A 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, apreciando o mérito dos Embargos Infringentes nº 0002537-72.2008.8.26.0459/50000, julgado em 28 de maio de 2014, firmou entendimento que a alienação de veículo automotor, sem comunicação, pelo vendedor, ao Departamento Estadual de Trânsito, não seria fato que implicasse na responsabilidade tributária solidária do vendedor, nos casos em que a compra e venda estivesse comprovada documentalmente e com prova de entrega do veículo.
Entendeu a Corte Paulista que a inexigibilidade do tributo em relação ao alienante teria fundamento no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro à luz do art. 4º, III da Lei Estadual 6.606/89.
No corpo do acordão, foi referido julgamento proferido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, a saber:
101000353612 - TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - IPVA - SUJEIÇÃO PASSIVA - AGRAVO NÃO PROVIDO - 1- É pacífico no âmbito de ambas as Turmas que integram a Primeira Seção deste Superior Tribunal que o art. 134 do CTB "não se aplica a débitos tributários relativos ao não pagamento de IPVA, por não serem relacionados a penalidade aplicada em decorrência de infração de trânsito" (REsp 1.116.937/PR, Primeira Turma, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 8/10/09). 2- Os consectários do não cumprimento da obrigação prevista no art. 134 do CTB não são capazes de gerar, no campo tributário, a responsabilidade solidária do alienante faltoso. Do contrário, estar-se-ia encampando censurável interpretação dos arts. 123 e 124 do CTN que resultasse no alargamento das hipóteses de solidariedade fiscal, que, por sua vez, deve decorrer expressamente de lei. 3- Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg-AG-REsp. 382.552 - (2013/0263368-1) - 1ª T. - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima - DJe 21.11.2013 - p. 1270)
Por fim, foi anotado que o expressivo doutrinador por Arnaldo Rizzardo já havia manifestado sua opinião jurídica, nos seguintes termos:
“Obrigatoriedade de comunicação ao órgão de trânsito impõe-se para fins não apenas de atualização de cadastros, mas especialmente para firmar a responsabilidade pelas cominações por infrações. Segundo o texto da lei, unicamente as penalidades (multas) serão exigidas do antigo proprietário. Nada consta no tocante ao imposto.” (Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, São Paulo, Editora RT, 2007, pág.322).
Em resumo, adotou-se o entendimento que documentadas a venda e a tradição do veículo, tem-se o suficiente para eximir a responsabilidade do vendedor por encargos recaentes sobre ele, mesmo sem comunicação aos órgãos oficiais de trânsito referente a essa alteração de titularidade.
Dar-se, ou não, cumprimento ao artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro seria irrelevante para fins tributários, com nota de que o fato gerador ocorre em 1º de janeiro de cada ano (art.1º, §1º Lei nº 6.606/89), a resultar em que o sujeito passivo da obrigação é o proprietário do veículo no momento do lançamento.
No entanto, detida analise de tal situação implica sonegar a avaliação de que o descumprimento do artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro geraria um verdadeiro descumprimento de obrigação acessória, que implicaria na manutenção do alienante como responsável tributário pelo Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Os impostos e taxas devem ser lançados com base nas informações prestadas pelo contribuinte, uma vez que ''o lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato indispensáveis à sua efetivação" ("caput" do art. 147 do Código Tributário Nacional).
Em havendo considerável mudança na propriedade mobiliária, deve o seu proprietário ou detentor prestar informações ao Fisco para efeito de cadastramento, para fins de mudança da imputação de responsabilidade tributária, sendo tal ato (comunicação ao DETRAN) típica obrigação acessória.
Aplica-se ainda, mutatis mutandis, o entendimento exarado no seguinte julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:
116016227 - TRIBUTÁRIO - IPTU - OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA - 1. Em havendo considerável mudança no imóvel, deve o seu proprietário ou detentor prestar informações ao Fisco para efeito de cadastramento. 2. Obrigação do contribuinte que se identifica como obrigação acessória ( arts. 113, § 2º , e 147 do CTN ). 3. Recurso Especial provido. (STJ - RESP 302672 - SP - 2ª T. - Relª Min. Eliana Calmon - DJU 02.09.2002 )
Embora a propriedade de coisa móvel seja transferida pela tradição, o registro perante o órgão de trânsito é exigência legal com reflexos jurídicos quanto à responsabilidade pelos tributos correspondentes.
A Lei nº 6.606/89, do Estado de São Paulo, em seu artigo 4º, III, aponta a responsabilidade solidária do proprietário que não comunicou a transferência do veículo; em seu artigo 16, caput, e §§ 1º E 2º, está apontada a obrigação de comunicação para atualização do cadastro no órgão competente.
Parece mais coerente entender que a responsabilidade pelo pagamento do IPVA do proprietário de veículo que o aliena perdura apenas até o momento de efetiva notificação ao órgão administrativo competente.
Neste sentido é também o interessante julgado, também proferido pela 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, apreciando o mérito dos Embargos Infringentes nº 0012754-29.2011.8.26.0053, julgado em 12 de dezembro de 2013, conforme se verifica da seguinte ementa:
Ementa: Embargos Infringentes. Anulatória de débitos referentes a tributos e multas por infração de trânsito. Veículo alienado. Formalização da transferência da máquina ocorrida mui além do trintídio Responsabilidade solidária do autor até a data da efetiva comunicação ao órgão administrativo competente para efetuar o bloqueio (art. 4º, III, Lei nº 6.606/89 e art. 134 do CTB). Embargos Infringentes acolhidos.
Entendeu o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.116.937/PR, Primeira Turma, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 8/10/09, que a responsabilidade solidária prevista no art. 134 do CTB refere-se às penalidades (infrações de trânsito), não sendo possível interpretá-lo ampliativamente para criar responsabilidade tributária ao antigo proprietário, não prevista no CTN, em relação a imposto ou taxa incidente sobre veículo automotor, no que se refere ao período posterior à alienação.
Ousamos apontar algumas omissões no acordão proferido no REsp 1.116.937/PR que se apreciadas devidamente, poderiam levar à outra conclusão. Expliquemos:
Não foi considerado que o art. 134 do CTB, por implicar em típica obrigação acessória, embora não prevista em legislação tributária, poderia carrear solidariedade tributária entre o alienante e o adquirente.
Ademais, deixando a União de editar as normas gerais disciplinadoras do IPVA, os Estados exercem a competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º) e ficam autorizados a editarem as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional previsto na CF (ADCT, art. 34, § 3º).
No caso do Estado de São Paulo, a Lei nº 6.606, de 20 de dezembro de 1989, que dispõe a respeito do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, assim prevê:
Artigo 4º - São responsáveis, solidariamente, pelo pagamento do imposto:
III - o proprietário de veículo de qualquer espécie, que o alienar e não comunicar a ocorrência ao órgão público encarregado do registro e licenciamento, inscrição ou matrícula.
Artigo 16 - O Cadastro de Contribuintes do IPVA será o mesmo do Departamento Estadual de Trânsito - DETRAN, mediante unificação e adaptação dos controles existentes às necessidades da Secretaria dos Negócios da Fazenda do Estado.
§ 1º - Quaisquer alterações ocorridas em relação ao proprietário ou ao veículo serão obrigatoriamente comunicadas à Secretaria da Fazenda, no prazo de 30 (trinta) dias da data de sua ocorrência.
§ 2º - Em caso de alienação do veículo, a obrigação da comunicação de que trata o parágrafo anterior é comum ao alienante e ao alienatário.
O inc. II do art. 6º da Lei Estadual nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008 Estabelece o tratamento tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. Tal dispositivo legal imputa como responsável solidário pelo pagamento do imposto e acréscimos legais o proprietário de veículo automotor que o alienou, mas não forneceu, no prazo de 30 (trinta) dias, os dados necessários à alteração no Cadastro de Contribuintes do IPVA. Repisa-se que a responsabilidade está adstrita aos fatos geradores ocorridos entre o momento da alienação e o do conhecimento desta pela autoridade responsável.
Mostra-se constitucional a disciplina do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores mediante norma local, inclusive no que toca à fixação da responsabilidade tributária solidária.
Deixando a União de editar normas gerais, exerce o Estado de São Paulo a competência legislativa plena (§ 3º do artigo 24, da CF), sendo que, com a entrada em vigor do sistema tributário nacional, abriu-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a via da edição de leis necessárias à respectiva aplicação.
CONCLUSÃO:
Em que pese a atual divergência instalada em algumas câmaras de direito público do TJSP, inclusive sustendo precedentes do STJ, assiste razão à tese que, com base na legislação paulista, editada em caráter pleno, aduz ser constitucional a imposição de responsabilidade solidária ao proprietário de veículo de qualquer espécie, que o alienar e não comunicar a ocorrência ao órgão público encarregado do registro, licenciamento, inscrição ou matrícula.
Ainda mais, necessário caracterizar que o 134 do CTB, como legítima obrigação acessória, é capaz de gerar, no campo tributário, a responsabilidade solidária do alienante faltoso.
Para espancar dúvidas, o Supremo Tribunal Federal deverá pronunciar-se sobre a constitucionalidade da previsão de imputação de responsabilidade tributária solidária, prevista em lei estadual que verse sobre o IPVA, visto que é inviável, em sede de recurso especial a apreciação de questão que exija a análise de legislação local, por incidência da Súmula 280 da Corte Suprema.