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Neoliberalismo e a Constituição Federal

Agenda 01/08/2002 às 00:00

RESUMO

O Artigo trata da inconstitucionalidade de medidas econômicas de cunho exclusivamente neo-liberais, explicando o que seja liberalismo e neo-liberalismo, apresentando pequeno histórico deste sistema econômico.

Por liberalismo podemos entender várias coisas distintas.

De um lado, liberalismo é a doutrina política segundo a qual convém aumentar tanto quanto possível a independência do poder legislativo e do judiciário em relação ao poder executivo e dar aos cidadãos o mais possível de garantias contra a arbitrariedade do governo. Neste sentido, o termo liberalismo foi usado durante muito tempo, e ainda o é em certas discussões específicas, como contrário de autoritarismo.

Também se chama liberalismo a doutrina filosófica que afirma que a unidade religiosa não constitui condição necessária de uma boa organização social e que reclama para todos os cidadãos a liberdade de pensamento.

O termo liberalismo também é associado freqüentemente a tolerância, confiança nos efeitos felizes da liberdade.

Tais usos mostram como o termo é equivocado. Mais ainda se instaura a confusão pela utilização acidental e despropositada pelos partidos políticos ou tendências políticas.

Normalmente designa-se por este nome, com mais acerto e propriedade, as doutrinas que consideram como um ideal o aumento da liberdade individual, ou ainda as doutrinas que consideram como meio essencial desta liberdade a diminuição do papel do Estado. Há quem afirme, não sem certa coerência, que a primeira tese, aumento da liberdade, é independente da segunda, diminuição do papel do Estado. Um exemplo desta assertiva está no fato de que a liberdade do indivíduo não é mais ou menos restringida por qualquer associação que pelo Estado, se este não intervier com o propósito de limitar esta mesma liberdade.

Por fim, liberalismo é a doutrina econômica segundo a qual o Estado não deve exercer nem funções industriais, nem funções comerciais e que não deve intervir nas relações econômicas que existem ou venham a existir entre os indivíduos, classes ou nações. Neste sentido se diz muitas vezes "liberalismo econômico", em oposição a Estatismo e, mais geralmente, pela difusão do termo, a Socialismo.

Neste sentido chega-se a encontrar quem afirme que o Estado deve limitar suas ações à esfera policial, judiciária e militar.

Neo liberalismo, porém, não chega a ser a volta de uma destas correntes, mais especificamente a do liberalismo econômico. Em verdade Neo liberalismo é uma radicalização do liberalismo econômico, ou simplesmente liberalismo como está difundido. É igualmente um conjunto de práticas e idéias voltadas para a construção de uma sociedade absolutamente livre das interferências estatais, especialmente no campo econômico, em toda a sua extensão.

O texto "Balanço do NeoLiberalismo", do professor Perry Anderson [1], (publicado em "Pós-Neoliberalismo"; Sader, Emi; Gentili, Pablo (org), 5ª Edição, Editora Paz e Terra), nos traz um histórico deste Neoliberalismo, deixando claro que sua intenção é mesmo tirar o estado de toda e qualquer função econômica, inclusive reguladora.

Os erros de percurso do socialismo real, bem como os exageros estatais em muitos países, aliado ao crescente sucesso econômico dos países mais afeitos ao liberalismo, acabou por gerar uma multidão de adeptos desta doutrina, às vezes mais por contrariedade aos outros modelos que por afinidade intelectual com seus termos.

Karl Popper, brilhante filósofo, cujas contribuições na área da epistemologia até hoje são inestimáveis e inegáveis, chegou a escrever um livro defendendo o Neoliberalismo, intitulado "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos" [2]. Friedrich Hayek é outro pensador defensor deste Neoliberalismo, provavelmente o mais radical deles. Todos têm em comum a aversão a qualquer possibilidade de limitação da liberdade humana, seja de forma institucional ou ideológica. Para eles, qualquer limitação às atividades humanas e qualquer relação interpessoal que não nasça espontaneamente e cujos resultados não sejam fruto apenas da argumentação e dos interesses das partes envolvidas é um ataque à liberdade e deve ser evitada a todo custo. Por isso defendem também a liberdade máxima no mercado, deixando os agentes econômicos soltos, sem qualquer regulamentação. Hayek chega a comparar a social-democracia inglesa com o nazismo, chamando a ambos de "servidão moderna".

Segundo narra o professor Anderson [3], Hayek deu início ao Neoliberalismo com uma reunião em Mont Pèlein, Suíça, da qual participaram o já citado Popper, o economista Milton Friedman, Lioenel Robbins, Ludwig Von Misses, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polany, Salvador de Madariaga, entre outros pensadores de diversas áreas, que tinham em comum o desejo de evitar regimes de governo, políticas governamentais e mesmo formas de sociedade que permitissem qualquer limitação à liberdade que não tivesse relação direta com a segurança pessoal.

Estes Neoliberais chegam mesmo a criticar o ponderadíssimo Keynesianismo, doutrina que prega a intervenção estatal na economia em épocas de crise, devendo o Estado, nos períodos de calmaria, montar mecanismos que assegurem a travessia estável pelas turbulências inevitáveis da economia. Méritos à parte, dizer que o Keynesianismo é uma afronta à liberdade do mercado é um exagero.

Tanta aversão a qualquer forma de intervenção pode ter nascido do momento em que viveram estes pensadores, os quais viram de perto fenômenos como nazismo, fascismo e a ditadura socialista que se instaurou na Rússia, mais tarde culminando no absurdo político chamado União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Não que se faça aqui um apelo ao historicismo, longe disto, mas é sintomático que posição tão extremada surja exatamente quando o seu oposto está surgindo em todo o mundo. Também não se está apelando ao psicologismo, mas é claro que se preza mais alguma coisa quando se sente que esta corre riscos.

De acordo com o professor Anderson, e com outros mais cuja citação é despicienda, foi depois da crise do modelo econômico do pós-guerra, ocorrida em 1.973, que levou o mundo todo a uma depressão econômica devastadora, que os programas Neoliberais implantaram-se nas mais diversas economias e governos. Diz o professor Anderson: "As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais". Recente artigo do professor Rudiger Dornbusch faz afirmação parecida a respeito do modelo econômico alemão atual [4]

Para os Neoliberais estes processos levaram a surtos inflacionários, pelo descontrole monetário e corroeram os lucros das empresas, diminuindo seu poder de re-investimento e geração de empregos e salários, reduzindo o avanço tecnológico inclusive.

As idéias Neoliberais foram implantadas nos governos, em especial dos países ditos desenvolvidos, com raras exceções, tendo como seus maiores nomes a Primeira Ministra inglesa Margaret Tatcher e o presidente norte-americano Ronald Reagan, citando-se ainda Helmut Kohl na Alemanha.

Os Neoliberais receitavam, então, manter o Estado forte o suficiente para acabar com o sindicatos e para controlar o dinheiro, mas retirar-se da economia, abstendo-se de intervenções econômicas e gastos sociais.

A adoção de ideais Neoliberais leva a uma política econômica em que a estabilidade monetária torna-se meta suprema. Aqui no Brasil vemos um debate entre "monetaristas" e "desenvolvimentistas", que demonstra esta assertiva; do lado daqueles estão pessoas como o atual Ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, ambos conhecidos Neoliberais. Para conseguir o intento, nem tão criticável assim, embora haja algumas vozes a propagar que um pouco de inflação faz bem, deve-se, segundo os Neoliberais, adotar uma disciplina orçamentária draconiana, contendo-se toda sorte de gastos e promovendo a restauração da taxa "natural" de desemprego, para impedir pressões salariais e conseqüentemente reflexos inflacionários e redução dos lucros das empresas, o que poderia minar a saúde econômica. Em países em que já haja desemprego, atitudes neste sentido podem ser catastróficas, como é o caso da Argentina atual e, em menor escala, do Brasil. Também se fazem necessárias reformas fiscais, diminuindo tributos e contendo-se gastos.

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A idéia básica é que um pouco de desigualdade vitamina a economia. Em um primeiro momento tais atos não produzem resultados, dizem eles, mas em seguida percebem-se os lucros.

Durante uma década, mais precisamente os anos 80, os governos do OCDE – Organização Européia para o Comércio e Desenvolvimento – aplicaram estas idéias. Após toda uma era de Keynesianismo, os governos europeus, começando pelo inglês, iniciaram sua reforma Neoliberal. Em 1.979, Margaret Tatcher foi eleita na Inglaterra. Em 1.980, Ronald Reagan presidente dos EUA. Em 1.982, Helmut Kohl na Alemanha. Em 1.983, a Dinamarca passa a ser governada por uma união de direita e adota o Neoliberalismo como política de governo, após passar anos como exemplo bem sucedido de um Estado de Bem-estar, capitaneada por Schutler. Depois de pouco tempo, só os países ditos socialistas e a Suécia não haviam aderido ao Neoliberalismo.

Por razões não muito fáceis de entender do ponto de vista lógico, nos países em que se implantou o Neoliberalismo, os governos adotaram uma postura anti-comunista irracional, promovendo cortes diplomáticos, e transformando, tanto quanto possível, o comunismo como o maior dos males aos olhos de sua população. Mesmo sem dar crédito às teorias conspiracionistas, é curioso que justo na época de Reagan Hollywood produza uma enorme quantidade de filmes com este espírito, como por exemplo "Rambo".

De todos as políticas desta época, a mais pura foi a inglesa. O governo inglês contraiu a emissão monetária, produzindo valorização da moeda e também um efeito potencialmente recessivo, baixou consideravelmente os impostos, principalmente sobre as grandes empresas, aboliu uma série de controles sobre fluxos financeiros, enfrentou greves sistematicamente, criou uma legislação anti-sindical e cortou gastos sociais. Depois seguiu-se um programa de privatização. Vale lembrar que a privatização inglesa se deu de maneira bem diferente do que podemos ver no Brasil e na Argentina. Foi um programa radical que incluiu habitação, petróleo, gás, água e eletricidade. Um aspecto interessante deste programa foi a possibilidade de os trabalhadores adquirirem ações das empresas públicas, isto de maneira descomplicada, bastando que procurassem uma agência bancária.

Nos EUA houve uma variação no modelo porque, afinal, não havia por lá um Estado de bem-estar como o Europeu médio. Reagan reduziu impostos, normalmente de modo favorável aos ricos (o argumento, lembremos, é propiciar mais lucros para mais re-investimento), elevou juros (por medo de pressões inflacionárias) e combateu uma grande greve. Porém, Reagan levou tão a sério seu anti-comunismo que levou o governo a gastos absurdos com os militares e com o programa espacial. Foi tão longe nisto que, tempos depois, começou-se a falar em "militarização da economia", para designar o fenômeno da enorme quantidade de empresas e pessoas ligadas à indústria bélica. Os EUA viram-se com um grande déficit na sua balança de pagamentos, o que não quer dizer inadimplência. É evidente que uma economia como a americana podia se dar ao luxo de contrair financiamentos para investir onde bem entendesse. Nenhum outro governo Neoliberal gastou como o americano.

Outros governos europeus, de direita, às vezes com fundo católico, ativeram-se à disciplina orçamentária e à reforma fiscal, cortando de forma mais amena os gastos sociais. Mesmo a vitória de eventuais socialistas, como De Gaulle, não afastou o ideário Neoliberal das políticas econômicas, embora, talvez, tenha se diminuído o seu ímpeto, mas pode ser que isso tenha se dado por ter se encontrado o limite de cortes, cujo rompimento poderia levar ao fim do próprio Estado. De todo modo, as políticas Neoliberais permaneceram mesmo após o fim de governos nitidamente de direita. Tony Blair é um exemplo atual disto.

Segundo consta, a mais radical política Neoliberal é a praticada pelo governo da Nova Zelândia, onde simplesmente não há estado de bem estar social.

Uma única exceção deve ser mencionada neste período: o Japão. Claro que o Japão é um país capitalista, com liberdade de movimento de capitais e de forças produtivas, propriedade privada dos meios de produção, e tudo o mais que permite se dizer que a economia é capitalista. Ainda que se diga que não há capitalismo verdadeiramente, há no Japão, como nos demais países citados, capitalismo, ao menos aquilo que se convencionou chamar capitalismo ao longo de décadas, desde o século XIX. Curiosamente, o Japão foi a grande promessa da década de 80, o país que, dizia-se, iria acabar com a hegemonia americana no cenário mundial.

Todas estas políticas mostram o predomínio do Neoliberalismo como ideologia. Se no início só governos de direita radical assumiram o ideário Neoliberal, ao final apenas os governos de esquerda radical resistiam à adoção de programas com cores Neoliberais, especialmente privatizações, desregulamentação do mercado financeiro cada vez maior e cortes nos gastos públicos.

Tornou-se totalmente demodè falar-se em Estado-Providência, papel social das empresas, sindicalismo, proletariado, e tudo o mais que pudesse lembrar, ainda que vagamente, o marxismo ou as doutrinas socialistas, fossem quem fossem seus defensores. Na América Latina isto ainda demorou um pouco a acontecer, mas não tardou a esquerda fosse vista simplesmente como um bando de arruaceiros e baderneiros.

Aconteceram inegáveis melhoras na economia mundial e também nas economias nacionais, mas ainda restam problemas após tanto tempo de Neoliberaismo.

A inflação foi contida em todos os países. Na OCDE a taxa de inflação caiu de 8,8% para 5,2%, com tendência de queda ainda nos anos 90.

A taxa de lucro das empresas, conforme informação obtida pelo citado professor Anderson junto a relatórios de organizações mundiais, subiu de 4,2% para 4,7% na década de 80. Só na Europa Ocidental, a taxa subiu de –5,4% para 5,3%. Com a redução de impostos e o enfraquecimento de sindicatos, com a conseqüente perda de poder de barganha dos operários, logo, diminuição de salários e redução das garantias de emprego e outros benefícios trabalhistas.

Se houve uma recuperação do lucro das empresas e controle inflacionário, não houve nenhuma melhora significativa no quesito emprego ou mesmo salários. A taxa de desemprego européia pulou de 4% para algo em torno de 8%, não esquecendo os cruéis 20% da Espanha, índice que voltou a patamares civilizados apenas em meados da década de 90.

Interessante notar que os salários mais baixos são os que menos ganharam com a redução de impostos. Os salários mais altos da Europa tiveram sua tributação reduzida em me’dia 20%.

Por incrível que pareça o comércio mundial hodierno não logrou um crescimento significativo, mantendo taxas pequenas demais perto do ritmo das décadas de 50 e 60. Ou seja, apesar de todas as medidas saneadoras tomadas, evitando-se o déficit público e mantendo-se a margem de lucro das empresas em patamares invejáveis, a economia mundial melhorou bem menos do que se supunha e do que se poderia esperar de tanto sacrifício feito.

O erro foi que tanta liberação levou a um verdadeiro canibalismo financeiro, que comprometeu demasiado a capacidade de investimento das empresas, e tirou da atividade produtiva recursos agora destinados apenas a lances financeiros, muitas vezes meramente especulativos.

Apesar do favorecimento da acumulação de capital, portanto, da criação de condições de investimento em produção, os índices de inversão só fizeram diminuir, ou seja, os lucros aumentaram, sem dúvida alguma, mas a economia cresceu menos do que se poderia esperar de tal fato. Investimentos e lucros não andaram de mãos dadas. As taxas de efetiva inversão em produção cairam durante a década de 80. Se nos anos 60 esta taxa era de 5,5%, foi de 3,3% nos anos 70 e de míseros 2,9% nos anos 80.

O valor das ações em bolsa subiu simplesmente quatro vezes mais que os salários. Isto já dá uma idéia de como o dinheiro do lucro foi usado para fins outros que não aumento da produção, pois se os investimentos cresceram menos do que sempre e se os salários não acompanharam, nem minimamente, o desempenho das empresas, onde foi parar o dinheiro? Evidente que uma economia capitalista necessita de mecanismos tais como bolsa de valores, mas no seu sentido original de facilitar a captação de recursos junto ao público investidor e o termo que talvez explique tudo seja este mesmo: investidor. De alguma forma o termo investidor acabou sendo usado para designar pessoas que compram e vendem ações ou títulos, inclusive futuros. Na verdade, investidor é aquele que dispõe de uma certa quantia em um determinado empreendimento, esperando o retorno do capital alocado, mais algum lucro. Logo, investidor tornou-se sinônimo de especulador. É evidente que um investidor pode especializar-se em mercado financeiro, mas se uma pessoa passa a apostar em altas e quedas de preços e, às vezes, até a manipular estas mesmas altas e quedas, por meio de boatos e outras práticas, ela sai da categoria de investidor e adentra a dos especuladores, pois não mais investe, mas especula quanto ao futuro, ganhando com isto. O termo especulador, por sua vez, ganhou uma conotação negativa, especialmente após o fenômeno dos mega-investidores. A atividade especulativa aqui descrita não é necessariamente imoral, mas certamente existe diferença entre pessoas que investem na construção de casas para revende-las e pessoas que compram papéis, esperando algum evento futuro para com ele obter valorização destes mesmos papéis. Em análise ligeira, ouso dizer que o especulador é um agente anti-econômico, pois de sua atividade nada se produz e nada se reverte em prol da sociedade, ao contrário de outros empresários, cuja atividade resulta em movimento da economia.

É exemplo vivo a atual onda especulativa que assola o planeta de que toda sociedade e toda atividade necessita regras e limites, para que não venham a ruir sobre si mesmas, numa espécie de auto-fagismo.

No decurso da década de 80 aprofundou-se, nos países do norte (dito desenvolvidos), a crise do Estado Providência, agravando-se as desigualdades sociais e os processo de exclusão social, assim entendidos aqueles que tiram o sujeito da sua normalidade social, como por exemplo, emprego, círculo social, etc. Nos países ditos em desenvolvimento ou sub-desenvolvidos este agravamento foi brutal. A dívida externa, a desvalorização de seus produtos de exportação no mercado internacional, a diminuição de ajuda externa (provocada direta e indiretamente pelos cortes de gastos nos governos dos países "desenvolvidos"), mais a crônica incompetência administrativa, legislativa e judiciária de alguns países, levaram muitos deles ao colapso, caso, por exemplo, do Peru. Na década de 80 morreram na África mais pessoas que em todas as décadas anteriores do século.

As assimetrias sociais aumentaram no interior de cada país e mais ainda entre eles reciprocamente considerados. Tal situação, proclamada por alguns como necessária para o surgimento de uma ordem econômica realmente livre, natural e verdadeira, foi denunciada por outros, vozes dissonantes e minoritárias, como uma desordem selvática que exigia ser substituída por uma nova ordem econômica internacional.

Interessante notar que se hoje se acusa a esquerda de promover a política do quanto pior, melhor, esta mesma tática foi usada pelos Neoliberais. Em 1.987 o professor Anderson era membro de uma equipe do Banco Mundial (organização que não pode ser catalogada como de esquerda). Ele nos conta que em uma visita feita ao Brasil, ouviu um outro membro da mesma equipe, um economista indiano, dizer que o problema não era a hiper-inflação, mas a falta dela. "Esperamos que os diques se rompam. Precisamos de uma hiperinflação aqui para condicionar o povo a aceitar a medicina deflacionária drástica que falta neste país" [5]. Claro que isto não significa, necessariamente, que o Banco Mundial estava manipulando a política econômica brasileira, mas ilustra como os Neoliberais colocavam sua ideologia de modo muito semelhante ao que faziam os marxistas, que torciam pela derrocada da economia capitalista, contando com o agravamento da situação social para fazer implantar o socialismo nos diversos países. Se por um lado marxistas e pseudo-marxistas torciam pelo pior para que pudessem vender seu elixir socialista, também os Neoliberais o fizeram bastante para empurrar sua pílula amarga. Isto mostra que o Neoliberalismo gera tanto fascínio quanto o marxismo, o que é sinal de que esta teoria é menos racional do que parece. Neoliberalismo não é liberalismo, nem capitalismo, ao menos, não necessariamente.

Por fim, agora na década de 90 vê-se os países Latino Americanos adotarem o receituário Neoliberal. Os efeitos já se fazem sentir, especialmente a queda da inflação, aumento da desigualdade social (o mais alto salário está cada vez mais distante do menor), privatizações (de forma atabalhoada, segundo alguns ilegal e até corrupta), abertura comercial (embora sem o reciprocidade dos países do norte), enfim, tanto os benefícios como os malefícios do Neoliberalismo estão já presentes na vida dos latino Americanos, com a diferença de que os problemas Latino Americanos propiciaram ainda mais a especulação financeira.

Adentrando o plano político-jurídico, a Constituição brasileira adotou modelo impeditivo de um Neoliberalismo. Críticas à parte, que tanto partem dos liberais, neoliberais e dos socialistas e demais correntes ditas de esquerda, o fato é que a nossa Constituição, ao menos em tese, impede que o Estado brasileiro alimente esta auto-fagia do mercado e do próprio Estado. Não impede, é verdade, a adoção do chamado "receituário neoliberal", mas ao estabelecer como princípios da ordem econômica a soberania nacional (conceito que ultrapassa a idéia de soberania estatal frente a outros estados), a função social da propriedade (que não se confunde com função socialista), a defesa do consumidor (conceito liberal por excelência, por ser mantenedor da confiança no mercado), a defesa do meio ambiente (idéia mais liberal que se supõe comumente, fruto da idéia de que o desenvolvimento econômico não é um fim em si mesmo, mas instrumento do desenvolvimento humano), a redução de desigualdades sócias e regionais (conceito mais de esquerda, mas que também beneficia o mercado por garantir mais território e mais poder de compra por parte dos cidadãos), a busca do pleno emprego (conceito básico de economia, existente muito antes do advento do marxismo) e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país (idéia que visa a preservar a necessária concorrência dos agentes de mercado, impedindo concentrações desarrazoadas e contrárias à noção de competitividade), (Artigo 170, incisos I a IX) esta constituição acabou por colocar limites às idéias Neoliberais.

Ainda é de se lembrar que esta ordem econômica brasileira é fundada na valorização do trabalho humano (lembrando que Adam Smith, nem de longe um sujeito de esquerda, dizia que a fonte de toda riqueza era o trabalho) e na livre iniciativa. Seus fins, de acordo com a Constituição, que é o documento mestre de uma sociedade constituída sob a condição de Estado de Direito (em oposição a Estado autoritário), são assegurar a todos existência digna, conforme os ditames de justiça social (que não são ditames de justiça socialista, lembrando que mesmo liberais pensam sobre justiça, como fica claro com o célebre livro "Teoria da Justiça", de John Rawls).

Basicamente, pelo teor do artigo 170 de nossa constituição torna-se impossível que o Brasil venha a ser um país Neoliberal, embora possa ser um país capitalista e mesmo liberal.

Nossa crítica ao Neoliberalismo é dirigida à ingenuidade de confundir regras com atentados à liberdade. Limites não são, de per si, uma afronta à liberdade. Evidente que a história mostrou, ou ao menos deu mostras, que o controle estatal sobre a economia não é algo possível e nem tão benéfico assim. A economia deve sim ser livre, pensamos, porém, esta liberdade não pode ser tal que permita à mesma economia agir contra si mesma, ao colocar interesses imediatos sobre interesses mediatos maiores. Uma legislação de proteção ao consumidor e anti-trust, entre outras, são apenas uma salvaguarda para que a economia possa crescer segundo seus próprios termos, em especial a livre iniciativa e a competição.

Somos da opinião que o governo brasileiro, ao adotar políticas econômicas, precisa estar mais atento à constituição para não criar um sistema econômico demasiado liberado, porém, pouco competitivo e pouco produtivo. Em agindo desta forma, o governo está atentando contra a Constituição Federal.

De resto, o Neoliberalismo não se mostrou eficiente como propagado e nem o é do ponto de vista lógico, posto que permitir que empresas possam impor regras, ainda que de forma indireta a pessoas simples, não é de forma alguma uma defesa da liberdade, mas apenas um desvio de rota na construção de um dos pilares de uma sociedade verdadeiramente livre, qual seja, a liberdade econômica.

Este Neoliberalismo só é benéfico a uma meia dúzia de grandes empresas e aos especuladores financeiros, sendo, na melhor das hipóteses, inócuo ou, na pior delas, nocivo à produção de riquezas e sua distribuição.

Enfim, juridicamente o Neoliberalismo é impossível em nosso país, muito embora não se possa, nem se deva, dizer o mesmo quanto ao capitalismo. Qualquer atitude governamental neste sentido Neoliberal é inconstitucional.

Voltando ao plano mais político-econômico, é claro que o Neoliberalismo mostrou-se um projeto grandioso demais, cujos efeitos estão muito aquém do propalado. De alguma forma é preciso desfazer o binômio Neoliberalismo-capitalismo, pois a falta de qualquer regulamentação da economia é simplesmente contra-producente, pois propicia práticas danosas à concorrência, à competitividade, aos investimentos em produção. Além disto, a simples redução de impostos e privatizações não é garantia de melhor atividade econômica. Por mais atraente que seja, na verdade o Neoliberalismo é muito mais um canto de sereia que uma boa teoria econômica.


Notas

1. In Pós-Neoliberalismo; Sader, Emi; Gentili, Pablo (org), 5ª Edição, Editora Paz e Terra

2. Popper não fez considerações de cunho econômico neste livro, mas defendeu as bases políticas e epistemológicas do liberalismo, ainda que de modo não declarado. Neste livro Popper examinou e criticou as teorias de história, analisando o pensamento de Platão, Hegel e Marx, no que pertine ao historicismo, que é a doutrina que reconhece leis gerais da evolução histórica, que a convertem em algo inteiramente determinado e predizível. Já em "A Miséria do Historicismo", Popper denuncia dois falsos pressupostos do historicismo: o do determinismo histórico análogo ao biológico (determinismo que nem existe na biologia) e o de que uma ciência social deve ter os mesmos métodos das ciências naturais. Ele então passa a expor suas teses: a política não pode jamais ser revolucionária, não deve visar à reconstrução global uma vez que não há ciência alguma capaz de prever o resultado, ao revés, deve se limitar a reformas paulatinas de dados setores da sociedade, em uma espécie de engenharia social. Sobre Karl Marx ele escreve no capítulo 24 de "A Sociedade...": "Marx era um racionalista. Como Sócrates, e também como Kant, ele acreditava que a razão era a base da unidade da humanidade. Porém, sua doutrina segundo a qual nossas opiniões são determinadas pelo interesse de classe apressou o declínio dessa crença. Da mesma forma que a doutrina de Hegel segundo a qual nossas idéias são determinadas pelas tradições e interesses nacionais, a doutrina de Marx tendia a solapar a crença racionalista na razão. Ameaçada dessa forma tanto da direita como da esquerda, a atitude racionalista perante as questões sociais e econômicas mal pôde resistir quando a profecia historicista e o irracionalismo oracular empreenderam um ataque frontal contra ela. É por isso que conflito entre o racionalismo e o irracionalismo se tornou a mais importante questão intelectual e talvez mesmo moral de nosso tempo". (A Sociedade Aberta e Seus inimigos, Coleção Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1.980, página 178)

3. in, Pós-Neoliberalismo; Sader, Emi; Gentili, Pablo (org), 5ª Edição, Editora Paz e Terra

4. Jornal Folha de São Paulo, 19/03/01, caderno Primeira Página, p. 03

5. Op. Cit. P. 22


Bibliografia

Anderson, Perry. Balanço do Neo-Liberalismo, in, Pós-Neoliberalismo; Sader, Emi; Gentili, Pablo (org), 5ª Edição, Editora Paz e Terra.

POPPER, Karl R. A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Coleção Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1.980.

Sobre o autor
Alexandre Rezende da Silva

advogado em Londrina (PR), especialista em Direito Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Alexandre Rezende. Neoliberalismo e a Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3190. Acesso em: 5 nov. 2024.

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