6. Legislação estrangeira
6.1. Inglaterra
Depois de um período de estudos, em janeiro de 2012, o Conselho de Condenação (Sentencing Council[60]) tornou público novos delineamentos em matéria de drogas.
Estes delineamentos permitem a combinação de fatores estritamente relacionados com o tráfico de drogas, inclusive sob a perspectiva de gênero (questões sociológicas, item “4” abaixo), como por exemplo:
1) modalidade do delito;
2) tipo de substância e quantidade;
3) outros de índole criminológica[61], como: a) nível de liderança, por exemplo: distinguindo entre o papel de liderança (leading role), papel significativo (significant role) e o papel menor (lesser role);
4) questões sociológicas[62], por exemplo: b) se a pessoa é a única e o principal responsável por outras que dela dependam; b.1) se a pessoa tem sua vulnerabilidade explorada; b.2) se a pessoa manifesta boa disposição e arrependimento; b.3) envolvimento devido à pressão, intimidação ou coerção, aquém de coação; b.4) incidente isolado; b.5) idade e/ou falta de maturidade em que afeta a responsabilidade do infrator. Entre outras.
6.2. República da Costa Rica.
Em agosto de 2013 – bem recentemente, portanto –, a República da Costa Rica introduziu reformas na Lei de Controle Penal de Drogas (Lei n.º 8204), buscando critérios de proporcionalidade e especificidade de gênero para diminuir as penas privativas de liberdade de mulheres em condições de vulnerabilidade que introduzem(iram) drogas em estabelecimentos prisionais de homens[63].
Incluiu-se o parágrafo único[64] ao art. 77 da Lei de Controle Penal de Drogas da Costa Rica (Lei n.º 8204) para reduzir as penas por introdução de drogas nos centros penitenciários, que são de 8 (oito) a 20 (vinte) anos por penas de 3 (três) a 8 (oito) anos, bem assim se incluiu penas alternativas à privação da liberdade se as mulheres detidas atenderem um ou mais dos seguintes critérios:
a) se encontram em condição de pobreza;
b) sejam chefe de família que está em condições de vulnerabilidade; c) tenham sobre sua responsabilidade pessoas menores de idade, adultas maiores, ou pessoas com qualquer tipo de deficiência para justificar a dependência na pessoa que a têm sobre sua responsabilidade; e
d) Seja ela própria uma adulta maior em condições de vulnerabilidade.
Entre os argumentos para alteração da Lei de Drogas da República da Costa Rica (Ley n.º 8204), aferem-se:
Estes dados tornam impostergável que os deputados e deputadas analisem e introduzam elementos para valorar o tráfico de drogas em pequena escala nos centros penais cometido por mulheres, revisando-se, pois, a política penitenciária. Neste sentido, é importante considerar que no sistema judicial se está penalizando, unicamente, a pessoa que tenta introduzir as drogas nos centros penitenciários, mas não observamos políticas integrais para prevenir o consumo de drogas dentro dos cárceres, que poderiam desestimular o tráfico.
Consideramos que é prudente e necessário desvincular esta modalidade de delito do tráfico de drogas dos casos vinculados com o crime organizado e narcotráfico, porque os dados refletem que não é realista nem proporcional que hoje as mulheres que infrinjam a lei de drogas para introduzi-las em pequena escala nos centros penitenciários (foram pegas em grau de tentativa) recebam a mesma penalidade, como se se tratasse de organizações criminais. A essa ponderação não pode ficar de fora o fato de que o encarceramento feminino marca o resultando de uma cadeia de situações econômicas, sociais, legais e familiares que impactam, fortemente, o tecido social e não previne o delito[65]. (tradução nossa)
7. Projeto de Lei da Câmara n.º 37/2013
O Projeto de Lei n.º 7.663/2010, renumerado no Senado Federal para Projeto de Lei da Câmara n.º 37/2013, traz as seguintes alterações no art. 33 da Lei n.º 11.343/2006:
Art. 6º A Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 33 (...).
§4º Nos delitos definidos no caput e no §1º, as penas deverão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), quando:
I – o agente não for reincidente e não integrar organização criminosa; ou
II – as circunstâncias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta.
§5º Se os crimes previstos no caput e no §1º forem cometidos por quem exerce o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa, a pena é de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos e pagamento de 800 (oitocentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§6º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (NR)
Na Câmara dos Deputados foram acrescentadas 25 (vinte e cinco) emendas, nenhuma delas com a perspectiva de gênero na Lei n.º 11.343/2006.
Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal foram apresentadas 9 (nove) emendas, todas apresentadas pelo Senador Romero Jucá. As emendas n.ºs. 1 (protocolo SF/14072.86557-86); 2 (protocolo SF/14575.10437-83); 3 (protocolo SF/14857.80879-41); 4 (protocolo SF/14757.46526-95); 5 (protocolo SF/14483.10492-29); 8 (protocolo SF/14418.39054-70) e 9 (protocolo SF/14969.81652-69) em nada mencionam acerca da desigualdade de gênero ou da vulnerabilidade ou da hipossuficiência da mulher no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, mormente no transporte de drogas para estabelecimentos prisionais.
A emenda n.º 6 (protocolo SF/14261.60510-28), apenas sugere a exclusão da conjunção alternativa “ou” presente entre os incisos I e II do §4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006. Não faz, portanto, qualquer menção acerca da desigualdade de gênero ou da vulnerabilidade ou da hipossuficiência da mulher no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, mormente no transporte de drogas para estabelecimentos prisionais.
A emenda n.º 7 (protocolo SF/14681.03526-95), apenas sugere a exclusão do art. 6º do Substitutivo ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) N.º 37/2013, a alteração do art. 35 da Lei n.º 11.343/2006. Não faz, portanto, qualquer menção acerca da desigualdade de gênero ou da vulnerabilidade ou da hipossuficiência da mulher no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, mormente no transporte de drogas para estabelecimentos prisionais.
Há uma Petição para Defesa de Direitos[66] dirigida ao Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Senador Vital do Rêgo, que discute:
a) a disposição legal ou a regulamentar sobre as quantidades de drogas para diferenciar o usuário do traficante;
(b) a internação compulsória de dependentes químicos ou usuários de drogas;
c) as comunidades terapêuticas e Estado laico;
d) o recrudescimento do sistema penal; e
e) a reintegração socioeconômica de jovens, adolescentes e crianças.
A Petição, todavia, não faz qualquer menção acerca da desigualdade de gênero ou da vulnerabilidade ou da hipossuficiência da mulher no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, mormente no transporte de drogas para estabelecimentos prisionais.
O Parecer de relatoria do Senador Antonio Carlos Valares (Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), com trâmite datado de 04/12/2013[67], refere-se ao termo vulnerabilidade sob dois aspectos[68]:
1º) a vulnerabilidade social dos usuários e dependentes de drogas; e
2º) A Lei n.º 11.343/2006 define como atividades de prevenção aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção.
Logo, o Parecer não traz o foco da perspectiva de gênero na Lei n.º 11.343/2006.
Em parecer de relatoria do Senador Antonio Carlos Valadares – lavrado no ano de 2014, cuja pauta encontra-se pronta para discussão, conforme trâmite do PLC n.º 37/2013, registrado em 16/07/2014[69] –, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ao rejeitar a emenda n.º 5 (protocolo SF/14483.10492-29), sob a ótica do usuário de drogas e critério objetivo quanto à quantidade de entorpecente transportado para consumo, examinou a questão do recrudescimento de presos por tráfico ilícito de entorpecentes[70] – inclusive com menção às mulheres –, mas tudo sem o foco da desigualdade de gênero ou da vulnerabilidade ou da hipossuficiência da mulher no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, mormente no transporte de drogas para estabelecimentos prisionais.
Percebe-se, pois, que o Projeto de Lei da Câmara n.º 37/2013 e suas emendas não preveem a inclusão de dispositivo que reconheça a vulnerabilidade da mulher, quando do tráfico ilícito de drogas no transporte para o interior de estabelecimentos prisionais.
É dizer, o legislador está e continua cego à perspectiva de gênero. O PLC 37/2013 da forma como apresentado pelo substitutivo no Relatório do Senador Antônio Carlos Valadares, desde que promova o debate e inclusão da perspectiva de gênero na Lei n.º 11.343/2006, merece ser aprovado. Em assim não sendo, corre-se o risco de ser ter uma lei completamente descontextualizada com o cenário histórico, socioeconômico e cultural da mulher em situação de vulnerabilidade, bem assim – e o que é pior – de se estar, sob a legitimidade do processo legislativo, dando ensejo à violência estrutural ou institucional contra os direitos humanos da mulher.
Conclusão
A desproporcionalidade das penas e a cegueira ou indiferença da perspectiva de gênero na Lei n.º 11.343/2006 devem ser abordadas e corrigidas pelos atores das três fases do processo de criminalização, a fim de evitar os enormes e desnecessários danos às mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade, quando da prática do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins no interior de estabelecimentos prisionais.
É essencial conhecer a natureza e alcance da participação das mulheres na comercialização de substâncias ilícitas a fim de começar a desenhar viáveis alternativas jurídicas, sociais e econômicas inclusivas.
Este tema é complexo e transcende o campo da subsunção penal do fato à norma.
Também há necessidade de explorar o papel das relações de desigualdade de gênero, que, em razão de fatores históricos, socioeconômicos e culturais, aumentam a participação das mulheres no mundo do tráfico ilícito de drogas.
A situação de violência física, psicológica, moral, patrimonial, social e econômica resultam em exclusão social e laboral, situações que as mulheres enfrentam no Brasil e contribuem para suas explorações.
A omissão do Estado aos precedentes fatores de risco no entorno das mulheres, quando da prática do tráfico ilícito de drogas no interior de estabelecimentos prisionais, evidencia clara violência estrutural ou institucional contra os direitos humanos.
O Supremo Tribunal Federal na ADC 19 e na ADI 4.424 fixou claros parâmetros – asseguradores e garantidores dos direitos à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da liberdade, justeza e solidariedade (CF, art. 3º, I) e da igualdade substancial (CF, art. 5º, I) – os quais devem ser observados pelos atores da segunda e terceira fases do processo de criminalização, a fim de, nas palavras da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha[71], “acertar na diferença de cuidado jurídico, a igualdade do direito à dignidade na vida”.
A coleta de dados, tanto quantitativos quanto qualitativos, dos sistemas penitenciários das mulheres pode ajudar o Estado Brasileiro a intensificar seus esforços para conhecer e compreender as causas preexistentes e existentes que contribuem para o aumento da delinquência das mulheres em relação ao tráfico ilícito de drogas, evitando, assim, o recrudescimento do encarceramento feminino, em especial, na escala hierarquizada do tráfico, das “mulas” ou “transportadoras”, que, em regra, se encontram em situação de vulnerabilidade.
Considerar como última opção – já que neste artigo entende-se não haver culpabilidade e, por consequência, isentar-se da pena na forma do art. 386, VI, do CPP – os encarceramentos de mulheres com todas as circunstâncias judiciais favoráveis (CP, art. 59) e em situação de vulnerabilidade, por delitos não violentos e motivados (a) pela pobreza, (b) porque a família está em condições de vulnerabilidade, (c) porque há menores de idade ou adultos, capazes ou incapazes, mas que necessitam de constantes cuidados a justificar a dependência física, psicológica ou econômica da mulher, (d) porque a própria mulher encontra-se em situação de vulnerabilidade em razão de opressão, coação ou coerção.
Deve-se, portanto, fortalecer a introdução da perspectiva de gênero nos distintos âmbitos das políticas públicas (ações afirmativas) com escopo de atacar as diversas formas de violência contra os direitos humanos das mulheres, violência esta que lhes afeta pelo só fato serem mulheres.
O Estado Brasileiro, por meio de seus Poderes e Instituições, deve, imediatamente, introduzir a perspectiva de gênero na Lei n.º 11.343/2006, porquanto, o que se afere – pelos próprios dados do DEPEN (supra transcritos neste artigo) – é que ao longo desses 12 anos o encarceramento de mulheres cresceu 256% (duzentos e cinquenta e seis por cento), tendo a novel Lei de Drogas apenas 8 (oito) anos.
O desafio não é desenvolver programas de ajuda em novas ou velhas prisões, mas, sim, se evitar uma possível prisão. Deve-se combater essa tendência de criminalização e encarceramentos de mulheres com histórico precedente de vulnerabilidade.
A visão que se deve ter desse problema é mais sociológico e do que criminológico.
Caso os atores da segunda e terceira fases do processo de criminalização compreendam em não ser o caso de aplicar o art. 386, VI, do CPP – como o fez o Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul (Apelação Crime Nº 70058120841, Terceira Câmara Criminal - Julgado em 03/04/2014) –, que tenham em mente, então, que não é o mesmo sancionar com prisão mulheres que reúnam precedentes condições de vulnerabilidade que a um homem, ainda que aquelas mereçam – na visão dos que não se alinham com os argumentos deste artigo – uma reprovação jurídica. Constata a precedente vulnerabilidade, a resposta estatal a essas mulheres não pode ser igual a dos homens, porque as condições destes não são equivalentes às das mulheres (fatores históricos, socioeconômicos e culturais) e, também, porque os delitos por estes praticados afetam o tecido social e familiar de forma diversa.
Finalmente, o Estado Brasileiro deve ficar muito atento para não construir um caminho para fora do real cenário histórico, socioeconômico e cultural que estão entorno das mulheres vulneráveis, evitando, por isso, de lançar mão de prisões e mais prisões.