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O pensamento complexo e a ciência jurídica

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Agenda 21/04/2015 às 10:10

3. Conclusões

Neste breve exame do pensamento de Morin, após referência ao conceito de pensamento complexo, foi possível encontrar alguns pontos de encontro e também de desencontro entre o pensamento complexo e a ciência jurídica.

O contexto referido por Morin tem como fator fundamental o exame da cultura da comunidade onde as palavras e atos são manifestados, e a interferência da cultura da sociedade civil na possível descriminalização de tipo penal.

Quanto ao conhecimento das partes e também do todo, percebeu-se a relação desse entendimento com o conceito de interesse público, e também no pensamento do que se entende por indigenato, que implica nos desnudarmos do pensamento civilista ao qual estamos acostumados.

Foi possível ainda identificar a conexão entre o pensamento de Morin, afastando a ideia do homem como dominador da natureza, e a discussão atual das teorias antropocentrista e biocentrista, e a proposta de adoção de um antropocentrismo jurídico-constitucional ecológico, que não desconsidera o valor intrínseco da natureza, buscando a religação entre o ser humano e a natureza.

Por fim, analisou-se a ideia de vencer a especialização e o confronto com as necessidades atuais de especialização. Neste ponto, entendemos que a especialização é necessária, porém não pode representar isolamento face às demais disciplinas e ciências, conexão essa que o Direito Ambiental promove nas suas diversas relações que as demais disciplinas jurídicas e ciências diversas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade. Para uma teoria geral da política. Tradução: Marco Aurélio Nogueira - 14ª ed. - Editora Paz e Terra, 2007.

FENSTERSEIFER, Tiago. SARLET, Ingo Wolfgang. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Meio Ambiente. 3ª ed., ver., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

HOBSBAWM Eric. RANGER, Terence (orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico - 14ª ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução do francês: Eliane Lisboa - Porto Alegre: Ed. Sulina, 2005.

PASCAL, Blaise. Pensamentos. Ed. Ridendo Castigat Mores, 2002. Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/pascal.html. Consulta em 23/02/2014.

SILVA, José Afonso da. In Comentário Contextual à Constituição. 4ªed. São Paulo: Malheiros, 2007.


Notas

[1] Entender certos costumes como “desviantes” remonta à ideia de “nós” e “outros” e, consequentemente, do preconceito. Laraia (op. cit., ps. 72-74 e 101) refere que “O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais. O etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As autodenominações de diferentes grupos refletem este ponto de vista. Os Cheyene, índios das planícies norte-americanas, se autodenominavam "os entes humanos"; os Akuáwa, grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se "os homens"; os esquimós também se denominam "os homens"; da mesma forma que os Navajo se intitulavam "o povo". Os australianos chamavam as roupas de "peles de fantasmas", pois não acreditavam que os ingleses fossem parte da humanidade; e os nossos Xavante acreditam que o seu território tribal está situado bem no centro do mundo. É comum assim a crença no povo eleito, predestinado por seres sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças contêm o germe do racismo, da intolerância, e, frequentemente, são utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros. A dicotomia "nós e os outros" expressa em níveis diferentes essa tendência. Dentro de uma mesma sociedade, a divisão ocorre sob a forma de parentes e não-parentes. Os primeiros são melhores por definição e recebem um tratamento diferenciado. A projeção desta dicotomia para o plano extragrupal resulta nas manifestações nacionalistas ou formas mais extremadas de xenofobia. [...] Comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais. [...] Concluindo, cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir.”

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[2] Segundo o qual as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural.

[3] Segundo o qual as diferenças genéticas seriam determinantes das diferenças culturais.

[4] Questão interessante a respeito da mudança cultural e abolitio criminis. A tolerância da sociedade a respeito de certa conduta é capaz de descriminalizá-la? Por exemplo, a manutenção de estabelecimento em que ocorra prostituição é conduta tipificada no art. 229 do CP, no entanto inúmeras casas estão em funcionamento, inclusive com propagandas em rádio e até televisão, sem que ocorra reprimenda. Em ação penal movida no Rio Grande do Sul tanto o juízo de primeiro grau quanto o TJRS entenderam que “à sociedade civil é reconhecida a prerrogativa de descriminalização do tipo penal.” No entanto, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou sua jurisprudência no sentido de que nem a tolerância social e/ou das autoridades públicas e policiais é capaz de descriminalizar a conduta tipificada no artigo 229 do CP; a lei penal só pode ser suprimida por outra lei penal que a revogue; a indiferença ou tolerância social não excluem a ilicitude (REsp 820.406/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Rel. p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 05/03/2009, DJe 20/04/2009). Esse é o entendimento mantido pelo Superior Tribunal de Justiça até hoje, embora a sociedade e as autoridades sejam tolerantes quanto à existência dessas casas, pois a cultura atual é mais tolerante que no momento em que a conduta foi tipificada, e embora exista até mesmo projeto de lei objetivando regulamentar a profissão de prostituição (PL-4211/2011).

[5] Pascal, nascido em 1623, já havia formulado, antes de Morin (nascido em 1921), a necessidade de ligação das coisas, por mais afastadas que pareçam. Em sua obra “Pensamentos” afirmou que: “Portanto, todas as coisas, sendo causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediata e imediatamente, e todas entretendo-se por um laço natural e insensível que liga as mais afastadas e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, não mais que conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.”

Sobre os autores
Daniel Pinheiro Viegas

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, Procurador do Estado do Amazonas, lotado na Procuradoria Especializada do Patrimônio Imobiliário e Fundiário – PPIF-PGE/AM, Advogado.

Fabiano Buriol

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, Procurador do Estado do Amazonas, lotado na Procuradoria Especializada do Meio Ambiente – PMA-PGE/AM, Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Daniel Pinheiro; BURIOL, Fabiano. O pensamento complexo e a ciência jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4311, 21 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32564. Acesso em: 22 nov. 2024.

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