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Remessa necessária no Código de Processo Civil

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

Sumário: INTRODUÇÃO; 1 – DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, 1.1 – Garantia Constitucional, 1.2- Função do duplo grau de jurisdição; 2 - REMESSA NECESSÁRIA, 2.1 – Conceito, 2.2 – História, 2.2.1 – Origem, 2.2.1.1 – Processo Penal Romano, 2.2.1.2 – Do Direito Canônico, 2.2.1.3 - Razões do aparecimento da apelação "ex-officio", 2.2.2 - Ordenações Afonsinas, 2.2.3 – Ordenações Manuelinas, 2.2.4 – Ordenações Filipinas, 2.2.5 – Direito Brasileiro, 2.3 - Natureza Jurídica, 2.3.1 – Teoria do impulso, 2.3.2 – Teoria da condição, 2.3.3 – Sentença complexa, 2.3.4 – Corrente majoritária, 2.4 – Das sentenças sujeitas a remessa necessária, 2.4.1 – Sentença que anular o casamento, 2.4.2 – Sentença proferida contra a União, Estado e Município, 2.4.3 – A sentença que julgar procedentes, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. , 2.5 – Permissão da "Reformatio in pejus"?, 2.5.1 – A posição doutrinária, 2.5.2 – Posição Jurisprudencial, 2.6 – A remessa necessária e os embargos infringentes, 2.6.1 – Posição doutrinária, 2.6.2 – Posição Jurisprudencial, 2.7 – A remessa necessária e a questão da aplicação do artigo 557 do CPC ?, 2.8 – A Tutela antecipada em face da Fazenda Pública, 2.9 – Alterações no Código de Processo Civil; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; 


INTRODUÇÃO

            A presente monografia tem como tema a "Remessa Necessária" fundamentada no artigo 475 do Código de Processo Civil.

            A escolha do tema justifica-se no fato de ser um assunto de relevante interesse público, mas de pouco esclarecimento entre a maioria dos doutrinadores que se limitam a transcrever o artigo 475 do CPC, com poucas explicações sobre a sua aplicação, e quase nenhuma sobre a sua finalidade, praticamente ignorando as controvérsias e implicações que faz gerar no mundo jurídico.

            A pesquisa realizada procurou examinar algumas das inúmeras questões criadas por este instituto de natureza jurídica tão peculiar, tais como :

            Sua natureza jurídica é de recurso? É admitida a reformatio in pejus? São cabíveis embargos infringentes ? É permitida a aplicação do artigo 557 do CPC? Existe a possibilidade de concessão de tutela antecipada?

            A pesquisa estendeu-se até o anteprojeto de lei que altera os dispositivos referentes ao reexame necessário, avaliando as consequências práticas da alteração.

            Embora diante do reduzido material doutrinário, a pesquisa tornou-se envolvente com a farta jurisprudência, principalmente por ser o tema polêmico e controvertido, propiciando interessante análise sobre o mesmo.


1 – DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

            1.1 – Garantia Constitucional

            O princípio do duplo grau de jurisdição, via de regra, consiste em que as causas decididas por um órgão do poder judiciário possam ser revistas, por outro órgão desse poder, com objetivo de dar maior certeza do direito pleiteado.

            O sistema brasileiro limita a atuação do tribunal de segundo grau, conforme determina o artigo 512 do CPC, no sentido de que a sentença recorrida será substituída, somente no que tiver sido objeto de recurso.

            No Brasil, o princípio do duplo grau de jurisdição é decorrente da regra contida no artigo 5º, LV, da CF. : "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

            Considerando ser o juiz um homem sujeito à falhas, seria perigoso para a justiça se pudesse julgar de modo definitivo, sem que pudesse ser questionado em sua fundamentação.

            Para Nelson Nery Junior "no Brasil, é a própria Constituição Federal que dá a tônica, os contornos e os limites do duplo grau de jurisdição, quando se estabelece que os tribunais do país terão competência para julgar causas originariamente e em grau de recurso". (1)

            1.2- Função do duplo grau de jurisdição

            Para Carnelutti, "a função está em submeter a lide ou negócio a um segundo exame que ofereça maiores garantias do que o primeiro, já que se serve da experiência deste e o realiza um oficio superior (... ) o essencial é que se trata de um exame reiterado, isto é, de uma revisão de tudo quanto se fez na primeira vez, e essa reiteração permite evitar erros e suprir lacunas em que eventualmente se incorreu no exame anterior. Dessa função provém que o objeto do segundo procedimento tem que ser a mesma lide ou aquele mesmo negócio que foi objeto do primeiro, pois do contrário não se trataria de novo exame; a isso se costuma chamar o princípio do duplo grau... " (2)

            Nesta linha de raciocínio, o princípio do duplo grau de jurisdição é uma garantia fundamental de justiça, além de satisfazer a inconformidade do ser humano com decisões desfavoráveis, proporcionando-lhe, no mínimo, um novo julgamento sobre a mesma questão.

            Para as entidades públicas beneficiadas com o instituto da remessa necessária, o duplo grau de jurisdição é obrigatório, como medida de proteção ao interesse público.


2 - REMESSA NECESSÁRIA

            2.1 – Conceito

            Segundo determina o artigo 475 do CPC, algumas decisões judiciais por ele descritas, dependem, obrigatoriamente, de revisão pelo órgão hierarquicamente superior para produzir efeitos.

            Infere-se que a remessa necessária é a devolução da decisão do órgão "a quo", para revisão pelo órgão "ad quem". Somente após a confirmação por este, é que a sentença produzirá efeitos.

            Conforme leciona Alfredo Buzaid "tem a virtude de suspender os efeitos da sentença até que sobre ela se pronuncie a instancia superior. O que ela exprime, portanto, em sua configuração mais simples, é a devolução da causa ao Tribunal, a cujo conhecimento toca a obrigação de manter ou modificar a sentença apelada, independentemente de recurso interposto pelas partes interessadas" (3)

            2.2 – História

            A apelação ex-officio, não é um instituto privativo do processo civil; foi adotada também no processo criminal e em várias leis especiais.

            A escassez de documentos dificulta ou quase impossibilita a determinação da época em que foi criada. Sabe-se apenas que, nos meados do século XIV já era conhecida e tinha aplicação no Reino de Portugal (4)

            2.2.1 – Origem

            Segundo Alfredo Buzaid, a remessa necessária foi instituída pelo Direito Judiciário Português com o nome de "apelação ex-officio" (5)

            Tornou-se tradicional no Direito brasileiro, mas não existe nenhum instituto parecido no direito comparado.

            Para entender sua origem e qual a razão de sua criação é necessário entender o sistema do processo penal Romano e o Direito Canônico.

            2.2.1.1 – Processo Penal Romano

            Conforme Julio Fabbrine Mirabete, em Roma, já no último século da República surgiu nova forma de procedimento : a "acusatio" e a justiça ficou a cargo de um tribunal popular composto por Senadores e cidadãos.

            No Império, a accusatio deu lugar à outra forma de procedimento "cognitio extra ordinem", processo penal extraordinário. Os poderes do magistrado foram invadindo as atribuições reservadas ao acusador privado, que em determinada época se reunia no mesmo órgão do Estado as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao juiz (6)

            A apelação foi admitida na época imperial e se tornou recurso por excelência no processo penal romano, sendo em regra, cabível somente em caso de sentença definitiva e excepcionalmente em sentença interlocutória.

            2.2.1.2 – Do Direito Canônico

            Segundo João Mendes Junior, em citação feita por Julio Fabbrine Mirabete, foi no Direito canônico que se deu a criação do chamado processo inquisitório.

            Nesta fase da historia, havia três formas das quais se iniciava o processo criminal : a acusação, a enuncia e a inquirição.

            A acusação e a denuncia eram delações feitas ao juiz. A inquirição era ato próprio do juiz que iniciava o processo quando a existência de algum crime chegava ao seu conhecimento (7)

            O processo inquisitório entrava em conflito com o acusatório porque enquanto este era contraditório, publico e oral, aquele era escrito e mantido em segredo absoluto.

            Conforme Julio Fabbrine Mirabete, Pereira e Souza dizia que a partir do século XIII Portugal recepcionou o Direito romano e canônico e o processo criminal passou a ser ordenado segundo o principio de que podia ser iniciado, instruído e julgado pelo próprio juiz, ficando ele, com a função soberana na averiguação dos delitos públicos (8)

            2.2.1.3- Razões do aparecimento da apelação ex-officio"

            Para Nelson Nery Junior, a justificativa histórica do aparecimento da " apelação ex-officio" encontra-se nos amplos poderes que tinha o magistrado na vigência do processo inquisitório, no Direito lusitano. (9)

            João Mendes Junior afirma que na época em que os reis portugueses começaram a fazer leis gerais destinadas a fixar os direitos e as obrigações dos seus povos, não era possível que essa quase onipotência judicial ficasse sem um freio, ou sem um controle. Foi aí então que repontou mais uma vez o gênio lusitano para corrigir o rigor do principio dominante e os exageros introduzidos no processo inquisitório. Fê-lo criando a figura da apelação ex-officio (10)

            Conforme menciona Gama Barros em 12 de março de 1355 uma lei ordenava que devia o juiz apelar "polla justiça, em que algum for acusado por morte de homem ou de mulher, ou que pertença a Fidalgos, aos nossos Ouvidores do crime".

            Estava, portando, estabelecida a apelação polla justiça a El rei, em cuja corte os ouvidores do crime a desembargavam. (11)

            2.2.2 - Ordenações Afonsinas

            Segundo Alfredo Buzaid, nos primeiros tempos o processo era breve e singelo. Não demorou, porém, para que se definissem três modos de apurar os delitos: devassa, querela e denúncia.

            A devassa foi a ampliação da capacidade de instruir pelo juiz, no processo inquisitório.

            A denúncia era a declaração do crime publico feita em juízo para se proceder contra o delinqüente por oficio da justiça. Ela só tinha lugar nos delitos que eram, casos de devassa. Não tinha lugar a denuncia nos delitos particulares

            As causas dividiam-se em públicas e privadas. Eram públicas aquelas iniciadas por qualquer pessoa do povo. Particulares aquelas que se iniciavam somente por iniciativa das partes ofendidas. (12)

            Após o estabelecimento da apelação ex-officio, surgiram dúvidas em que casos devia o juiz apelar polla justiça. Fez, então, D. AfonsoIV, lei de caráter geral, mandando que se aplicasse a todo pais. Apelava-se ex-officio não só nos casos de devassa, como também nos de querela, desde que o delito fosse publico.

            De acordo com as Ordenações Afonsinas, livro V, titulo 58 nº 15 e 16 os crimes em que havia procedimento oficial eram :

            "de renegação de Deus e de Santa Maria, de traições, de heresia, de roubo, de morte, de estar com mulher de outrem, ou outra mulher que não for virgem, de ser sodomitico, ou alcovita, ou de ferir, ou admoestar alguém que tem oficio de justiça, ou de falsidade, ou de feitiçaria, ou de queimar ou de por fogo em pão, ou vinho, ou outras coisas para acintosamente fazer dano, ou de furto, ou de cortar arvores alheias. Porém, se houve ferimento, ou doesto e as feridas não foram mortais, nem houve perda de membro, ou aleijamento e a parte ofendida, depois que for sã, lho perdoou e não quiser acusar, não o prenda o juiz; e se for preso, solte-o, não precedendo oficialmente, nem apelando de tal feito"

            A relação de delitos sujeitos a procedimento especial foi ampliada por D.Afonso IV, incluindo-se entre eles o lesa-majestade, o de ferimentos dolosos, o de ferimento de pai, mãe ou outro parente até quarto grau, ou sogro, ou padrinho; o que ferir alguém com quem viver, o de sacrilégio, ferindo em igreja, ou furtando nela ou fora dela coisa sagrada; o do forçamento de mulher virgem, o de adultério e o de viúva, que fazer pecado de fornisio (13).

            2.2.3 – Ordenações Manuelinas

            Em 1521 com a publicação das Ordenações de D.Manuel, foi mantida a apelação ex-officio, não só de sentença definitiva, como também de decisão interlocutória. Seus efeitos eram devolutivo e suspensivo, não podendo ser executada a pena imposta (14)

            O julgador que não apelasse nos casos ordenados pelo código Manuelino, arcava com penas graves, uma das quais era a perda do ofício (15)

            2.2.4 – Ordenações Filipinas

            Para Alfredo Buzaid as Ordenações Filipinas em 1603, substituíram o Código Manuelino, mantendo a "apelação ex-officio", mas excetuando os seguintes casos: ferimento simples, quando haja perdão da parte; adultério, da mulher perdoando o marido; defloramento, uma vez que a parte perdoe; crimes de caça ou pesca, nos meses defesos, não sendo lugares contados; de penas impostas na Pragmática; em que a condenação cabe na alçada; furto de frutas, de vinhas, ou pomares, ou de outra qualquer coisa, sendo furto simples e módico; de apreensão de espada de mais da marca; em que é mandado soltar o português, do qual querelando algum estrangeiro se ausentou sem deixar procurador bastante; de sentença que não pronuncia alguém em devassa ou querela; em que julga o Perdão do Príncipe por conforme a culpa; de injuria.

            As Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil durante 3 séculos, em todo o período da colônia.

            A "apelação ex-officio" foi uma criação do direito processual penal lusitano, nunca se estendendo ao processo civil (16)

            2.2.5 – Direito Brasileiro

            Nelson Nery Junior afirma que no Direito brasileiro, a primeira notícia que se tem da "apelação ex-officio" surgiu com a lei de 04 de outubro de 1831, artigo 90 (17)

            "Fica extinto o actual Erário e o Conselho da Fazenda. As justificações neste Tribunal serão feitas perante os juizes Territoriais, com audiência do Procurador Fiscal; e as sentenças, que nelle se proferirem a favor dos justificantes, serão sempre appelladas ex-officio para a Relação do Districto, sob penna de nulidade"

            A lei 242 de 29 de novembro de 1841, em seu artigo 13 que se refere à "apelação ex-officio" passou por diversas fases de discussão com relação a sua redação. O deputado Gomes de Campos combate o projeto, por entender que não era justo instituir um privilégio em favor da Fazenda e impor aos demais litigantes uma condição inferior (18)

            Clemente Ferreira defende o projeto argumentando : "a melhor maneira de verificar a responsabilidade dos empregados que não são vitalícios é uma incansável e nunca interrompida vigilância das autoridades superiores sobre sua conduta e a sua admissão, logo que há suspeitas vehementes de que são prevaricadores. Mas nem por isso o corpo legislativo deve deixar de prevenir os abusos conhecidos, fazendo leis opportunas que farão cessar a sua causa : e é o que faz o artigo em discussão : está conhecido que os procuradores fiscais prevaricão, deixando de appellar de sentenças injustas contra a Fazenda Nacional : o remédio é obrigar os juizes a appellar de officio e ficará cessando a occasião de um tal abuso" (19)

            Na sessão legislativa de 29 de julho de 1841, após a terceira discussão, o artigo 13 é aprovado com a seguinte redação:

            "Serão appelladas ex-officio para as relações do Districto todas as sentenças que forem proferidas contra a Fazenda Nacional em primeira instância, qualquer que seja a natureza dellas, e o valor excedente a cem, il reis, compreendendo-se nesta disposição as justificações e habilitações de que trata o artigo 90 da lei de 4 de outubro de 1831; não se estendendo contra a Fazenda Nacional as sentenças que se proferirem em causas particulares, e que os Procuradores da Fazenda Nacional somente tenham assistido, porque destas só se appellará por parte da Fazenda, se os Procuradores della o julgarem preciso"

            Depois de introduzida no Processo Civil, a doutrina sistematizou os vários casos em que era cabível a "apelação ex-officio", como segue: (20)

            a)nas sentenças proferidas pelos juizes de defuntos e ausentes em favor de habilitantes e de credores, quando o valor da herança ou da dívida exceda de dois contos;

            b)nas proferidas contra a Fazenda Nacional, que excederem a alçada do juiz (Lei de 4 de Outubro de 1831, art.90 e lei 242 de 29 de outubro de 1841, art.13).

            c)nas proferidas em justificações, para tenças ou pensões, que passarem de pessoa a pessoa( Ord.nº 102 de 23 de abril de 1849)

            d)nas habilitações de herdeiros, sucessores e cessionários, de credores do Estado quando a estes forem favoráveis(Prov.de 8 de maio de 1838 e lei de 28 de novembro de 1841, art.13)

            e)nas causas de liberdade, quando as decisões forem a ela contrárias ( lei 2040 de 28 de setembro de 1871, art. 7 par.2 e Reg. 5135 de 13 de novembro de 1872, art. 80, par. 2)

            f)nas causas de nulidade de casamento de pessoas que professam religião diferente da do Estado, quando as sentenças os anularem ( Decreto 3069 de 17 de abril de 1863, art.12)

            Em 1939 foi baixado o decreto 1608 que unificou o sistema processual brasileiro, trazendo em seu artigo 822 a disposição sobre a "apelação ex-officio" nestes termos :

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            "A apelação necessária ou ex-officio será imposta pelo juiz mediante simples declaração n própria sentença.

            Paraágrafo único – Haverá apelação necessária:

            I – das sentenças que declaram a nulidade do casamento;

            II- das que homologam o desquite amigável;

            III- das proferidas contra União, o Estado ou o Município."

            O Código de Processo Civil atual deu nova nomenclatura ao recurso ex-officio que passou a chamar-se "reexame obrigatório da sentença em duplo grau de jurisdição" ou "duplo grau de jurisdição obrigatório"ou também conhecido como "remessa necessária"

            Sua previsão está contida no artigo 475 :

            "Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal, a sentença

            I – que anular o casamento

            II – proferida contra a União, o Estado e o Município;

            III- que julgar improcedente a execução de dívida da Fazenda Pública

            Parágrafo único – Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida; não o fazendo, poderá o Presidente do Tribunal avoca-los"

            A lei 9469 de 10 de julho de 1997 estendeu às autarquias e fundações públicas o disposto nos artigos 188 e 475, caput e II, CPC, conforme estabelece seu artigo 10 :

            "Aplica-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos artigos 188 e 475, caput, e no seu inciso II, do Código de Processo Civil"

            2.3 - Natureza Jurídica

            O Código de Processo Civil de 1939 classificou a "apelação ex-officio" no livro VII, título II, artigo 822, como um recurso, gerando uma divergência doutrinária.

            Desde então, a doutrina procurou definir-lhe a natureza jurídica, elaborando teorias e analisando seu procedimento.

            Atualmente este instituto está inserido no capítulo da sentença e da coisa julgada, artigo 475, mas ainda existem divergências, embora minoritária, sobre sua natureza jurídica, ser ou não de recurso.

            2.3.1 – Teoria do Impulso

            Formulada por Pontes de Miranda, sustentava que a "apelação ex-officio" se interpõe por simples declaração de vontade, que não se separa do efeito devolutivo( sempre que, nas leis, não há razões do apelado).(...) O juiz é recorrente, sem ser parte, sem ser litisconsorte, ou terceiro prejudicado. A própria situação de recorrente é lhe conferida como explicação do impulso, que se lhe confia; porque rigorosamente a apelação de oficio é apelação sem apelante (21)

            Esta teoria foi criticada porque não explicou a natureza da apelação ex-officio, mas apenas o seu mecanismo.

            2.3.2 – Teoria da Condição

            Teoria exposta por Eliezer Rosa que sustentou que a sentença recorrida está submetida à uma condição. Realizada a condição, o ato jurídico condicionado considera-se existente desde o momento de seu aparecimento, tal como se não o tolhesse na sua eficácia a própria condição (22)

            Esta teoria também mereceu críticas, porque à época de sua elaboração, este conceito de sentença já fora superado por Chiovenda (23) que demonstrou :

            "ao apreciar a condição da sentença sujeita a recurso, importa distinguir nitidamente a sentença como declaração do direito e como declaração com função precipuamente executória. A sentença sujeita a oposição contumacial, apelação, recurso de cassação, não existe como declaração de direito : é tão somente o elemento de uma possível declaração(...) Somente quando, com o decurso dos prazos, ou a conformação da parte, ou de qualquer outro modo, se houver excluído a possibilidade de nova formulação, a sentença, de simples ato de um magistrado, se converte no ato que a ordem jurídica reconhece como formulação de sua própria vontade. Não há, portanto, considerar-se a sentença sujeita a tais recursos como ato jurídico sob condição suspensiva e muito menos resolutiva"

            2.3.3 – Sentença Complexa

            Essa doutrina foi sustentada por Jose Frederico Marques (24), servindo-se do conceito de sentença complexa de Calamandrei, em virtude de nela intervir mais de um órgão jurisdicional, nascendo o julgado dessa cooperação de dois órgãos do Estado para a construção de um único ato jurisdicional.

            Esta teoria também não foi aceita porque o Tribunal não é chamado a cooperar com o juiz de primeira instancia, mas para verificar o acerto do seu julgamento, que pode manter ou reformar.

            2.3.4 – Corrente Majoritária

            A maioria dos doutrinadores não consideram a remessa necessária como recurso. Entre eles destacamos a opinião de Nelson Nery Junior (25)"Essa medida não tem natureza jurídica de recurso. Faltam-lhe a voluntariedade, a tipicidade, a dialeticidade, o interesse em recorrer, a legitimidade, a tempestividade e o preparo, características e pressupostos de admissibilidade dos recursos. (...) O juiz não pode demonstrar vontade em recorrer, já que a lei lhe impõe o dever de remeter os autos à superior instancia. (...) a remessa obrigatória não se encontra descrita no CPC como recurso, falta-lhe a tipicidade.(...) O juiz, quando remete o julgado em atendimento ao artigo 475 do CPC, não deduz nenhuma argumentação em contrario a decisão. Isto seria ilógico e paradoxal. Como poderia o prolator da sentença submetida ao duplo grau obrigatório assinalar as razoes de seu inconformismo com o dispositivo contido no próprio decreto judicial? O pressuposto da sucumbência, também não se encontra presente(...) o juiz não perde nem ganha nada com a sentença proferida(...) falta-lhe legitimidade para recorrer, pois não se encontra no rol das pessoas enumeradas no artigo 499. Não há prazo previsto na lei para que o juiz remeta a sentença ao Tribunal Superior(...)o prazo é requisito de todo e qualquer recurso(...) em razão de não se exigir o preparo na remessa obrigatória, verifica-se que mais outra vez carece de um dos pressupostos de admissibilidade recursal (...) Em nosso sentir esse instituto tem a natureza jurídica de condição de eficácia da sentença"

            Muito interessante é a observação de José Carlos Barbosa Moreira (26): "a antiga apelação necessária ou ex-officio( código de 1939, artigo 822) assumiu caráter diverso, recebendo tratamento à parte, no artigo 475, fora do titulo consagrado dos recursos embora, curiosamente, o parágrafo único do citado dispositivo continuasse( e continue) a falar em apelação voluntária como se outra existisse"

            Para ele a remessa necessária é um "expediente análogo"ao recurso, para permitir-se nova apreciação da causa (27)

            Nelson Luiz Pinto considera a remessa necessária como condição legal de eficácia de determinadas decisões estabelecidas no interesse público (28)

            Entendemos que falta para o instituto da remessa necessária os pressupostos dos recursos, como afirma Nelson Nery Junior, mas, referido instituto possui uma característica peculiar alheia aos recursos, que é a proteção do interesse público. Esta característica especial deve também atribuir-lhe uma natureza jurídica especial, talvez de sentença bijurisdicional.

            2.4 – Das Sentenças Sujeitas a Remessa Necessária

            Para proteger interesses de ordem publica, a lei tornou obrigatório o duplo grau de jurisdição, nos casos estabelecidos pelo artigo 475 do CPC.

            Antes de analisarmos todas as situações previstas no referido artigo, é importante salientar que somente as sentenças de mérito estão sujeitas à remessa necessária. Assim, liminares concedidas em mandado de segurança, ação popular, ação civil publica, etc, bem como tutelas antecipadas concedidas contra o poder publico, devem ser executadas, independentemente, de reexame necessário (29)

            2.4.1 – Sentença que anular o casamento

            Prevista no inciso I do artigo 475 do CPC, esta obrigatoriedade não encontra maiores justificativas na doutrina atual.

            Refletindo sobre os motivos dessa proteção do Estado em relação à família, inferimos que foi consubstanciada em uma conduta social que não se aplica nos dias atuais.

            Esta proteção tem como base legal o vinculo matrimonial indissolúvel previsto nas Constituições anteriores e no Código Civil de 1916, artigo 222, ainda em pleno vigor.

            Referido artigo, demonstrando a mesma preocupação do artigo 475 do CPC, dispõe que

            "a ação de nulidade de casamento processar-se-á por ação ordinária, na qual será nomeado curador que o defenda"

            Desta forma, existem dois controles sobre as decisões que anulam casamento: O curador do vinculo que defenderá a validade do matrimonio, contestando o pedido, produzindo provas e recorrendo da decisão declaratória de nulidade e a remessa necessária, que devolve ao Tribunal o conhecimento integral da causa à instancia superior.

            Diante da facilidade do divórcio nos dias atuais, somente em casos excepcionais há que se falar em anulação de casamento, sendo neste caso, irrelevante o instituto da remessa necessária, muito embora, deva ser respeitado enquanto vigente este dispositivo legal.

            2.4.2 – Sentença Proferida Contra a União, Estado e Município

            Uma discussão se afigura em torno da existência de isonomia na Remessa necessária : há tratamento igualitário para as partes se o duplo grau de jurisdição é obrigatório somente nas lides em que são vencidas as Fazendas Públicas? Não haveria nesta hipótese um privilégio do Estado?

            O fundamento jurídico destas prerrogativas defendido por parte da doutrina, encontra apoio na própria característica dos interesses em questão. Quando uma das partes litigantes é a União, Estados, Municípios ou Fazenda Pública, há um interesse maior a ser resguardado : um interesse de ordem pública.

            Nelson Nery Junior esclarece-nos que : "a desigualdade dos beneficiários do artigo 188 do Código de Processo Civil, em relação ao litigante comum estaria no interesse maior que a Fazenda Pública e o Ministério Público representam no processo. Os direitos defendidos pela Fazenda são direitos públicos, vale dizer, de toda a coletividade, sendo, portanto, meta individuais (...) quem litiga com a Fazenda Pública ou com o Ministério Público não está enfrentando outro particular, mas sim o próprio povo, razão bastante para o legislador beneficiar aquelas duas entidades com prazos especiais, atendendo ao princípio da igualdade real das partes no processo" (30)

            Para Alfredo Buzaid " a doutrina brasielira entendeu que, em garantia dos direitos e salvaguarda dos interesses da Fazenda, pela incúria, desídia, negligência ou omissão do Procurador dos Feitos, a lei armou o juiz previamente da apelação ex-officio, nas decisões das causas, quando contrárias à mesma Fazenda" (31)

            Sérgio Ferraz analisa este fato dizendo que (32) ‘(...) O Estado é um ente profundamente diferente do particular. Quando a Fazenda Pública comparece em juízo, na verdade não se está em face de iguais. Se a sua submissão, perante a norma substantiva, é idêntica à do particular – apanágio do Estado de Direito – na órbita processual, meio ambiente para viabilizar a pretensão principal, as desigualdades objetivas terão de ser refletidas. Quando o Estado comparece a juízo, ele não é apenas um autor, um réu, um assistente, um opoente, um litisconsorte, enfim, ele não é tão apenas isso. Ele está comparecendo em juízo, levando consigo toda uma carga de interesse público, toda uma carga de interesse coletivo, que é a própria razão de ser da sua existência. Inclusive se nós mesmos podemos figurar na relação processual, como adversários do Estado, no final das contas, ao menos indiretamente, somos também interessados naquilo a que venha a ser obrigado o Estado, a cumprir em razão do ditame judicial. De alguma maneira seremos atingidos, n nossa estatura de direitos, nas nossas maiores ou menores liberdades; de qualquer maneira o nosso interesse estará indissoluvelmente ligado àquilo que venha a ser ditado à parte pelo Estado, ainda quando sejamos os opositores. Ora, se os interesses contrapostos não são iguais, e na verdade não o são, os chamados privilégios da Fazenda Pública não constituem quebras ao principio da igualdade"

            No pensamento de Ada Pellegrini Grinover (33) "No direito atual, prerrogativas e privilégios só poderia admitir-se por exceção, em razão da diversidade das posições subjetivas assumidas no ordenamento jurídico. Exceções que são ao regime comum, as prerrogativas e os privilégios se distinguem, porquanto estes são instituídos visando a proteção de interesses pessoais, e aquelas decorrem do interesse público. Resulta daí ser a prerrogativa irrenunciável.

            Analisando o beneficio do prazo, como prerrogativa concedida à Fazenda e ao Ministério Público, vê-se que é ela instituída exatamente com base no interesse publico ou social, justificando-se em razão da natureza, organização e fins do Estado moderno. Os prazos fixados à Fazenda Pública e ao órgão do Ministério Público são mais amplos, justamente em obediência ao princípio da igualdade, real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, para nivela-los na igualdade substancial.

            Se as partes não litigam em igualdade de condições, o benefício de prazo se justifica, na medida necessária ao restabelecimento da verdadeira isonomia. A Fazenda, em virtude da complexidade dos serviços estatais e da necessidade de formalidade burocráticas; O Ministério Publico com vistas à distância das fontes de informação e de provas, hão de contar com o beneficio da dilatação de prazos, para efeito do equilíbrio processual.

            Não se vejam, pois, como privilégios injustificáveis, a dilatação de prazos processuais e o reexame necessário".

            Infere-se que a importância do interesse defendido justifica uma maior proteção do sistema legal, com a finalidade de que os mesmos não sejam, eventualmente, usurpados, em um único julgamento.

            É também uma forma de controlar conluios entre as partes, subornos, ou deficiente tutela dos interesses públicos.

            2.4.3 – A sentença que julgar procedentes, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública>.

            Conforme o anteprojeto de lei que altera os dispositivos do Código de Processo Civil referente aos recursos e ao reexame necessário, o inciso II do artigo 475 "a sentença que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública "apresenta um erro técnico porque procedentes ou improcedentes são sempre os embargos do executado, não a execução propriamente dita, portanto, a redação correta seria "que julgar procedentes, os embargos à execução de divida ativa da Fazenda Pública".

            Outra celeuma gerada por este inciso refere-se aos efeitos em que será recebida a remessa necessária.

            O legislador ao estabelecer o duplo grau obrigatório às sentenças proferidas contra União, Estados e Municípios, não fez distinção entre sentença proferida em processo de conhecimento e de execução, mas apenas dispôs que as mesmas somente produziriam efeitos após confirmadas pelo Tribunal.

            Diante do que dispõe o artigo 520 V do CPC, a remessa necessária para este inciso seria recebida apenas no efeito devolutivo, contrariando determinação do legislador.

            Neste sentido o Recurso Especial nº 234629 São Paulo ( 1999/0093542-0) Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Exmo. Sr. Ministro Jorge Scartezzini

            "Senhores ministros, são dois os dispositivos do Código de Processo Civil em aparente conflito : de um lado, o artigo 475, II, que determina o reexame necessário das sentenças proferidas contra a Fazenda Publica, com eficácia deferida após sua confirmação pelo Tribunal revisor; de outro, o artigo 520, V que impõe o recebimento da apelação contra sentença que rejeitar liminarmente os embargos à execução ou julgá-los improcedentes, somente no efeito devolutivo, com a possibilidade de execução provisória.

            Toda a atividade jurisdicional deve atender à finalidade precípua da norma que a rege, e em caso de dúvida, buscar nos princípios a sua solução.

            Aqui, impõe-se a aplicação teleológica do Princípio da Razoabilidade; ser razoável é ser moderado, comedido, ponderado, sensato, sem ser injusto, e nessa linha de racicinio deve ser alçada a interpretação dos mandamentos legais.

            Tenho que, dentre os dispositivos acima referidos, deva prevalecer aquele que melhor atenda os fins sociais de sua aplicação : ou se considera que toda e qualquer sentença proferida contra a Fazenda Pública, seja ainda em processo de conhecimento, de execução ou cautelar, fique condicionada ao reexame necessário pelo Tribunal, ou se reconhece o direito `a execução de título judicial contra a Fazenda, ainda que pendente recurso com efeito apenas devolutivo. A última solução é que deve preponderar.

            A regra que impõe o reexame obrigatório é providência imperativa, de aplicação cogente, desde que nenhuma outra norma específica disponha em contrário, como é o caso.

            A intenção do legislador foi unicamente proteger os entes de direito público contra demandas infundadas, e que confirmadas pelos juizes de 1º grau, possam levar a reais prejuizos aos cofres públicos; somente após sua ratificação pelo colegiado revisor é que, tal sentença de procedência adquire eficácia. Mas restringe-se, a que tudo me parece, ao processo de conhecimento, e não ao de execução, onde não se discute o "an debeatur".

            De outro lado, a execução contida no artigo 520 e incisos, quanto ao recebimento da apelação somente no efeito devolutivo visa proteger os interesses do credor, ainda que devedora a Fazenda Publica, fazendo com que satisfaça antecipadamente seus direitos, já reconhecidos. Quisesse o legislador isentar a Fazenda Pública dessa regra, o teria feito expressamente".

            Nesta mesma linha de raciocínio o acórdão STJ – 6º T. Rec.Esp.nº 162548 São Paulo, Rel.Min. Vicente Leal; j. 14.04.1998 "

            A remessa ex-officio, prevista no artigo 475, II, do Código de Processo Civil, (...) é descabida em fase de execução de sentença. É de rigor o recebimento da apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes embargos à execução apenas em seu efeito devolutivo, ex vi do artigo 520, V do CPC, prosseguindo-se a execução provisória contra a Fazenda Pública nos termos do artigo 730".

            Contrário à este entendimento é o acórdão que julgou o Recurso Especial nº 228691 Rio de Janeiro ( 99/0078956-3) Ministro Garcia Vieira ( relator)

            "Estabelece o artigo 475, II do CPC que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados e os Municípios. Como se vê, o legislador não faz nenhuma ressalva ao estabelecer que todas as sentenças proferidas contra o Estado estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição e só produzem efeitos depois de confirmadas pelo tribunal. Não é feita nenhuma distinção entre sentença proferida em processo de conhecimento e sentença prolatada em processo de execução. Onde o legislador não distingue, não pode o interprete faze-lo.

            A sentença que julgou improcedentes os embargos à execução esta sujeita ao duplo grau de jurisdição e só produz efeitos depois de confirmada pelo tribunal, não tem sentido o recebimento da apelação contra ela interposta apenas no efeito devolutivo porque ela, a sentença, só produz efeito depois de ratificada pela instância revisora. S se admitiu a execução provisória, a sentença já estaria produzindo efeitos antes de ser confirmada pelo tribunal, mas isso a lei não permite. O disposto no artigo 520, V, do CPC não se aplica quando se tratar de sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, proferida contra o Estado"

            Muito embora a determinação do artigo 475, II e III do CPC tenha a preocupação de preservar o patrimônio público, não parece justo, prejudicar o particular que tolhido dos benefícios da execução provisória, poderá sofrer prejuízos de difícil reparação e como afirmava Rui Barbosa "a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta"

            2.5 – Permissão da "Reformatio in pejus"?

            Para Barbosa Moreira há reformatio in pejus quando o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais desfavorável ao recorrente, sob o ponto de vista prático, do que aquela contra a qual se interpôs o recurso (34).

            O Código de Processo Civil vigente não contém norma expressa que proíba a reformatio in pejus, mas a doutrina coloca-se pacificamente no sentido da proibição, baseando-se no princípio da sucumbência e o princípio dispositivo, onde, respectivamente, o recorrente só recorre do que lhe é desfavorável e se quiser.

            Moacyr Amaral dos Santos acredita que se ambas as partes, parcialmente vencidas, poderiam recorrer, mas apenas uma recorreu, e o fez para obter decisão mais favorável, seria injusto, e mesmo ilógico, piorar-lhe a situação em benefício do adversário que se conformou com a decisão. (35)

            2.5.1 – A Posição Doutrinária

            A questão da possibilidade de agravamento da situação da Fazenda Pública quando sujeita ao reexame, é causa de debates entre os doutrinadores.

            Para Nelson Nery Junior (…) não se pode falar em efeito devolutivo da remessa necessária porque se está diante da manifestação do princípio inquisitório. O que existe na verdade, é que a eficácia plena da sentença nos casos do artigo 475 do CPC, fica condicionada ao seu reexame pelo tribunal ad quem. A sentença como um todo ‘que fica submetida ao reexame, de sorte que é lícito ao tribunal modificar a sentença, reformando-a total ou parcialmente.

            Nesse procedimento de remessa necessária é impertinente falar-se em reformatio in pejus já que não atua o principio dispositivo, mas o inquisitório. Assim, não havendo recurso da parte, pode o Tribunal modificar a sentença agravando a posição da Fazenda Pública, pois o reexame necessário não foi criado para proteger descomedidamente os entes públicos, mas para fazer com que a sentença que lhes fora adversa seja obrigatoriamente reexaminada por órgão de jurisdição hierarquicamente superior (36)

            Parece não partilhar da mesma opinião José Carlos Barbosa Moreira quando afirma que tudo que se aplica em termos de recurso, por analogia, se aplica também nos casos de sujeição obrigatória ao duplo grau de jurisdição.

            Assim, exemplifica com a hipótese do artigo 475, II, se a decisão da causa, na primeira instância, foi parcialmente desfavorável à União, ao Estado ou ao Município, e não houve apelação alguma, nem do outro litigante, nem da Fazenda Pública, os autos sobem exclusivamente para reapreciação da parte em que esta ficou vencida; ocorrerá portanto, reformatio in pejus caso o Tribunal lhe agrave a situação (37)

            2.5.2 – Posição Jurisprudencial

            A jurisprudência neste sentido parece estar consolidada na Súmula 45 do STJ, "in verbis" : "no reexame necessário, é defeso ao Tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública" conforme poderemos observar em algumas decisões :

            STJ Recurso Especial nº 171650 – SP ( 1998/0029256-0) Ministro Francisco Peçanha Martins ( relator):

            "A doutrina e a jurisprudência entendem não poder o Tribunal, em recurso ex-officio, agravar a situação da Fazenda Pública, já que em socorro desta foi instituído".

            STJ Agravo Regimental no Recurso Especial nº 297561/SP ( 2000/0143982-0) Ministro José Delgado ( relator) :

            "Há de se considerar que, conforme vem sendo pregado pela doutrina, a remessa obrigatória desenvolve-se em torno da proteção da coisa pública, pelo que foge de suas características agravar a situação da Administração presente em juízo"

            STJ Recurso Especial nº 14238-0/SP (91.0001818-8) Ementa :

            "O instituto da remessa ex-officio consulta precipuamente o interesse do Estado ou da pessoa jurídica de direito público interno, quando sucumbente, para que a lide seja reavaliada por um colegiado e expurgadas imprecisões ou excessos danosos ao interesse público.

            Fere a proibição de reformatio in pejus a decisão que, na remessa de oficio, agrava a condenação impingida à Fazenda Pública, sabendo-se que o duplo grau de jurisdição só a ela aproveita.

            Se a parte vencedora no primeiro grau de jurisdição deixou de recorrer, conclui-se que se conformou, "in totum, com o julgamento, não se lhe podendo beneficiar mediante um recurso cujo interesse a tutelar não é o seu."

            STJ Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 133590 ( 2000/0024496-1) Ministro Garcia Vieira

            " Tem-se por sabido e consabido que, em grau de recurso involuntário ( ex-officio) é vedado que se aumente a condenação à Fazenda Pública"

            Assim, o conflito permanece por parte da doutrina. Existem aqueles que defendem o princípio inquisitório que manifesta-se pelo efeito translativo pleno e tem como característica a incidência do interesse público do reexame integral da sentença, motivo pelo qual, é possível agravar-se a situação da Fazenda.

            Porém, parte da doutrina, posiciona-se contrariamente à reformatio in pejus, de forma que a sentença sujeita ao reexame não pode prejudicar entidade de direito público dele beneficiária.

            Analisando a verdadeira intenção do legislador, que ficou demonstrada no artigo 475 CPC, ou seja, a defesa e proteção do interesse público, não haveria sentido agravar a situação da Fazenda, por meio de uma medida que tem a pretensão de protege-la.

            2.6 – A remessa necessária e os embargos infringentes

            O artigo 530 do CPC dispõe "Cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória".

            Deste texto podemos retirar os pressupostos de admissibilidade dos embargos infringentes, ou seja, que o julgado tenha sido proferido em apelação ou em ação rescisória; que o julgado não foi unânime.

            No caso da remessa necessária, a dúvida consiste no fato de não ser a mesma, nem apelação e nem ação rescisória.

            Como veremos a seguir sua natureza jurídica atípica leva as mais variadas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, chegando-se à diferentes conclusões quanto ao fato de ser ou não cabíveis embargos infringentes.

            2.6.1 – Posição doutrinária

            A posição doutrinária já é pacífica, admitindo o cabimento dos embargos infringentes nos acórdãos que julgam a remessa necessária, conforme opinião dos ilustres doutrinadores :

            Diz José Carlos Barbosa Moreira que "Embora não se identifique com a apelação, nem constitua tecnicamente recurso, no sistema do Código, razões de ordem sistemática justificam a admissão de embargos infringentes contra acórdãos por maioria de votos no reexame da causa ex vi legis ( art. 475). É ilustrativo o caso da sentença contrária à União, ao Estado ou ao Município : se a pessoa jurídica de direito público apela, e o julgamento de segundo grau vem a favorecê-la, sem unanimidade, o adversário dispõe sem dúvida alguma dos embargos; ora, não parece razoável negar-lhe esse recurso na hipótese de igual resultado em simples revisão obrigatória – o que, em certa medida, tornaria paradoxalmente mais vantajoso, para a União, Estado ou o Município, omitir-se do que apelar" (38)

            Observa Nelson Luiz Pinto "Somente as questões de ordem pública poderão ser conhecidas quando do julgamento dos embargos infringentes, por provocação da parte ou de oficio, ainda que não tenham sido objeto de apreciação no acórdão embargado, ou mesmo que o tenham e a seu respeito não tenha havido divergência, por se tratar de questões que não ficam acobertadas pela preclusão, exceto para o mesmo órgão que as apreciou" (39)

            No entender de Nelson Nery Junior "Embora a remessa obrigatória ( CPC 475) se caracteriza como condição de eficácia da sentença e não como recurso, tem o procedimento da apelação. Conseqüentemente, julgada por maioria de votos abre a oportunidade para a interposição de embargos infringentes" (40)

            Para Vicente Greco Filho "Apesar da omissão da lei, tem sido admitidos embargos infringentes em casos de reexame obrigatório ( art.475), que não é apelação, mas tem o mesmo objetivo prático em favor da Fazenda Pública ou no caso de anulação de casamento" (41)

            No mesmo sentido Frederico Marques, in Manual de Direito Processual Civil, vol. III, pg. 119; Theotônio Negrão, in Código de Processo Civil, 28º edição p. 355

            Se analisarmos a remessa necessária como um instituto que garante o duplo grau de jurisdição à entidades do Poder Publico, teremos que admitir todos os demais efeitos decorrentes desta medida, assim como admitimos todos os efeitos dos demais recursos. Neste sentido é perfeitamente aceitável o cabimento dos embargos infringentes.

            2.6.2 – Posição Jurisprudencial

            Diferente da doutrina, a jurisprudência não tem se mostrado tão pacífica quando o assunto é embargos infringentes em remessa necessária, conforme se depreende do conteúdo dos seguintes julgados :

            STJ EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL Nº 168837 – RIO DE JANEIRO (1999/0030981-2) MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

            "(...) o duplo grau de jurisdição obrigatório não é recurso e tem o seu estatuto processual próprio, que em nada se relaciona com o recurso voluntário de apelação, daí porque não se aplica àquele as normas referentes ao apelo, notadamente quanto à possibilidade de oposição de embargos infringentes, à ausência de previsão legal.

            Gisé-se, nesse passo, que as normas do reexame necessário, pela sua afinidade com o autoritarismo, são de direito estrito e devem ser interpretadas restritivamente, em obséquio dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, até porque, ao menor desaviso, submeter-se-a o processo a tempos sociais prescritivos ou a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional.

            Sucumbente o Poder Publico, não lhe suprime o reexame obrigatório a apelação voluntária, apta a ensejar-lhe os embargos infringentes, como foi sempre comum da defesa dos interesses dos entes públicos em geral, aplicando-se, à espécie, o adágio latino dormientibus non succurrit ius".

            Neste mesmo acórdão, o voto vencido do Exmo. Sr. Ministro Jorge Scarterinni esclarece:

            "O cerne da questão está em saber se o Recurso de Oficio deve ou não seguir a mesma forma e ter os mesmos trâmites processuais relativos à apelação, que é recurso voluntário da parte. (...) Nesta esteira e sob este prisma, entendo que, somente quanto à forma, a Remessa Necessária se equipara ao Recurso Voluntário, para efeitos de rito e andamento processual, sendo possível, portanto, a oposição de embargos infringentes em acórdãos decididos por maioria de votos".

            STJ AG.REG. NO AG. DE INST. Nº 185.889 – RIO GRANDE DO SUL ( 1998/00227855-9) Voto do Exmo. Ministro Edson Vidigal.

            "A lei restringe a possibilidade de uso dos Infringentes aos julgados, por maioria, proferidos em Apelação e em Ação Rescisória; silencia quando se trata de decisões proferidas em remessa necessária.

            Ver a questão sob o prisma de uma interpretação mais analógica ou mesmo sistemática da lei, teríamos que, necessariamente, comungar da idéia que a remessa necessária e apelação apresentam natureza semelhante, o que não posso concordar".

            STJ RECURSO ESPECIAL Nº 226.053/PI – RELATOR MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, In DJ 29/11/99

            "Os embargos infringentes são impróprios para desafiar acórdão não unânime proferido em sede de remessa ex-officio, porquanto o Tribunal quando a aprecia, limita-se a complementar o ato complexo que se iniciou com a decisão contrária ao Estado"

            STJ RECURSO ESPECIAL Nº 29800/MS, RELATOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS, in DJ 15/03/93

            "Embargos infringentes são impróprios para desafiar acórdão não unânime proferido em remessa ex-officio".

            Cabem embargos infringentes no julgamento não unânime da remessa necessária ( RTJ 122/844).

            No mesmo sentido RTJ 96/1406, 94/801 – RJTJSP 61/195; RP 25/309, 17/342 (42)

            2.7 – A remessa necessária e a questão da aplicação do artigo 557 do CPC ?

            Diz o artigo 557 "O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior"

            Compete ao relator, como juiz preparador de todo e qualquer recurso do sistema processual, o exame do juízo de admissibilidade, verificando se estão presentes os pressupostos ( cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer).

            Por estas regras do artigo 557, o relator tem, também, o juizo de mérito do recurso, em caráter provisório. Se houver interposição de agravo interno, o exame definitivo do mérito é o órgão colegiado ao qual pertence o relator (43).

            Esta incumbência do relator tem causado polêmica no âmbito da remessa necessária devido à sua natureza peculiar.

            Os destinatários do artigo 475 do CPC, privilegiados com o instituto da remessa necessária não aceitam o fato de serem barrados pelo relator, por considerarem uma afronta à um recurso de natureza obrigatória.

            Por outro lado, os tribunais defendem a aplicação do artigo 557 à remessa necessária, por considerá-lo como instrumento para desobstruir as pautas dos tribunais, a fim de que as ações e os recursos que realmente precisam ser julgados por órgão colegiado possam ser apreciados mais rapidamente, prestigiando-se o princípio da economia processual e da celeridade processual.

            O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso especial Nº 226.621 – RS (1999/0071777-5) relatado pelo sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, consigna que :

            "O artigo 557 do Código de Processo Civil, alcança os recursos arrolados no artigo 496 do mesmo diploma, bem como a remessa oficial prevista no artigo 475 do CPC. Por isso, se a sentença estiver em consonância com a jurisprudência do tribunal de segundo grau ou dos tribunais superiores, pode o próprio relator efetuar o reexame obrigatório por meio de decisão monocrática. (...) O legislador, ao permitir que o relator negasse seguimento ao recurso, quando fosse manifestamente improcedente, pretendeu dar aos tribunais de apelação maior dinâmica nos julgamentos, evitando o assoberbamento de enormes pautas de processo versando sobre teses jurídicas já sedimentadas na Corte.

            Em verdade, o julgamento em série, de decisões estereotipadas, não é trabalho intelectual, e sim mero esforço burocrático despendido pelas assessorias dos órgãos julgadores com revisão do juiz, o qual age como mero conferente da digitação.

            Esta é a realidade hoje existente nos tribunais, especialmente na justiça federal. E a prova maior da assertiva está na utilização de um único modelo de recurso, aplicado em não menor de vinte processos.

            Daí a vantagem de aplicar-se o artigo 557 do CPC, o qual não se restringe a negar seguimento a este ou àquele recurso, referindo-se o dispositivo a "NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO" (...) Portanto, o vocábulo "recurso" inserto no artigo 557 do CPC deve ser interpretado em sentido amplo, abrangendo os recursos – propriamente ditos – arrolados no artigo 496 do CPC, bem como a remessa necessária prevista no artigo 475 do CPC".

            Temos também o decidido no Recurso especial nº 232025- Rio de Janeiro( 99/0085949-9) Ministro Garcia Vieira (voto-vencido)

            "O relator, nos Tribunais Regionais Federais, não pode negar seguimento à remessa oficial porque a sentença proferida contra a União e suas autarquias só produz efeitos depois de confirmada pelo tribunal ( art. 475, inciso II do CPC ). O artigo 557 do CPC autoriza o relator a negar seguimento a recurso mas a remessa não é recurso.(...) O Tribunal Federal de recursos era único e com jurisdição em todo o território nacional. Quando um de seus Ministros negava seguimento a um recurso por contrariar suas súmulas, sua decisão tenha eficácia em todo o Brasil. Com os Tribunais Regionais Federais a situação é diferente. Sendo vários os Tribunais, cada um tem ou pode ter súmulas diferentes ou mesmo opostas a de outro Regional. (...) Entendo que estes não podem negar seguimento a recurso com base em sua jurisprudência, mesmo porque, quando o STF ou STJ decidem em sentido diferente ao das Súmulas dos Regionais, ficam estas revogadas".

            STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 226698 – PARANÁ ( 1999/0071854-2) EMENTA :

            " O artigo 557 do CPC alcança os recursos arrolados no artigo 496 do CPC, bem como a remessa necessária prevista no artigo 475 do CPC. Por isso, se a sentença estiver em consonância com a jurisprudência do tribunal de segundo grau ou dos tribunais superiores, pode o próprio relator efetuar o reexame obrigatório por meio de decisão monocrática".

            STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 212504 – MINAS GERAIS ( 1999/0039263-9) RELATOR MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS.

            O voto vencido do relator explicou que :

            " Em casos especiais, tendo em vista interesses públicos relevantes, a jurisdição superior atua sem a provocação da parte, como é o caso do artigo 475 do CPC. A devolução oficial ou remessa necessária, que não pode ser considerada propriamente recurso – por isso que a ela não se aplica o disposto no artigo 557 do CPC – é obrigatória e dela depende a eficácia da sentença, ainda que seja confirmada na segunda instancia.

            Destarte, a meu sentir, não pode o relator barrar o reexame pelo colegiado, mesmo que este tenha firmado entendimento coincidente com o da sentença, pois a eficácia desta dependerá da sua confirmação no segundo grau".

            Nas palavras do professor Barbosa Moreira "Deve o relator examinar com cuidado especial as razões do recurso : é sempre possível que haja aí argumentos novos, não considerados quando da inclusão da tese contrária na súmula à qual, no regime em vigor não se reconhece eficácia vinculante (...) Preferível suportar algum peso a mais na carga de trabalho dos tribunais a contribuir para a fossilização da jurisprudência. A lei do menor esforço não é necessariamente, em todo e qualquer caso, boa conselheira" (44)

            É louvável a providência de delegar poderes ao juiz relator, na missão de diminuir o número de processos nos tribunais.

            Todavia, estes poderes devem ser utilizados com todas as cautelas possíveis para não se converter em instrumento de injustiças.

            2.8 – A Tutela Antecipada em face da Fazenda Pública

            Uma das principais alterações havidas no sistema processual brasileiro, por conta da recente reforma (lei 8952/94) foi, sem dúvida, a adoção do instituto da antecipação da tutela.

            O novo artigo 273 do CPC, prevê a possibilidade de que se antecipem todos ou alguns dos efeitos do provimento jurisdicional, sempre que o juiz se convença da verossimilhança das alegações do autor, demonstradas por intermédio de prova inequívoca de fumus boni iuris, se houver periculum in mora, ou ainda se ficar provado abuso de direito de defesa ou propósito protelatório do réu.

            Ao abordar este assunto, surge grande controvérsia acerca de ser possível, ou não, a antecipação da tutela, em face da Fazenda Pública.

            A doutrina é controvertida à respeito, apresentando fortes argumentos que se abrem em duas vertentes ante à esta questão.

            Sustentando a impossibilidade, Francesco Conte "Descabe, reitere-se, em perspectiva de interpretação sistemática, a antecipação da tutela quando, no pólo passivo, figurar a União, os Estados membros, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, posto que, se a própria sentença proferida contra estas entidades de direito público está sujeita ao reexame necessário, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal ( artigo 475, II, do CPC), a medida antecipatória, concedendo o próprio direito afirmado pelo autor, consubstanciando mera decisão interlocutória, a fortiori, não tem, na espécie, aptidão para produzir qualquer efeito. A eficácia do apêndice ( decisão interlocutória) não pode ser maior do que a do próprio corpo ( sentença) (45)

            Favoravelmente se pronuncia o Professor Hugo de Brito Machado "O argumento segundo o qual apenas a sentença pode servir como título executivo contra a Fazenda Pública, e que o fato judicial da antecipação da tutela é simplesmente uma decisão interlocutória, é daqueles que só encontram amparo na visão formalista do processo, hoje inteiramente superada, além de negar os elementos sistemático e teleológico, indispensáveis a uma adequada interpretação das normas jurídicas. Aliás, tal argumento, repita-se, levaria mesmo à total inutilidade e a norma que autoriza a antecipação da tutela jurisdicional. Em outras palavras, nega a própria instituição da tutela antecipada. Não sendo aquela decisão interlocutória um titulo judicial, porque não albergado pelo artigo 584, não se prestaria para execução nenhuma, mesmo contra particulares" (46).

            Interessantes comentários, faz Humberto Theodoro Junior "Uma vez que a antecipação da tutela não se confunde com a medida cautelar, tem-se entendido que o particular, observados os requisitos do artigo 273 do CPC, tem direito de obter, provisoriamente, os efeitos que somente advinham da final sentença de mérito, mesmo em face da Fazenda Pública. A lei nº 8437/92, ao vedar medida liminar em ação cautelar que esgote, no todo ou em parte, o objeto do processo movido contra o Poder Público, não representaria empecilho à antecipação da tutela, justamente por não se tratar de mera medida cautelar, mas de instituto novo, não alcançado pela restrição da questionada lei de proteção processual à Fazenda Pública.

            Não havendo no regime do artigo 273 do CPC nada que exclua o Poder Público de sua incidência, correta a conclusão que defende, sujeição desta à norma contida naquele dispositivo legal" (47)

            No entendimento do saudoso professor José Frederico Marques "(...) assim é que na sistemática processual há o instituto do duplo grau de jurisdição, inafastável, segundo o qual o provimento sentencial tem sua plena eficácia jurídica condicionada ao reexame pelo tribunal nos termos do artigo 475, do Código de 1973. Assim, se no pólo passivo da relação jurídica processual figurar a União, Estado Federado, Distrito Federal, Território ou Município, a sentença favorável à pretensão deduzida em juízo pelo legitimado ativo não produzira sua eficácia senão depois de confirmada pelo órgão jurisdicional do segundo grau. Logo, descabe a antecipação eficaz da tutela jurisdicional por meio de provimento decisório. Do contrário, atribuir-se-ia às decisões interlocutórias peso eficacial que nem mesmo as sentenças tem" (48)

            A jurisprudência não é diferente da doutrina quando o tema é a antecipação da tutela em face da Fazenda Publica, pois também se apresenta de modo polemico e controvertido, como verificaremos a seguir pelos diferentes julgados.

            TJMS – AG 66081-7 – CLASSE B – XII – CAMPO GRANDE – 1º T. CIVIL – REL. DES. JORGE EUSTACIO DA SILVA FRIAS – J. 13.08.199.

            "Preenchidos os requisitos do artigo 273, do CPC, é admissível provimento antecipatório da tutela contra o poder publico, visto que a lei federal nº 9494/97 apenas proíbe sua concessão liminar e em situações específicas. Para tornar efetiva e pratica a decisão antecipatória de tutela, pode o juiz tomar as medidas necessárias, pois, pela nova sistemática, o provimento se cumpre dentro do processo de conhecimento na forma das sentenças executivas lato sensu".

            TJ – SP, AC. DA 2º CAM. DE DIREITO PUBLICO DE 21.12.99 – AI 135513-5/0 – REL. DES. ALOÍSIO DE TOLEDO.

            "Em virtude da provisoriedade da decisão que concede a tutela, não existe impedimento legal de sua concessão contra a Fazenda Publica, uma vez que, a decisão final será submetida ao duplo grau de jurisdição. Ademais, os comandos dos artigos 273 e 475, II, do CPC não afastam a possibilidade de sua concessão contra a Fazenda Pública. Fumus boni iuris presente, porque a Constituição Federal dispôs como clausula pétrea a vida, e periculum in mora também presente, vez que o risco da demora envolve a própria vida"

            TJ – SP – AGRAVO DE INSTRUMENTO NO AGRAVO REGIMENTAL Nº 49430-5/9 – SP DE 10 DE MARÇO DE 1998 – RELATOR DES. OETTERER GUEDES.

            "Sem duvida, o instituto da tutela antecipada é incabível contra a Fazenda do Estado. E isso porque as sentenças, quando não favoráveis à Fazenda, devem ser submetidas ao reexame obrigatório, só produzindo efeitos após confirmação pelo Tribunal. Entendimento contrário burlaria a proteção legal do artigo 475 do Código de Processo Civil"

            STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 187600 – CEARÁ ( 98/0065488-7) RELATOR MIN. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO.

            "A tutela antecipada só em casos excepcionalíssimos é condizente com o Estado e entidades integrantes do complexo político e administrativo.(...) Não se olvide ainda a necessidade do duplo grau de jurisdição face à remessa necessária"

            Apesar das posições antagônicas, tanto por parte da doutrina como da jurisprudência, o que deve prevalecer em todos os momentos do Direito é o bom senso.

            Portanto, cabe ao juiz apreciar a necessidade ou não da antecipação da tutela, diante do caso concreto.

            O interesse publico, em principio, prevalece sobre o interesse privado, mas quando a situação concreta sub judice implique em ameaça de lesão de direito, o juiz não deve hesitar em conceder a antecipação da tutela, sob pena de não o fazendo, tornar ineficaz a tutela jurisdicional, se deferida tardiamente.

            2.9 – Alterações no Código de Processo Civil

            Para melhorar a prestação jurisdicional, o sistema jurídico brasileiro necessita de uma reforma no Código de Processo Civil.

            Parte dessa reforma está presente no anteprojeto de lei nº 15 versão final (anexo) elaborado por Athos Gusmão Carneiro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Sálvio de Figueiredo Teixeira, diretor da Escola Nacional de Magistratura.

            O referido anteprojeto de lei altera dispositivos do Código de Processo Civil, referentes a recursos e ao reexame necessário.

            Com ele, a redação do artigo 475 passaria a ser a seguinte :

            "Está sujeita ao duplo grau de jurisdição a sentença :

            I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

            II – que julgar procedentes os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública ( art.585, VI), com julgamento de mérito;

            § 1º - Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, poderá o presidente do tribunal avoca-los.

            § 2º - Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente ao de quarenta salários mínimos, bem como nos casos de procedência dos embargos do devedor na execução de divida ativa do mesmo valor.

            § 3º - Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em sumula ou jurisprudência dominante no tribunal de destino ou no tribunal superior.

            § 4º - O reexame necessário não impede o cumprimento provisório da sentença, salvo quando possa causar dano grave e de difícil reparação, caso em que, a requerimento da entidade de direito público, formulado quando da interposição de sua apelação, o juiz ou o relator poderá atribuir ao reexame também o efeito suspensivo"

            A exposição de motivos apresenta as seguintes justificativas :

            "Ainda se apresenta conveniente manter, no sistema processual brasileiro, o reexame necessário, (...) tendo em vista melhor preservar os interesses do erário, tutelando patrimônio que é, em ultima análise, de todos os cidadãos.

            Todavia, a bem da eficiência do processo, algumas alterações são alvitradas, a fim de :

            a)eliminar sua incidência nas ações anulatórias de casamento, pois nelas o reexame necessário não mais apresenta qualquer sentido, em sistema jurídico que passou a admitir o divorcio.

            b)Corrigir erro de técnica, substituindo a referencia à "improcedência da execução"de divida ativa da Fazenda, pela correta menção à "procedência dos embargos"opostos à execução da dívida ativa. Procedentes ou improcedentes são sempre os embargos do executado, não a execução propriamente dita, na qual o contraditório se apresenta mínimo;

            c)Eliminar o reexame nas causas de valor não excedente a quarenta salários mínimos, nas quais eventual defesa do erário não compensa a demora e a redobrada atividade procedimental que o reexame necessariamente impõe, sobrecarregando os tribunais. Os descalabros contra o erário acontecem, isto sim, nas demandas de grande valor;

            d) Também não se justifica o reexame quando a decisão impugnável estiver fundada em súmula ou jurisprudência firme do tribunal de destino ou de tribunal superior. Em tais casos, aliás, a própria Administração tem baixado instruções a seus procuradores dispensando a interposição de apelação, providencia essa todavia inoperante se for mantido o reexame de oficio;

            e)permitir a execução provisória, pendente o reexame, salvo nos termos do proposto § 4º, naquelas hipóteses em que da execução possa resultar dano grave e de difícil reparação, neste caso, a requerimento da entidade de direito publico, o juiz poderá atribuir ao reexame também o efeito suspensivo".

            Parece viável as alterações propostas por este anteprojeto de lei porque buscou o equilíbrio para o instituto da remessa necessária, eliminando o caráter protelatório e, preservando sua essência que é a proteção do interesse publico.

            A Fazenda, em virtude da complexidade dos serviços estatais, faz com que seus representantes no desempenho de suas funções processuais, enfrentem dificuldades das mais variadas formas, desde a instrução da contestação com as devidas provas, até a carga de serviço a que estão sujeitos.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSATI, Neide Aparecida. Remessa necessária no Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3256. Acesso em: 22 dez. 2024.

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