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Responsabilidade civil em caso de vazamento de fotos íntimas e conteúdo ilícito.

A necessidade da indenização proporcional ao lucro obtido com o material ilícito

Agenda 16/09/2014 às 10:10

Deve ser usada a teoria da responsabilidade pelo risco da atividade negocial em relação à divulgação de fotos íntimas na internet, garantindo indenização equiparada em razão da impossibilidade de lucrar com atividade ilícita.

Palavras-chave: The Fappening, Responsabilidade Civil, Indenização, Proporcionalidade, Risco da Atividade Empresarial.


No dia 31 de agosto, diversas celebridades foram surpreendidas com o vazamento de suas fotos íntimas. Apesar da fonte original ter sido a postagem de um usuário do site 4chan[1],a maior parte do tráfego ocorreu no site  Reddit [2], dentro de uma seção do site, chamada de subreddit, que ficou conhecida como The Fappening.

John Menese, criador do The Fappening, divulgou recentemente que ao manter no ar este subreddit por seis dias, o site supramencionado recebeu através de seu sistema de inscrições pagas chamado gold[3], o suficiente para manter seus servidores ativos durante um mês. Para efeito de comparação o subreddit mais antigo do site ganhou em quatro anos metade deste valor.

Ele obteve o valor ao registrar quantas vezes os usuários de seu subreddit adquiriram gold até a queda do site devido ao enorme tráfego.

Menese ainda disse que “Se o Reddit quisesse, poderia ter nos banido domingo quando o tráfego quebrou nossos servidores, mas eles escolheram ordenhar uma semana de publicidade e um mês de acesso em gold do Reddit antes de intervir”[4].

Tudo isto sem contar o que o site ganhou com anúncios pagos dos, aproximadamente, duzentos e cinquenta milhões de visitantes.

Mas o que aconteceria, no aspecto da responsabilidade civil, se as fotos vazadas fossem de um cidadão tupiniquim ou de alguém que buscasse acionar a justiça brasileira?

O Marco Civil da Internet prevê em seu artigo 11 que 

“Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.”

e no § 2o do mesmo artigo que 

“O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.”.

Considerando que o artigo 19 estabelece que

“o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

E o artigo 21 que

“O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo”.

E, finalmente, assumindo que a reação de um advogado brasileiro seria a mesma dos advogados americanos no caso em tela, ou seja, ingressar com pedidos de retirada do conteúdo no mesmo dia ou no dia seguinte, todos os requisitos dos artigos supramencionados teriam sido cumpridos e o site seria responsabilizado subsidiariamente por não ter retirado as imagens, devendo indenizar as vítimas.

Não havendo qualquer dúvida quanto à responsabilidade acima considerada, devemos atentar à outra responsabilidade civil, aquela relacionada ao risco da atividade empresarial.

O modelo de negócios do Reddit e sites similares é baseado principalmente em anúncios pagos e relacionados ao número de visualizações, sendo assim não parece justo que, independentemente da retirada tempestiva do conteúdo, um site lucre com a disponibilização de conteúdo ilícito. Seria o mesmo que permitir que alguém lucrasse vendendo anúncios com sua base na popularidade de uma atividade ilícita e a esta pessoa fosse permitido manter o lucro.

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A justificativa legal para tal indenização ser devida está nos artigos 186 do Código Civil. Já a justificativa legal para a supracitada ser baseada no valor arrecadado pelo site está no artigo 927, levando em conta especialmente seu parágrafo único, do mesmo diploma legal.

Já que, de acordo com o artigo 944 do Código Civil, a indenização é medida pela extensão do dano causado, é válido presumir que seu valor deverá ser no mínimo igual ao lucro gerado pela disponibilização do conteúdo ilícito.

Ora, pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, nada mais justo que o lucro gerado pela exposição de algo privado, no caso em tela o direito de imagem, seja revertido para a pessoa que possibilitou que tal conteúdo existisse.

Ademais, nada impede que a vítima acresça a este valor a indenização por danos morais supramencionada - sendo que esta servirá à sua dupla função, reparadora e educadora. 

Vale ressaltar que as instituições de caridade Water.org[5]e Prostate Cancer Foundation[6]devolveram as doações advindas do The Fappening, sendo que a soma destinada à segunda instituição chegou a mais de vinte mil dólares. O Reddit se negou a fazer o mesmo em relação ao valor que lucrou, que consiste em aproximadamente seiscentos e setenta e um dólares devido ao gold e muito mais que isto em anúncios pagos devido ao enorme tráfego[7].

Ainda que a única maneira segura, e mais fácil, de impedir que fotografias íntimas vazem na internet seja simplesmente não tirá-las, a porcentagem de pessoas que têm fotos assim, especialmente na população mais jovem, cresceu exponencialmente nos últimos anos e obviamente não é razoável culpar a vítima por ter sua intimidade exposta.

Sendo assim, e considerando a teoria do risco da atividade empresarial, conclui-se que a “segunda melhor maneira” de impedir danos maiores é retirar destes sites o incentivo monetário para manter este tipo de conteúdo no ar.

O melhor modo de alcançar este objetivo é através de indenizações de valor idêntico ao que os sites ganharam. Sendo este valor definido pelo número do tráfego do site e seus anúncios e todas as outras formas de auferir lucro que estejam diretamente relacionadas ao conteúdo ilícito, como o Reddit gold supramencionado. Este valor deverá ser acrescido da indenização por dano moral, caso ela seja pertinente.

Não parece claro que, para alcançar a justiça, é necessário indenizar a vítima, ou o prejudicado, no valor exato que o transgressor iria auferir com a atividade ilícita respectiva?  É indispensável que a indenização garanta que o ilícito não seja lucrativo, caso contrário de que adiantará pensarmos que "o crime não compensa"?


Notas

[1]https://www.4chan.org/ acesso em 10/09/2014 às 18:20

[2]http://www.reddit.com/ acesso em 10/09/2014 às 18:25

[3]O gold permite que usuários do site paguem três dólares e noventa e nove cents para que tenham acesso a uma conta premium que possui mais recursos.

[4]http://www.wired.com/2014/09/celeb-pics-reddit-gold/?mbid=social_fb acesso em 10/09/2014 às 18:23

[5]http://water.org/ acesso em 10/09/2014 às 18:25

[6]https://secure.pcf.org/site/c.leJRIROrEpH/b.5699537/k.BEF4/Home.htm acesso em 10/09/2014 às 18:25

[7]http://www.washingtonpost.com/news/the-intersect/wp/2014/09/10/why-isnt-reddit-returning-the-money-it-made-off-stolen-celebrity-nudes/ acesso em 10/09/2014 às 18:28

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMONSEN, André Wallace. Responsabilidade civil em caso de vazamento de fotos íntimas e conteúdo ilícito.: A necessidade da indenização proporcional ao lucro obtido com o material ilícito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4094, 16 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31969. Acesso em: 22 nov. 2024.

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