6 O Direito De Regresso Nas Operações De Factoring
O entendimento não é pacífico. Há os que admitem o direito de regresso, há os que não admitem. Os que concordam em voltar-se contra o endossante, baseia-se na legislação por analogia, mas também pelo fato de ordem moral, eis que, não fosse reservado tal direito, haveria estímulo à inadimplência, e ao mesmo tempo perderia o instituto do factoring a seriedade, desestimulando os empresário das empresas de fomento a realizar as operacões.
O direito de regresso ou direito regressivo, aplica-se à questões de títulos de crédito ou àquelas em que se fixa o direito de reembolso de quantias despendidas ou pagas. Pro soluto – compra definitiva. Pro solvendo – venda não definitiva. Essas cláusulas são pontos importantíssimos nos contratos de fomento mercantil visto que, caso sejam opostas exceções quanto à legalidade, legitimidade e veracidade dos títulos negociados, estaria automaticamente extinta a cláusula pro soluto , transformando a alienação do crédito em pro solvendo.
Existe uma larga divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à possibilidade do exercício do direito de regresso nas operações de factoring, mas as atividades prestadas por uma empresa de fomento mercantil, encontram-se todas regulamentadas, individualmente, no ordenamento jurídico brasileiro. Seja o factoring considerado cessão de créditos ou transferência de créditos por meio de endosso, verifica-se que, em ambas as situações, existe a possibilidade de se utilizar do direito de regresso, não existindo razões plausíveis para a negativa deste direito. Não existe previsão legal, artigo de Lei ou Lei, que proíba textualmente o direito das empresas de factoring, de reaver do seu contratante os valores antecipados, muito pelo contrário, existe um suporte legal para que o endossante fique responsabilizado pela solubilidade dos seus títulos cedidos.
Ficando constatado que ouve vício na origem dos créditos cedidos pela faturizada, a jurisprudência não discorda quanto à possibilidade da empresa de fomento mercantil exercer o direito de regresso.
Nesse sentido, o seguinte julgado[76]:
[...] CAMBIAL – Nota promissória – Emissão em garantia – Contrato de factoring – Títulos entregues à empresa faturizadora, não correspondendo a um negócio real e legítimo – Configuração deste fato ao se verificar que as duplicatas endossadas e entregues para cobrança não estavam acompanhadas dos respectivos comprovantes de entrega de mercadorias – Ilegitimidade do crédito reconhecida, por ausência dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade – Direito de regresso da empresa faturizadora contra a faturizada admitido – Declaratória de inexigibilidade e medida cautelar de sustação de protesto improcedentes – Recurso improvido.
ACÓRDÃO – Factoring – Responsabilidade do faturizado pela legitimidade dos créditos cedidos – Legitimidade do preenchimento não abusivo de nota promissória vinculada a contrato de faturização para cobrança regressiva de créditos representados por duplicatas irregularmente sacadas – Improcedência da declaratória e da sustação de protesto – Recurso não provido [...]
Por outro lado, concedido o crédito ao faturizador e este não apresentar qualquer impossibilidade para que a negociação seja feita, a jurisprudência em sua maioria, entende que o direito de regresso não pode exercido.
Surge o seguinte julgado a respeito[77]:
[...] COMERCIAL – FACTORING – ATIVIDADE NÃO ABRANGIDA PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – APLICABILIDADE DOS JUROS PERMITIDOS ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
I – O factoring distancia-se de instituição financeira justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso. Daí que nesse tipo de contrato não se aplicam os juros permitidos às instituições financeiras. É que as empresas que operam com o factoring não se incluem no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
II – O empréstimo e o desconto de títulos, a teor do art. 17, da Lei 4.595/1964, são operações típicas, privativas das instituições financeiras, dependendo sua prática de autorização governamental.
III – Recurso não conhecido [...]
6.1 A Responsabilidade do Faturizado
A cessão de créditos terá entre seus efeitos jurídicos o direito de ação do factor contra o faturizado em decorrência do vício que invalide o crédito cedido.
De acordo com o disposto no art. 295 e 296 do C.C., a responsabilidade do faturizado será obrigatória ou opcional conforme se transcreve: “Art. 295: Na cessão por titulo oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência de crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má fé”.
“Art. 296: Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”.
Com relação ao art. 295 do C.C, se faz oportuna à lição de Delgado Régis[78]:
Nas cessões onerosas, o cedente sempre será responsável pela existência do crédito, mesmo na ausência de convenção a esse respeito (garantia de direito). Importante ressaltar que não se trata apenas de existência material do crédito, mas a existência em condições de permitir ao adquirente desse crédito o exercício dos direitos de credor, vale dizer, a viabilidade do exercício da cessão. O crédito cedido, mesmo existente, pode, por exemplo, ser de difícil ou impossível cobrança, o que não se confunde com a solvência do devedor (garantia de fato), em que o cedente só responderá quando previsto no contrato.
E quanto ao art. 296 do C.C., posiciona-se o mesmo autor [79]:
Não está o cedente, em regra,obrigado pela liquidação do crédito, salvo se tiver agido de má fé, como se dá nos casos em que, já sabendo da insolvência do devedor, afirma o contrario, induzindo o cessionário a celebrar um negócio que lhe será prejudicial. Nada impede, porém que as partes venham a consignar expressamente essa responsabilidade. É o que a doutrina chama de garantia simplesmente de fato, vale dizer, a responsabilidade pela solvibilidade do devedor.
Dessa maneira, nota-se que o direito de regresso não restringe somente ao possível vício de crédito, dividindo-se em duas classes, conforme lição de Donini [80]:
Um dos efeitos que a cessão de créditos produz envolve a responsabilidade das partes contratantes. E, com relação à responsabilidade do cedente, deve-se enumera-la de duas formas: I) responsabilidade (obrigatória) do cedente pelo crédito cedido e, II) responsabilidade (opcional) pela solvência do devedor. Na prática de factoring é costume chamar de: I) direito de regresso em caso de vício do título, quando tratar-se de responsabilidade do cedente pelo crédito cedido, e, II) direito de regresso independente de vício ou pagamento do sacado-devedor, quando a responsabilidade do cedente envolver a garantia pela solvência do devedor.
O contrato de fomento mercantil responsabiliza a empresa cliente (sacador endossante) pela existência de crédito, ou seja, pela legitimidade, legalidade e veracidade, na cessão de crédito. A hipótese de ocorrência da responsabilidade obrigatória do faturizado pelo crédito cedido ocorre de três maneiras, quais sejam: a) quando transfere crédito inexistente; b) contra o crédito cedido exista exceção, que o inutiliza, como o de dolo ou compensação; c) o crédito tem existência positiva mas não em favor do cedente, que assim aliena bem alheio.
O crédito inexistente ocorre quando o faturizador responsabiliza-se pelo crédito cedido, quando este for inexistente, dando oportunidade nesse caso, a nulidade da cessão de crédito.
Sobre isso, dispõe Gomes [81], que “a inidoneidade do objeto determina a nulidade da cessão se a proibição resulta da lei ou da natureza do crédito”.
Donini [82], explica que o crédito será inexistente:
Quando o cedente faturizado entrega ao cessionário faturizador duplicatas com base em venda futura ou saca duplicatas sem lastro. Ambas as situações ocasionam a nulidade da cessão, por inexistir no momento da cessão, o crédito, correspondendo, por parte do sacador faturizador, prática de ato ilícito, tipificado criminalmente.
Frustrada a expectativa do cessionário de títulos, por força de contrato de factoring, de receber o respectivo valor, por ato imputável ao cedente, fica esse responsável pelo pagamento.
6.2 Responsabilidade do Devedor
A responsabilidade do devedor é um assunto bastante complexo, visto que nas operações de factoring, a empresa de fomento adquire o direito de crédito assumindo o risco pela solvência do devedor. Não sendo pago pelo devedor o título negociado com a empresa de fomento, pode esta executar o faturizado, comprovando devidamente que utilizou todas as formas para receber o crédito. Este direito da empresa se produz na forma subsidiária, ou seja, a empresa faturizada não é considerada devedora, mas garantidora.
Sobre esse aspecto, Leite [83] assim se pronuncia:
A operação de fomento mercantil não é operação de crédito, uma vez que a empresa cliente vende à vista e as sociedades de fomento compram à vista, em dinheiro, os direitos resultantes das vendas mercantis efetuadas por sua cliente. Ainda que a compra dos créditos seja efetuada na condição pró solvendo, a empresa cliente vendedora não é vendedora, não sendo obrigada a restituir o valor recebido pela falta de pagamento, mas apenas porque, por força do endosso, assumiu a garantia de solvência do sacado que é o verdadeiro devedor da operação. Por fim, no desconto, a responsabilidade do cedente é solidária, enquanto no factoring pro solvendo a responsabilidade é subsidiária, como largamente praticado em todos os outros países.
Donini [84], sobre endosso nos ensina:
Portanto a regra é a responsabilidade do endossante no pagamento do título. Na transposição desse efeito para a operação de factoring, em relação ao título negociado, pode-se concluir: se no contrato contiver a convenção de responsabilidade do faturizado, ocorrendo a inadimplência deste, poderá utilizar-se do título de crédito negociado e, com base no endosso, executar o endossante faturizado, tendo o contrato como origem e causa da cobrança.
REFERÊNCIAS
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