizia que "os pobres se erguessem acima da pobreza e da miséria e melhorassem suas condições de vida" (5). Atacou, em aparente (mas só aparente) contradição, o liberalismo, defendendo a "regulamentação estatal" das condições de trabalho. Leão XIII, aos 93 anos, foi sucedido por Giuseppe Sarto, como Pio X, em 1903.
O temor ao socialismo iria justificar-se 14 anos depois, em 1917, com a Revolução Russa, alçando os bolcheviques ao poder. Mas isso é uma outra história.
IV – Crítica ao posicionamento da doutrina tradicional
Ao vislumbrar a Encíclica como um divisor de águas na luta dos trabalhadores por mais justas condições de vida profissional, a doutrina clássica ignorou, e ainda ignora, os aspectos econômicos, políticos, históricos, teológicos e sociais que motivaram a Igreja, por meio de seu representante maior, a pregar, mesmo que timidamente, uma maior "humanização" nas relações entre patrões e empregados. Se houvesse um pouco menos de "pureza jurídica" na análise, por certo não haveria esse "vácuo cognitivo" a escurecer a importância do ato em si. Enxergariam, os doutos, abdicando um pouco dessa onipotência jurídica, tão presente em nossa área, contradições inimagináveis, capazes de, sozinhas, ferirem de morte floridas e convenientes conclusões.
Ao enaltecer a "boa intenção" do Sumo Sacerdote, afirmando que sua palavra "ecoou e impressionou o mundo cristão, incentivando o interesse dos governantes pelas classes trabalhadoras, dando força para sua intervenção, cada vez mais marcante, nos direitos individuais em benefício dos interesses coletivos", o ilustre Segadas Viana (1), permissa vênia, demonstra uma certa "ingenuidade científica", típica em análises "purificadas".
É certo afirmar, contudo, que no período pós Kelsen os estudiosos do direito passaram a desprezar pesquisas sociais e históricas, concentrando-se na "pureza do direito". Talvez isso explique o pouco interesse demonstrado pelos renomados doutrinadores na investigação do assunto. Entretanto, resta condenável a precipitada eloqüência com que saúdam, em seus escritos, um ato histórico oportunista, alavancado por um medo aterrorizante, patente, que, como um vírus, mesmo a contragosto, o contaminou para toda a eternidade.
À época da publicação da Encíclica "Rerum Novarum", o liberalismo vinha passando por sua pior crise desde a Revolução Francesa. Teorias como a do "contratualismo", da "autonomia das vontades", do absoluto "pacta sunt servanda", entre outras, nascidas no seio do iluminismo, já não supriam as necessidades da sociedade ocidental. Lembremos que já havia surgido no mundo o que ficou conhecido como "materialismo histórico", ou seja, uma teoria sócio-econômica que enaltecia a luta de classes, isto é, a luta entre dois extremos inconciliáveis: o capital e o trabalho. O eixo dessa tese era a distribuição por igual dos meios de produção, passando-os para o Estado (estatização dos meios de produção), que, como ente soberano, distribuiria eqüitativamente os bens e objetos de primeira necessidade.
Para termos uma idéia do choque filosófico entre liberalismo e socialismo, transportamos um pequeno trecho da obra de Karl Marx, citado por Domenico de Masi: "Dado que uma sociedade, segundo Smith, não é feliz quando a maioria sofre... é necessário concluir que a infelicidade da sociedade é a meta da economia política. As únicas engrenagens acionadas pela economia política são a avidez pelo dinheiro e a guerra entre aqueles que padecem disso, a concorrência" (6).
O iluminismo do século XVIII, nas letras célebres de Rosah Russomano (7), reservou um plano todo especial à razão humana, colocando-a no mesmo nível antes pertencente à Providência Divina. Sob este aspecto, então, o liberalismo afrontou o cerne da Igreja Católica, construído por via de dogmas axiomáticos, inimigos da razão. O homem tratou de buscar explicações racionais para acontecimentos da natureza dantes não explicáveis. Esse desenvolvimento humano na esfera filosófica refletiu em todos os níveis, ferindo de morte as estruturas cristãs.
Rosah (7), com sabedoria peculiar, coloca o movimento social adotado pelos constitucionalistas daquele tempo como uma cessão aparente de poder, proveniente simplesmente do medo do socialismo. A Revolução Russa de 1917 foi um verdadeiro turbilhão sobre a sociedade ocidental. O trabalho, por meio do campesinato russo, ignorante e grosseiro, vencera politicamente o capital, destruindo as bases de sustentação de uma política czarista oligárquica, atrasada, de privilégios e concentração de renda. Verdade que o "socialismo aplicado" sucumbiu em burocracia e corrupção, rasgando os princípios basilares da filosofia marxista. Porém, o liberalismo também implodira, dando lugar a uma espécie de "capitalismo social", inaugurado pelas constituições alemã (Weimar) e mexicana.
O Santo Padre, em sua encíclica "renovadora", não nega o antagonismo entre capital e trabalho, pelo contrário, destaca-o; entretanto, reclama pela necessidade de união entre os dois, afirmando que um não vive sem o outro. Até aí o Papa nada disse além do óbvio. Mas ao enaltecer a "concorrência", fazendo-a pressuposto da "ordem" e "beleza", o representante maior da Igreja Católica mostrou suas verdadeiras intenções. Estava, em verdade, atemorizado pelo crescimento do marxismo e pela crise estrutural do liberalismo, marcada principalmente pela ganância e avidez dos "capitalistas". Para bem exemplificar o que falamos, basta um pequeno trecho do "Tratado" de Villarmé, de 1840, sobre o estado físico e psíquico dos operários nas fábricas de algodão, lã e seda, naquela França liberal, que tinha proclamado os Direitos do Homem, quando constata que os escravos das Antilhas trabalhavam nove horas por dia, os condenados ao trabalho forçado nas instituições penais, dez horas por dia, enquanto os operários de algumas indústrias de manufaturas trabalhavam dezesseis horas por dia (6).
O que interessa-nos mostrar, com o presente trabalho, é que tanto o marxismo quanto o liberalismo afetaram a base de sustentação religiosa da maior Igreja do Ocidente. Esta, sob pena de pulverização paulatina, teve de reagir a essas ameaças. A Encíclica "Rerum Novarum" nasceu com uma missão principal: conciliar o que parecia inconciliável, forçando o Estado a intervir no liberalismo decadente, impedindo, com isso, a proliferação das idéias marxistas, preservando o poderio religioso, ante a radicalização enfrentada à época. Assim, servindo-se do imenso poder a ela inerente, a Igreja buscou manter seu status quo, "matando dois coelhos com uma só cajadada".
O aumento da atuação do papel estatal na economia, tão combatida pelos liberais "puros", veio por uma necessidade de conter o avanço das idéias de "esquerda", engrandecidas com os acontecimentos na agrária Rússia de 1917. O pavor fez com que sobreviessem algumas mudanças em prol da coletividade, buscando o ideário da justiça social, esquecido nas mortas letras da Declaração dos Direitos do Homem.
Leão XIII, como explica Domenico de Masi, estava apavorado tanto com o conflito quanto com os socialistas e os liberais. A Encíclica começa assim: "Os prodigiosos progressos das artes e os novos métodos industriais, as relações mudadas entre patrões e operários, a riqueza acumulada em poucas mãos e a grande expansão da pobreza, o sentimento da própria força que se tornou mais vivo nas classes trabalhadoras, assim como a união entre elas mais íntima, este conjunto de fatores, aos quais se soma a corrupção dos costumes, deflagrou o conflito...". Complementa o Papa: "Um número muito restrito de ricos e de opulentos impôs a uma multidão infinita de proletários um jugo que é quase de servidão" (6). Para o Pontífice, entretanto, essa desigualdade, mesmo latente, não justificaria o conflito. Este deve ser evitado a qualquer custo.
O proletário faz bem em contentar-se com o que tem, pois, diz o papa, "que abundeis em riqueza ou outros bens, chamados de bens de fortuna, ou que estejais privados deles, isto não importa à eterna beatitude: o uso que fizerdes deles é o que interessa. (...) (6). Assim, os afortunados deste mundo são advertidos de que as riquezas não os isentam da dor; que elas não são de nenhuma utilidade para a vida eterna, mas antes um obstáculo...".
"Hoje, especialmente, no meio de tamanho ardor de cobiças desenfreadas, é preciso que o povo se conserve no seu dever (...) Intervenha portanto a autoridade do Estado, e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu" (6).
O papa, constata o sociólogo italiano, "coloca-se como defensor do status quo e inimigo da luta de classes, propondo o cristianismo como o melhor dos meios para garantir a paz social" (6). A Igreja compreendia que a indústria e a tecnologia eram suas inimigas, pois "racionalizavam o mundo", substituindo a magia da fé pela ciência e, principalmente, pelo raciocínio. O papa chega a advertir para "o perigo de que as classes pobres pretendam enriquecer" (6). Quanto menor o número de pobres e ignorantes, menor o número de fiéis.
A Rerum Novarum impressiona pelo dualismo inconciliável; pelo relativismo; pela ausência de definição. Odeia liberais e socialistas. Defende a propriedade particular, condenando a coletivização desta, sob a égide de que ela é "direito natural" do homem, sendo, como tal, divino; ao mesmo tempo critica a hipocrisia do ideal liberal, que foi incapaz de garantir a igualdade material. Rosah (7) acerta na mosca em sua assertiva. A sociedade liberal permitiu a socialização das constituições, flexibilizando a rigidez não-intervencionista, procurando "calar a boca" dos insatisfeitos que resolveram gritar. Pregou a união entre capital e trabalho, ao tempo em que Marx pregava a união dos proletários: "Trabalhadores, uni-vos!". O cristianismo seria o único caminho para a paz!
O mundo vivia o início da chamada "produção em série", hoje tão em voga. Não bastava mais, como dantes, um par de sapatos por pessoa, mas o quanto cada um pudesse comprar. Milhões de pares passaram a ser produzidos, em quantidades outrora inimagináveis, mas a cada dia aumentava o número de "pés descalços", mesmo também aumentando a produção. Como explicar essa distorção? Cremos, sinceramente, que a Igreja nos deve uma nova encíclica, capaz de explicá-la.
Essa pregação em defesa de um capitalismo mais justo recheou as páginas mofadas da Rerum Novarum, virando pó. Em sua autobiografia, Henry Ford, fundador da famosa empresa automobilística, e inventor da primeira linha de montagem, comentando uma lei de 1914, constatou, enfaticamente, que "o papel empresarial não é fazer caridade cristã" (7). Realmente, razão temos que dar ao Mr. Ford, pois o lucro não combina com caridade gratuita, mas apenas com aquela que se pode deduzir no imposto de renda.
Encontramos um mundo hoje globalizado. A globalização não é só econômica, mas principalmente cultural. Essa globalização foi saudada como redentora. O que vemos, no entanto, é uma nuvem cinza de incertezas, um vácuo cada vez maior entre ricos e pobres, seja numa visão micro ou macro. A globalização lembra muito a época das colônias, onde os poderosos usufruíam dos paupérrimos. A mão de obra "em desenvolvimento" é baratíssima, sem falar da demanda gigantesca; resultado: exploração desenfreada, amparada por Estados falidos e dominados, política, cultural e, principalmente, economicamente.
A contribuição maior da Encíclica foi o reforço à idéia de uma maior participação do Estado na economia. Mas isso não foi pregado com o intuito de salvar do flagelo os esfarrapados e famintos operários. O objetivo imediato era a manutenção da posição conquistada pela Igreja Católica, através de intermináveis e sangrentos séculos, onde as espadas e as orações confundiam-se em cruzadas e conquistas questionáveis.