Os fatos puníveis têm sido classificados sob diversos aspectos. De um modo, há os que dividem os fatos puníveis em três grupos: crimes, delitos e contravenções. Por outro lado, há os que dividem apenas duas categorias: crimes ou delitos e contravenções.
A divisão bipartida, que não distingue entre crimes e contravenções e os reúne em um só grupo, diversos apenas das contravenções, aparece no Código Penal toscano(1853), que separava, entre os fatos puníveis, delitos e transgressões de polícia.
Temos, no Brasil, a divisão entre crimes e contravenções.
Considera-se que crime e contravenção são duas espécies distintas do gênero infração penal.
Aníbal Bruno (Direito penal, tomo II, 3ª edição, pág. 215) enumera, na série de teorias diferenciais propostas para distingui-los, três atitudes diversas:
- A que procura o elemento de distinção no objeto ou na forma da ofensa;
- A que busca a nota diferencial no elemento subjetivo do ilícito;
- A que nega toda diferença ontológica entre esses dois grupos de fatos puníveis e reduz-se a distingui-los apenas sob o aspecto formal.
Na primeira posição estava Carrara, que dentro da orientação jusnaturalista, buscou distinguir as duas categorias de ilícito penal, observando que os crimes ofendem direitos naturais, enquanto que as contravenções – transgressões, como se dizia na escola toscana a que ele se filiava, não ofendem nenhum direito natural nem ao princípio ético universal e se reprimem apenas por motivo de utilidade social.
Para Impallomeni(Instituzione di diritto penale, 1908, pág. 85), os crimes ofendem bens jurídicos primários, como a vida, a integridade corporal, a honra, a liberdade, os bons costumes; as contravenções, bem jurídicos secundários, como a dignidade, a tranquilidade, o decoro, a sensibilidade moral.
Para Rocco(L´oggetto del reato, pág. 347 e seguintes), a distinção entre contravenções e crimes deve partir do conceito de administração, que, para ele, é a atividade desenvolvida pelo Estado no sentido da tutela do Direito ou do cuidado das necessidades da sociedade; atividade administrativa jurídica, no primeiro caso, atividade administrativa social, no segundo, ambas distintas da atividade legislativa ou da jurisdicional. Para Rocco, contravenções são ações contrárias ao interesse administrativo do Estado e, porque contrárias a este, vetadas sob a ameaça de uma pena.
Por sua vez, Grispini(Diritto penale italiano, I, pág. 167) define as contravenções como ofensas menos graves de interesses administrativos, associando o critério qualificativo de Rocco ao quantitativo.
Ora, como observou Manzini(Trattato di diritto penale, I, pág. 524, nota I), citado por Aníbal Bruno, os delitos contra a administração pública são fatos caracteristicamente contrários ao interesse administrativo do Estado e nem por isso são contravenções.
Para alguns autores, como Berenini, no crime a forma de culpabilidade é o dolo e, na contravenção, a culpa. Ora, essa distinção é insubsistente, uma vez que há crimes culposos e contravenções dolosas.
Para Rocco, do ponto de vista subjetivo, a diferença é puramente de direito probatório. No crime há de ficar estabelecido o dolo ou a culpa, na contravenção basta a voluntariedade da ação.
Na verdade, contesta-se uma diferença ontológica entre crime e contravenção, fazendo-se a distinção numa questão de grau, um juízo oportuno de maior ou menor critério de gravidade, na verdade, um critério de política criminal.
O Professor Alcântara Machado, em seu projeto para o Código Criminal do Brasil, tratou crimes e contravenções de forma conjunta.
Por sua vez, a Lei de Contravenções Penais, Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, utilizou-se do critério meramente formal, baseado na distinção da gravidade da pena; há crime se a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; há contravenção, se a pena cominada é a prisão simples ou a de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Em verdade, a rigor, não existe diferença entre crime e contravenção, espécies distintas do gênero infração penal, pois não há um elemento de ordem ontológico que encerre uma essência natural em si mesmo. Para Nelson Hungria, a contravenção é um crime-anão, mas o critério de rotulação de uma conduta é essencialmente de política criminal. O que hoje se considera crime, amanhã poderá ser contravenção, ou vice-versa. O porte de arma é hoje crime, do que se lê do artigo 10, da Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, e não mais contravenção.
Leandro Prado(Resumo de direito penal, parte geral, 4ª edição, 2010) faz algumas diferenças:
- A ação penal, no crime, é pública ou privada(artigo 100, CP); na contravenção, é pública incondicionada(artigo 17, LCP);
- No crime, a competência para instruir e julgar pode ser da Justiça Estadual ou Federal; na contravenção, só a Justiça Estadual, exceto se o réu tem foro por prerrogativa de função na Justiça Federal;
- No crime, a tentativa é punível(artigo 14, parágrafo único do CP); na contravenção, não é punível(artigo 4º , LCP);
- No crime, a extraterritorialidade é possível(artigo 7º, CP); na contravenção, a Lei brasileira não a alcança se o fato delituoso ocorre no exterior(artigo 2º, LCP);
- No crime, a pena de privativa de liberdade é de reclusão ou detenção(artigo 33, CP); na contravenção, há incidência de prisão simples(artigo 6º, LCP);
- No crime, o limite temporal da pena, é de 30 anos(artigo 75, CP); na contravenção, é de cinco anos(artigo 10, LCP);
- No crime, para cálculo do sursis, há a incidência de 2 a 4 anos(artigo 77, CP); na contravenção, de 1 a 3 anos(artigo 11, LCP).
É certo que a Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça cristaliza entendimento de que compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.
Pergunta-se: e no caso de contravenção penal conexa a crime de competência da Justiça Federal, esta exerceria atração de foro para o julgamento também da contravenção? A regra consagrada nos tribunais é no sentido de que, havendo conexão entre crimes de competência da Justiça Estadual e da Justiça Federal, prevalece a competência da segunda. É o que nos revela uma visitação à Súmula 122, do STJ:
Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do artigo 78, II, ‘a’, do CPP
Como se demonstrou, as contravenções são, de regra, da competência da Justiça Estadual. Caso seja ela conexa a um crime de competência da Justiça Federal, operar-se-ia o forum attractionis a que faz referência à Súmula 122/STJ? Inicialmente o STJ se posicionou contra a atração de foro, determinando-se a separação de processos (Conflito de Competência 12.351/RJ, relatado pelo Ministro Jesus Costa Lima, julgado em 04/05/95). Após, o STJ alterou seu posicionamento, inclinando-se a favor da atração de foro na Justiça Federal (CC nº 24.215/MA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 08/09/1999). Em mais recente decisão, no entanto, o STJ novamente alterou seu posicionamento, inclinando-se contra a prorrogação da competência federal, determinando a separação de processos, conforme se vê no v. aresto a seguir transcrito:
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÕES PENAIS. ILÍCITOS QUE DEVEM SER PROCESSADOS E JULGADOS PERANTE O JUÍZO COMUM ESTADUAL, AINDA QUE OCORRIDOS EM FACE DE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO OU DE SUAS ENTIDADES. SÚMULA N.º 38 DESTA CORTE. CONFIGURAÇÃO DE CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE CONTRAVENÇÃO E CRIME, ESTE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE, ATÉ NESSE CASO, DE ATRAÇÃO DA JURISDIÇÃO FEDERAL. REGRAS PROCESSUAIS INFRACONSTITUCIONAIS QUE NÃO SE SOBREPÕEM AO DISPOSITIVO DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE VEDA O JULGAMENTO DE CONTRAVENÇÕES PELA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE FLORIANÓPOLIS/SC PARA O JULGAMENTO DA CONTRAVENÇÃO PENAL PREVISTA NO ART. 68, DO DECRETO-LEI N.º 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É entendimento pacificado por esta Corte o de que as contravenções penais são julgadas pela Justiça Comum Estadual, mesmo se cometidas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades. Súmula n.º 38 desta Corte. 2. Até mesmo no caso de conexão probatória entre contravenção penal e crime de competência da Justiça Comum Federal, aquela deverá ser julgada na Justiça Comum Estadual. Nessa hipótese, não incide o entendimento de que compete à Justiça Federal processar e julgar, unificadamente, os crimes conexos de competência federal e estadual (súmula n.º 122 desta Corte), pois tal determinação, de índole legal, não pode se sobrepor ao dispositivo de extração constitucional que veda o julgamento de contravenções por Juiz Federal (art. 109, inciso IV, da Constituição da República). Precedentes.3. Agravo regimental desprovido. Mantida a decisão em que declarada a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Florianópolis/SC para o julgamento da contravenção penal prevista no art. 68, do Decreto-Lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941 (AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 118.914 - SC (2011/0217217-7) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE SANTA CATARINA - SC SUSCITADO : JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA INTERES. : WILMAR JOSÉ BORBA - Julgado em 29/02/2012)
Em verdade, as contravenções são infrações penais de menor potencial ofensivo, assim como os crimes, a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos, cumulada ou não com multa(artigo 61, Lei nº 9.099/95). Para tanto, as contravenções devem ser julgadas no Juizado Especial Criminal, a teor do artigo 60 da Lei nº 9.099/95.
Discute-se a questão das regras gerais aplicáveis às contravenções.
Exemplos de regras gerais presentes no Código Penal, aplicáveis às contravenções penais, são os princípios da “Legalidade”, da “abolitio criminis” e da “Retroatividade da Lei mais Benéfica”, previstos respectivamente no art. 1º, caput, art. 2º, caput, e art. 2º, parágrafo único.
Outro instituto importantíssimo do Direito Penal, perfeitamente aplicável às contravenções penais, são as “Causas Excludentes de Ilicitude”, previstas no art. 23, CP: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.
Bem faz o projeto do Código Penal em abolir a figura das contravenções penais. Como exemplo, os jogos de azar e a perturbação do sossego irão se transformar em crimes.