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A súmula e admissibilidade dos recursos cíveis

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A SÚMULA E O PROBLEMA DA VINCULAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. 2.1Breves considerações. 2.2 Algumas vantagens e desvantagens da vinculação das súmulas. 2.3 O princípio do livre convencimento do juiz versus princípio da igualdade na aplicação da lei. 3 A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. 3.1 Breves considerações. 4 EFEITOS PROCESSUAIS DA JURISPRUDÊNCIA SUMULADA E DOMINANTE E SEU VALOR QUASE-NORMATIVO. 4.1 Breves considerações. 4.2 As súmulas e a jurisprudência dominante como freio ao manejo de recursos: o art. 577 do Código de Processo Civil. 4.3 As súmulas e a jurisprudência dominante como alicerce recursal: o art. 577, §1º-A, do Código de Processo Civil. 4.4 O art. 544, §§3º e 4º, do CPC. 4.5 Óbice à remessa ex officio. 4.6 O art. 38 da Lei nº 8.038 de 1990. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


RESUMO

            A súmula, embora dotada de natureza persuasiva, vem recebendo do legislador ordinário brasileiro, juntamente com a jurisprudência dominante, um valor quase-normativo que, por via transversa, induz ao efeito vinculante a partir da análise dos recursos, servindo como fundamento para denegação ou para autorizar o provimento do recurso, mediante decisão singular do relator, de sorte a agilizar a prestação jurisdicional e aliviar as pautas dos tribunais, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.


1.INTRODUÇÃO

            A Constituição da República de 1988, rica em garantias e direitos, fez renascer na população brasileira o entusiasmo pelo exercício dos direitos subjetivos, levando à maior procura do Judiciário para solução dos conflitos (1). Além disso, o fracasso de sucessivos planos econômicos, entre outros motivos, fomentou as causas, especialmente na Justiça Federal e nos Tribunais Superiores, versando, na maioria das vezes, matéria idêntica, contribuindo para sobrecarregar, mais ainda, o Poder Judiciário, agravando sua crise marcada pela morosidade e queda da qualidade da prestação jurisdicional.

            Diante desse quadro, buscam-se várias soluções para tentar, pelo menos, amenizar a crise, sobressaindo-se a súmula vinculante. Assim, a jurisprudência, quer dizer, "a sucessão de acórdãos de análogo teor acerca de um mesmo assunto" (2), cristalizada no enunciado da súmula, abandonará a singela natureza persuasiva para obrigar o julgador a decidir conforme o entendimento nela esposado. Com isso espera-se inibir a propositura de ações e a subida de recursos cuja pretensão, fatalmente, será denegada, desafogando, conseqüentemente, os tribunais.

            A tradição do sistema jurídico brasileiro (3), filiado ao civil law, que cultua a lei como fonte principal, dificulta a implantação dessa vinculação das decisões judiciais, mais apropriada ao sistema do common law para quem "a fonte formal de maior importância é a jurisprudência, cabendo à lei o lugar de fonte secundária, incumbida de trazer corretivos e adjunções aos princípios firmados pelos tribunais" (4).

            No entanto, por força das grandes transformações que vêm sofrendo, notadamente no que se refere à função judiciária, verifica-se uma tendência à aproximação ou convergência entre esses dois sistemas, como ressalta Mauro CAPPELLETTI (5), significando isso, na prática, notadamente no caso brasileiro, que se terá um modelo sui generis de estado, em que se deverá observância não só à lei, como também à súmula vinculante (6).

            O único caso expresso de vinculação das decisões judiciais previsto na legislação nacional encontra-se na Constituição da República de 1988, no art. 102, §2º, inserido pela Emenda nº 3, de 1993, e consiste da ação declaratória de constitucionalidade, cuja decisão definitiva de mérito, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, tem efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

            Enquanto o Congresso Nacional discute Projetos de Emenda Constitucional para implantação da súmula vinculante (7), leis ordinárias premidas pela galopante crise do Poder Judiciário se encarregam de dar relevo à jurisprudência dominante e às súmulas para processamento e julgamento do mérito dos recursos, de sorte a viabilizar, indiretamente, quase os mesmos efeitos da vinculação.

            Nesse contexto, mostra-se interessante estudar a função e a força da súmula e da jurisprudência dominante para a admissibilidade recursal no juízo cível, perquirindo suas hipóteses de incidência, natureza jurídica, finalidade e efeitos. Eis o objetivo deste trabalho.


2 A SÚMULA E O PROBLEMA DA VINCULAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

            2.1Breves considerações

            A idéia de súmula no Brasil é creditada ao Ministro Victor Nunes Leal, por volta de 1963 - como testemunha Evandro Lins e SILVA (8). Consistia de pequenos enunciados que definiam as decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal sobre determinadas matérias. Com sede regimental, destinava-se a divulgar o pensamento da Corte a juízes e advogados, servindo, também, para racionalizar e agilizar os próprios julgamentos do Tribunal. Quando de sua implantação, não versava temas processuais nem se cogitava de lhe dar outro efeito que não a mera sugestão para desfecho dos processos examinados.

            A súmula da jurisprudência do STF ganhou prestígio entre os advogados como valioso fundamento, bem assim junto a tribunais e juízes inferiores, sendo utilizada em larga escala, com verdadeiro status de fonte do direito, ao lado da lei, para escorar suas decisões.

            Súmula consiste, conforme art. 102 e §1º, do Regimento Interno do STF, de "jurisprudência assentada pelo Tribunal" e a inclusão, alteração ou cancelamento de enunciados precisam de ser deliberados, por maioria absoluta, em Plenário (art. 102, §2º, do RI).

            A edição de súmula é imitada por tribunais superiores, regionais, estaduais, chegando até aos juizados especiais cíveis e criminais.

            Até nesse ponto o que se vê no trato da súmula é a tentativa dos órgãos julgadores, premidos pela necessidade, de darem vazão ao crescente número de processos que lhes chegam, com maior rapidez e coerência nas decisões.

            Como se disse, no Brasil a súmula é indicativa, ou seja, meramente orientadora da decisão a ser proferida em casos iguais.

            Pretende-se-lhe imprimir o efeito vinculante (9) e compelir juízes e tribunais inferiores a decidirem, nos casos análogos, tal como enunciado na súmula, com a finalidade de, pelo menos, minorar a "crise do Poder Judiciário" (10) – abarrotado de processos que, na expressiva maioria, notadamente no que se refere aos tribunais superiores, versam questões iguais e de desfecho previsível, decorrentes de ilegalidades praticadas pelo Governo Federal, e que não existiriam se a União, simplesmente, agisse conforme as decisões já pronunciadas (11).

            2.2Algumas vantagens e desvantagens da vinculação das súmulas

            Quando se cogita de vinculação das decisões judiciais, não se pode deixar de sopesar as vantagens e desvantagens (12) da sua adoção em um sistema jurídico de tradição romano-germânica, tal o brasileiro.

            A doutrina nacional se acha dividida acerca do assunto.

            Postam-se ao lado da vinculação, alguns com reservas e sugestões (13), entre outros, Miguel Reale, Carlos Mário da Silva Velloso, Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Augusto Delgado, Walter Nunes da Silva Júnior, Carreira Alvim, Calmon de Passos, Edgard Silveira Bueno Filho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Fernando da Costa Tourinho Neto, Ivan Lira de Carvalho e Saulo Ramos. Contrariamente, encontram-se as ilustradas opiniões de Evandro Lins e Silva, José Celso de Mello Filho, Carmen Lúcia Antunes Rocha, Luiz Flávio Gomes, Valmir Pontes Filho, Dalmo de Abreu Dallari, Pestana de Aguiar, Dínio de Santis Garcia, Vicente de Paula Maciel Júnior e Mauro Roberto Gomes de Mattos (14).

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            Álvaro MELO FILHO (15) alinha, com propriedade, 33 aspectos contrapostos acerca da vinculação das súmulas.

            Por exemplo, o argumento segundo o qual a vinculação traria alívio para os tribunais superiores é rebatido com a advertência de engessamento do Judiciário e cerceamento da independência dos juízes inferiores.

            2.3O princípio do livre convencimento do juiz versus princípio da igualdade na aplicação da lei

            Para focalizar o problema da vinculação das decisões judiciais, basta que se dedique atenção a dois princípios que precisam de ser preservados e compatibilizados com prioridade em qualquer democracia, isto é, o princípio do livre convencimento do juiz, corolário da independência judicial, e o princípio da igualdade na aplicação da lei.

            É em nome do primeiro que se elevam as mais respeitadas opiniões contrárias ao instituto da vinculação (16). Evandro Lins e SILVA (17) - depois de rememorar o episódio do juiz gaúcho (18), no final do Século XIX, punido porque decidira contrariamente ao pensamento do tribunal local, absolvido, depois, pelo STF, defendido por Rui BARBOSA com a tese ironicamente denominada "novum crimen e o crime de hermenêutica" - destaca que um tribunal superior não é infalível e que não se deve tentar fazer os juízes de primeiro grau se curvarem às suas decisões, devendo ser preservada sua autonomia intelectual, enfim, sua liberdade para interpretar a lei.

            O princípio da igualdade na aplicação da lei, por sua vez, vem recebendo destaque na doutrina e é lembrado como fundamento em prol da vinculação das decisões judiciais. Consiste em aplicar a isonomia não somente no plano da norma legislada, mas também no tocante à norma judicada, o que, na prática, significa que a solução dada a um caso concreto por um órgão jurisdicional deve ser a mesma conferida por esse órgão ou por outro em caso análogo (19).

            Quem bem sintetiza o confronto entre os dois princípios referenciados, sem esconder sua preferência pelo segundo, é CALMON DE PASSOS (20), quando indaga: "Por que os juízes podem nos torturar em nome da justiça a que se dizem obrigados, subjetivamente, e estariam livres de ser torturados por um sistema jurídico capaz de oferecer alguma segurança objetiva aos jurisdicionados?

            Em outras palavras: não se pode interpretar a independência do julgador a ponto de distorcê-la e relegar a plano inferior bens da vida igualmente importantes, tais a rapidez da prestação jurisdicional, a coerência das decisões sobre casos concretos idênticos e a igualdade na aplicação da lei.

            Nesse particular, como assinala Augusto César Moreira LIMA (21), o art. 5º, "caput", da Constituição da República, ao consagrar o princípio da igualdade formal, permite ao sistema jurídico brasileiro, até mesmo, a utilização dos "precedentes de maneira mais eficaz" – embora típicos da doutrina stare decisis.


3.A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE

            3.1.Breves considerações

            A expressão jurisprudência dominante é um conceito vago e impreciso, não se confundindo, porém, com súmula, como observa Juvêncio Vasconcelos VIANA (22), o qual, citando Cândido Rangel DINAMARCO, esclarece que "jurisprudência dominante será não somente aquela já estabelecida em incidentes de uniformização da jurisprudência, mas também a que estiver presente em um número significativo de julgados, a critério do relator" (23).

            No Código de Processo Civil a jurisprudência dominante foi inserida pela Lei nº 9.756 de 1998, que alterou o art. 557, para, ao lado da súmula do tribunal julgador, do STF ou de Tribunal Superior, servir de fundamento ao relator para fins de negativa de seguimento a recurso com elas em confronto, ou, então, para autorizá-lo a, monocraticamente, dar provimento ao recurso quando a decisão recorrida estiver em desacordo com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal Superior.

            Juvêncio Vasconcelos VIANA, considerando que os tribunais se dividem em órgãos internos, afirma que há de se considerar jurisprudência dominante, para efeitos do mencionado art. 557, a produzida pela turma, seção ou órgão especial do órgão judicante, desde que competente, internamente, para julgar a matéria objeto do recurso (24).

            A mesma Lei nº 9.756/1998 deu relevância à jurisprudência dominante, também, no art. 120 do CPC, em que acresceu um parágrafo para permitir ao relator decidir, de plano, o conflito de competência, e no art. 544, do mesmo Código, §§3º e 4º, para deslinde de agravo de instrumento visando a destrancar recurso especial e recurso extraordinário.

            As referidas inovações refletem a tendência à potencialização dos poderes do Relator, como observa Rodolfo de Camargo MANCUSO (25), vislumbrada desde o art. 21, XVII, §§1º e 2º, do Regimento Interno do STF, tendo como ponto central o "binômio súmula-jurisprudência dominante", e que levará ao sistema de súmula vinculante (26).


4EFEITOS PROCESSUAIS DA JURISPRUDÊNCIA SUMULADA E DOMINANTE E SEU VALOR QUASE-NORMATIVO

            4.1.Breves considerações

            Embora tenham, até o momento, força somente persuasiva perante a convicção do julgador, sem obrigá-lo a seguir a tese pacificada, as súmulas, assim como a jurisprudência dominante - que se pode chamar de quase sumulada - além de influenciarem fortemente nessa convicção, vêm se tornando, notadamente nas recentes mini-reformas do Código de Processo Civil, um instrumento para definição da sorte dos recursos, seja como indicativo de pressuposto de admissibilidade, seja como solução meritória para o apelo mediante decisão monocrática do relator.

            Ressalta Rodolfo de Camargo MANCUSO que os regimentos internos dos tribunais e a legislação ordinária é que reconhecem os "múltiplos e relevantes efeitos processuais" das súmulas, influenciando poderosamente os operadores do Direito, a ponto de se enxergar nisso um "valor quase-normativo", considerados o prestígio e a posição dos Tribunais Superiores e do STF no topo do Judiciário brasileiro, sem outros órgãos que possam reformar suas decisões, não se admitindo, outrossim, que juízes inferiores ignorem sua jurisprudência pacificada (27).

            Há de se registrar, no entanto, que a implementação desses efeitos das súmulas e da jurisprudência dominante nos recursos não constitui tarefa tão simples como aparenta a dicção legal e regimental. Os Tribunais Superiores ainda precisam de cuidar da uniformização dos julgados ditados por seus órgãos (turmas e seções), clamando, inclusive, pela observância doméstica, como ilustra o seguinte aresto da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:

            "PROCESSUAL – STJ - JURISPRUDÊNCIA - NECESSIDADE DE QUE SEJA OBSERVADA.

            O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la. (Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 228.432/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 18/3/2002, p. 163)" (28).

            4.2 As súmulas e a jurisprudência dominante como freio ao manejo de recursos: art. 577 do Código de Processo Civil

            O CPC, quando trata da ordem dos processos nos tribunais, no art. 557, caput, com a redação dada pela Lei nº 9.756, de 17/12/1998, assim dispõe:

            "O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".

            Trata-se de dispositivo que se propõe a, de plano, mediante simples decisão do relator, cortar o caminho de recurso (entre outras hipóteses alinhadas e no que interessa ao objeto deste estudo) cujo fundamento não se harmonize com a súmula ou com a jurisprudência dominante do próprio tribunal ad quem (Tribunal Regional Federal e Tribunal de Justiça do Estado, por exemplo), do STF ou de Tribunal Superior.

            A súmula e a jurisprudência dominante têm força, no caso, para frear o recurso e impedir sua trajetória rumo ao colegiado. A medida serve, por um lado, para aliviar a pauta de julgamentos e, por outro, desestimular a interposição do recurso. Dá, ainda, à decisão recorrida proferida consoante a tese contida na súmula ou na jurisprudência dominante, uma quase certeza de que não será reformada, funcionando, assim, como instrumento de segurança jurídica.

            O dispositivo sob comento inspirou-se no sucesso do art. 38 da Lei nº 8.038, de 1990, como observa Accácio CAMBI, e serve para todos os recursos alinhados no art. 496 do CPC, abrangendo os agravos de instrumento e inominado (29). Nota-se, porém, que a disposição legal vem objeto de análise pela doutrina muito mais sob o enfoque dos novos poderes conferidos ao relator do recurso (30), do que como uma verdadeira vinculação subliminar das decisões judiciais no sistema brasileiro.

            Sobre a constitucionalidade da medida conferida ao relator, o STF pronunciou-se reconhecendo-a, desde que a decisão monocrática seja passível de recurso para o colegiado (31), prestigiando-se, assim, o devido processo legal. E esse recurso se acha contemplado no art. 557, §1º, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.756/1998.

            Há de se destacar, no entanto, que cabe ao relator identificar a súmula ou a jurisprudência dominante que sirva para fundamentar sua decisão. A expressão confronto tem a ver com oposição, conflito (32), enfim, é preciso que se configure um desencontro entre as razões do recurso e a súmula ou jurisprudência dominante sobre a matéria debatida, para determinar seja cortado seu caminho, de plano.

            Resta perquirir se o relator está compelido a negar seguimento ao recurso, como indica a literalidade (o relator negará...) do art. 557 do CPC.

            Juvêncio Vasconcelos VIANA entende que não, visto que não foi implantada no Brasil, ainda, a súmula vinculante, que depende de emenda constitucional, a seu ver. Assim, não existe a obrigação irrecusável pelo relator, mesmo porque não consta sanção para a desobediência, e ele pode preferir, mesmo diante do confronto entre o recurso e a súmula ou jurisprudência dominante, após as providências de praxe, levar o recurso ao colegiado para decisão (33). Desse pensamento, isto é, de que se trata de uma faculdade do relator, não compartilha Mantovani Colares CAVALCANTE, citado por Juvêncio Vasconcelos VIANA (34), para quem não fica a critério do relator submeter a questão, ou não, ao colegiado, estando autorizado o provimento singular.

            Não se pode exagerar e assegurar que se trata de dever imposto, irrecusavelmente, ao relator, a negativa de seguimento a recurso nas hipóteses enfocadas. Há de se ponderar que o objetivo do legislador foi exatamente impedir a chegada do recurso em tais condições ao colegiado, para economizar tempo e trabalho e frustrar os intentos protelatórios, partindo da premissa que lá o apelo não teria sucesso, ficando incumbido, assim, o relator, de, monocraticamente, decidir pelo colegiado. É óbvio que, se o relator vislumbrar no caso alguma nuança que ponha em dúvida a situação de confronto com a súmula ou jurisprudência dominante, ou mesmo que tal súmula ou jurisprudência mereça alguma revisão, mais aconselhável é que submeta o recurso a seus pares. Não é difícil imaginar, outrossim, o quanto seria difícil a convivência de um julgador, no respectivo tribunal, que, por simples teimosia, se furtasse da decisão singular autorizada pelo mencionado dispositivo.

            Desse art. 557 infere-se que não apenas o relator, como também o próprio órgão ad quem, está direcionado para decidir conforme a súmula ou a jurisprudência dominante.

            Arremata-se para afirmar que esse provimento singular do relator, se ingressar no mérito do recurso e preencher os requisitos alinhados no art. 485 do CPC, é passível de ação rescisória, visto que equivale, na prática, a um acórdão, conforme Donaldo ARMELIN, citado por Juvêncio Vasconcelos VIANA (35).

            4.3 As súmulas e a jurisprudência dominante como alicerce recursal: o art. 577, §1º-A, do Código de Processo Civil

            No novo §1º-A do art. 577, do CPC, a hipótese é distinta do contido no caput desse mesmo artigo examinado no item anterior.

            Cuida-se, aqui, de situação em que o relator poderá conhecer e prover, de plano, o recurso, isto é, reformar a decisão e deferir a própria pretensão recursal, quando "a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".

            O ponto referencial para o fundamento do provimento autorizado singularmente é o confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal Superior. O descompasso entre a decisão recorrida e a súmula ou jurisprudência dominante do próprio tribunal que examinará o recurso, exceto se for Tribunal Superior, não permite o provimento monocrático ora examinado. "Excluem-se, nessa hipótese, os precedentes do tribunal local (36).

            No caso, a súmula e a jurisprudência dominante do STF e dos Tribunais Superiores funcionam como fundamento para a interposição do recurso, com larga possibilidade de sucesso, a menos que o relator não faça uso da permissão legal e leve o apelo ao colegiado e este, por sua vez, afaste a aplicação da súmula ou da jurisprudência dominante invocada – o que é possível, considerados o caso concreto e a falta de força vinculativa.

            Esse provimento singular também é passível de agravo para o órgão competente para julgamento do recurso provido de plano, nos termos do art. 557, §1º, do CPC, o que, segundo o STF, isenta o procedimento da pecha de inconstitucionalidade (37).

            4.4O art. 544, §§3º e 4º, do CPC

            Esses dispositivos também são oriundos da Lei nº 9.756/1998 e tratam, especificamente, do agravo de instrumento destinado a destrancar recurso especial e recurso extraordinário.

            No art. 544, §3º, a súmula e a jurisprudência dominante do STJ (só dele) servem para permitir ao relator o conhecimento do agravo de instrumento para dar provimento ao próprio recurso especial, ou, ainda, para converter o agravo em recurso especial, quando o acórdão recorrido estiver em confronto com elas.

            Aqui, também, a súmula e a jurisprudência dominante (do STJ) funcionam como eficiente fundamento para o recurso especial e ao agravo de instrumento.

            Verificam-se poderes do relator mais amplos que os conferidos pelo art. 557 do CPC, pois o conhecimento do agravo poderá se dar para prover o próprio recurso especial (38), encurtando sua tramitação.

            No §4º desse art. 544, do CPC, a súmula e a jurisprudência dominante – que devem ser entendidas como as produzidas pelo STF – destinam-se a autorizar o conhecimento do agravo de instrumento para dar provimento ao recurso extraordinário, "salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em primeiro lugar".

            Nesse parágrafo também a súmula e a jurisprudência dominante (do STF) servem para fundamentar, fortemente, os recursos (agravo e recurso extraordinário).

            Desses dois parágrafos é possível concluir que, embora não vinculem as instâncias inferiores, a súmula e a jurisprudência dominante produzidas pelo STJ e pelo STF dão a quase certeza de provimento aos recursos especial e extraordinário manejados contra julgados que com elas não se harmonizem.

            4.5Óbice à remessa ex officio

            A Súmula 253 do STJ (39) deu o primeiro passo para valorar a súmula e a jurisprudência dominante também quanto ao destino do reexame necessário previsto no art. 475 do CPC.

            E a Lei nº 10.352, de 26/12/2001, acresceu a esse art. 475 o §3º, para excluir da sujeição ao duplo grau de jurisdição a sentença contrária à União, Estado, Distrito Federal, Município e respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim a sentença que der procedência, ainda que parcial, aos embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, qualquer que seja o valor em discussão, que estiverem fundamentadas na "jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente".

            Estando a sentença assim fundamentada, não precisam os autos de ser remetidos ao tribunal para reexame necessário, e o decisum produzirá efeito desde logo, independente de confirmação pela instância superior. Esse §3º do art. 475, do CPC, veio para dar coerência legal ao sistema, pois, afinal, não teria sentido barrar o recurso voluntário do ente público com base nos termos do art. 557 do CPC e levar a efeito o reexame necessário apenas para lhe negar provimento.

            Observa-se, porém, que o legislador, ao reformar o mencionado art. 475, não usou a expressão súmula ou jurisprudência dominante do próprio tribunal, do STF ou de Tribunal Superior, como se vê no mesmo art. 557, mas, sim, jurisprudência do plenário do STF, súmula do STF, ou súmula do tribunal superior competente (competente para conhecer da remessa oficial, se fosse o caso de ser procedida). Pode até se vislumbrar, nesse ponto, uma sinalização do que venha a se consolidar como conceito de jurisprudência dominante, isto é, a jurisprudência do plenário do tribunal. Mas somente os tribunais superiores, ao longo dos julgados e dos debates, é que poderão modelar e compatibilizar as terminologias distintas empregadas pelo legislador.

            A Lei nº 10.352/2001 deu um tratamento específico ao duplo grau de jurisdição obrigatório, ao inserir o §3º no art. 475, do CPC. Surge a dúvida, então, se continua pertinente o enunciado da Súmula 253, do STJ, que simplesmente determinou a aplicação do art. 557 do CPC. Com efeito, aquele Tribunal Superior partiu da premissa que "... o art. 557 do CPC alcança os recursos arrolados no art. 496 do CPC, bem como a remessa necessária prevista no art. 475 do CPC. Por isso, se a sentença estiver em consonância com a jurisprudência do tribunal de segundo grau ou dos tribunais superiores, pode o próprio relator efetuar o reexame obrigatório por meio de decisão monocrática" (STJ, 1ª T., REsp nº 226698-PR, reg. 1999.0071854.2, rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU de 22/5/2000, p. 78). Mas a dicção desses dois dispositivos do CPC não coincidem: se a sentença estiver fundada apenas na jurisprudência dominante ou em súmula do tribunal ad quem que não seja um Tribunal Superior, pelo art. 475, §3º, haverá reexame necessário; do mesmo modo se estiver escorada em jurisprudência dominante não produzida pelo plenário do STF, ou, então, na jurisprudência dominante de um Tribunal Superior, mesmo que do seu plenário. Esse dispositivo é mais restritivo, é específico, como dito, e mais recente no ordenamento jurídico, devendo afastar, por conseguinte, a aplicação da Súmula STJ/253, e obstar a remessa oficial somente quando a sentença estiver alicerçada na jurisprudência do plenário do STF, em súmula do STF ou em súmula do tribunal superior competente.

            Enxerga-se nisso a opção do legislador em manter a sistemática do duplo grau obrigatório, ressalvadas as condenações ou direito controvertido no valor de até sessenta salários mínimos (art. 475, §2º, do CPC), mesmo nas demais hipóteses previstas no art. 557 do CPC, isto é, sentença fundada na jurisprudência dominante do STF estranha a seu plenário (das Turmas), na jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, ainda que produzidas pelos respectivos plenários ou na jurisprudência dominante e súmula do próprio tribunal ad quem (não Superior). Com a restrição quis-se dar mais proteção à Fazenda Pública.

            Essa é uma interpretação livre que se extrai dos dispositivos sob comento, mesmo porque a novidade legislativa ainda não recebeu reflexões mais profundas da doutrina nem consolidação jurisprudencial em que se possa buscar companhia.

            É certo, no entanto, que o art. 475, §3º, do CPC, derroga a tradição brasileira do duplo grau de jurisdição como requisito de eficácia das sentenças contrárias à Fazenda Pública, e eleva a jurisprudência do plenário do STF, suas súmulas e as súmulas dos Tribunais Superiores ao status de fator inibitório do reexame necessário.

            4.6O art. 38 da Lei nº 8.038 de 1990

            Esse dispositivo, no que interessa ao presente estudo, autoriza o relator do recurso no STF e no STJ a negar seguimento a recurso contrário, "nas questões predominantemente de direito", às suas súmulas. Nem sequer se examina o mérito recursal. O papel da súmula, no art. 38 da Lei nº 8.038/1990, é o de fundamentar a negativa de admissão do recurso.

            Sílvio Nazareno COSTA (40) analisa a disposição, profundamente, sob os aspectos da vinculação implícita de natureza processual e da autoridade do precedente jurisprudencial.

            Observa-se, no entanto, que o art. 557 do CPC, com a redação conferida pela Lei nº 9.756/1998, abrange todos os recursos, inclusive o recurso extraordinário e o recurso especial, permitindo o seu trancamento, de plano, pelo relator, não apenas quando os fundamentos do recurso contrariarem suas súmulas, mas também quando se atritarem com sua jurisprudência dominante. O novo art. 557 do CPC, ao lado do igualmente novo art. 544, §3º, do CPC, é que orienta o STF e o STJ nesse aspecto, achando-se superado o art. 38 da Lei nº 8.038/1990 (41).

Sobre a autora
Evanna Soares

Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho na 7ª Região (CE). Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires). Mestra em Direito Constitucional (Unifor, Fortaleza). Pós-graduada (Especialização) em Direito Processual (UFPI, Teresina).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Evanna. A súmula e admissibilidade dos recursos cíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3222. Acesso em: 23 dez. 2024.

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