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O subsídio dos agentes políticos à luz da Emenda nº 19/98

Agenda 01/08/2000 às 00:00

Tema que tem gerado disputas judiciais diz respeito ao valor do subsídio dos agentes políticos, especialmente depois do advento da Emenda Constitucional nº 19/98.

Duas são as teses elencadas por aqueles que vêm ajuizando demandas contra Vereadores, Prefeitos e demais autoridades municipais, a saber:

a) a majoração do valor do subsídio dos agentes políticos teria sido inválida porque a Emenda 19/98 não seria auto-aplicável;

b) as leis municipais pertinentes ao assunto desatenderiam à Constituição e à Lei Orgânica porque determinaram o aumento do subsídio na mesma legislatura.

Esta argumentação (que também já foi desenvolvida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul) parece ser equivocada, por estar em desacordo com a melhor interpretação da Constituição da República.

Sabido é que "a Constituição de 1988, art. 29, incs. V, VI e VII, reafirmou a tradição, MUITO JUSTA, da remunerabilidade do mandato de Vereador, nos limites ali expressos, ao dispor que a remuneração dos Vereadores, fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura, para a subseqüente, corresponderá a, no máximo, setenta e cinco por cento daquela estabelecida, em espécie, para os Deputados Estaduais, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III e 153 § 2º, I, mas o total da despesa com a remuneração dos Vereadores não poderá ultrapassar o montante de cinco por cento da receita do Município. O TEXTO NÃO CONFERE UMA SIMPLES FACULDADE. CONFERE UM DIREITO, AO DETERMINAR QUE A REMUNERAÇÃO CORRESPONDERÁ A, NO MÁXIMO, SETENTA E CINCO POR CENTO DA ESTABELECIDA PARA OS DEPUTADOS ESTADUAIS. O DIREITO DECORRE DA PRÓPRIA NORMA CONSTITUCIONAL, NÃO MAIS COMPORTA LEI COMPLEMENTAR QUE O ESTABELEÇA, COMO SE EXIGIA NO SISTEMA CONSTITUCIONAL REVOGADO" (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Manual do Vereador", Malheiros, 1997, 3ª ed., p. 76, sem destaques no original).

Fazendo valer este direito que pertence aos Vereadores, determinada Câmara deliberou em majorar os subsídios dos agentes políticos locais, valendo-se da nova redação dada pela Emenda 19/98 a boa parte dos dispositivos contidos no art. 37 da Constituição.

Convém que se diga, desde logo, que os valores que os Vereadores vêm recebendo não podem, de forma alguma, serem considerados desarrazoados, desproporcionais, excessivos ou ilícitos, porque todas as regras constitucionais previstas na Lei das Leis foram observadas (especialmente aquelas arroladas no seu art. 29, a saber: a) o subsídio foi fixado em parcela única por lei de iniciativa da Câmara de Vereadores, b) o limite de 75% do subsídio dos Deputados Estaduais não foi desrespeitado e c) o limite de 5% da receita municipal também vem sendo rigorosamente observado).

Fato é que os autores da tese contrária à nossa poderiam ter interpretado o tema da fixação do subsídio dos agentes políticos sem olvidar do magistério dos doutos, que afirmam, em uníssona voz, que "a idéia de efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamente recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo nos últimos tempos. Ligada ao fenômeno da juridicização da Constituição, e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa, a efetividade merece capítulo obrigatório na interpretação constitucional. OS GRANDES AUTORES DA ATUALIDADE REFEREM-SE À NECESSIDADE DE DAR PREFERÊNCIA, NOS PROBLEMAS CONSTITUCIONAIS, AOS PONTOS DE VISTA QUE LEVEM AS NORMAS A OBTER A MÁXIMA EFICÁCIA ANTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE CADA CASO" (LUÍS ROBERTO BARROSO, "Interpretação e Aplicação da Constituição", Saraiva, 1996, p. 218, sem destaque no original).

Como se sabe, O DIREITO EXISTE PARA REALIZAR-SER, não fugindo o direito constitucional a esse desígnio, não se devendo concluir pela ausência de força normativa da Constituição quando existe a possibilidade de interpretar o Texto Constitucional de forma a extrair do mesmo toda sua pujança normativa. Ou seja: havendo a possibilidade de interpretar determinada norma constitucional de forma a considerá-la auto-aplicável ou de aplicabilidade imediata e integral, não há porque optar por caminho diverso, que sempre será considerado pobre e insuficiente para atender à noção de FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO.

Interpretar os novos dispositivos constitucionais surgidos com a Emenda 19/98 de forma a concluir pela não-auto-aplicabilidade dos mesmos é desmerecer e desconsiderar a necessidade de interpretá-los de modo mais eficiente, extraindo a máxima eficácia possível de normas jurídicas instaladas na Constituição Federal.

IVAN BARBOSA RIGOLIN, conhecido especialista em direito administrativo, escrevendo sobre o tema em abordagem ("Subsídios de vereadores na EC nº 19/98 – limites. A fixação por lei pode ser a qualquer momento"), sustentou a plena possibilidade da majoração que acabou sendo efetivada pela Câmara. Veja-se a lição do mestre:

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     "Quanto, enfim, à última questão suscitada, sobre a possibilidade de alteração, a qualquer momento desde o advento da EC nº 19/98, essa possibilidade parece existir, a toda evidência.

"Os limites remuneratórios do Vereador, sendo sempre localizados abaixo - e bem abaixo – do teto constitucional, e que será legal em breve, ao que tudo indica, relativo ao subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal, e sendo conhecida a remuneração atual daqueles Ministros (R$ 10.800,45, segundo declaração da Sr.ª Diretora Geral do STF, datada de 1º de julho de 1998), não existe razão alguma que impeça a fixação, por lei municipal em cada Município brasileiro, e já neste momento em que os parâmetros limitadores são conhecidos, da remuneração dos mesmos Vereadores. Nada, em absoluto, o impede.

(...)

"Quando o E. STF por maioria manifestou administrativamente entender que não se aplica desde já o artigo da emenda que manda que o novo teto remuneratório seja desde logo aplicado, já em 5 de junho de 1998, parece ter revogado a emenda constitucional, com apenas 21 dias de existência.

     (...)

"A decisão, por administrativa que seja – custa crer que judicialmente a mesma maioria de Ministros teria coragem suficiente para manter aquela deliberação -, já que contraria, um a um, todos os princípios, os cânones e as regras, abstratas ou concretas, de mera leitura – nem se fale em interpretação – de textos jurídicos. Não tem o menor pé nem cabeça, e o que todos no País desejam é que seja extirpada – algo como raspada com estilete – o mais breve possível da história do augusto sodalício, porque o submete a uma humilhação imerecida.

"O que precisava o Supremo Tribunal Federal ter procedido era simplesmente declarar a remuneração dos seus Ministros, podendo en passant informar que a Constituição transformou a denominação daquela remuneração para subsídio – e nada mais, nada além disso".

Posicionamento idêntico é o adotado pelo Juiz Catarinense CESAR AUGUSTO MIMOSO RUIZ ABREU, que tratou da forma como segue do tema "Reforma Constitucional –- Auto-Aplicabilidade" (Revista "In Verbis", Caderno de Estudos, número 12, junho/98, p. 181/188):

          "A eficácia é plena e imediata em relação aos valores a serem pagos, porque já existe legislação ordinária prevendo a remuneração dos ocupantes de cargos, no âmbito dos diversos Poderes. A maior soma das atuais parcelas remuneratórias percebidas pelos Ministros do STF constitui, hoje, o teto mínimo dos atuais subsídios a serem futuramente fixados.

"Assim, a atuação do legislador ordinário é necessária tão-somente para estabelecer os limites máximos para a percepção dos subsídios, mas não para impedir o pagamento de subsídios com base nos valores já previamente ficados por legislação infraconstitucional anterior.

(...)

"É conhecida a lição de hermenêutica de que não se há de privilegiar a interpretação que leva à retirada da aplicabilidade das normas, tanto infraconstitucionais quanto constitucionais, especialmente destas últimas, sendo prevalecente e imperiosa a exegese que leva a atribuir a cada uma das normas jurídicas a maior eficácia possível".

É de idêntico entendimento a Professora DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI, da PUC/SP, que considera ser de EFICÁCIA PLENA e APLICABILIDADE IMEDIATA o inciso XI do art. 37 da Constituição, não dependendo, referido dispositivo, de qualquer espécie de regulamentação ("Remuneração dos Servidores", Boletim de Direito Administrativo, dezembro/98, p. 800).

A conclusão a que se deveria chegar, segundo ainda aquela professora da PUC/SP, é no sentido de que "com a promulgação da Emenda converte-se automaticamente em subsídio a soma das parcelas percebidas pelos Ministros do STF para efeito de teto" (ob. cit., p. 800, último parágrafo da esquerda).

É absolutamente importante constatar, inclusive, que o E. STF, não em decisão "administrativa" mas analisando judicialmente o tema em discussão antes da Emenda 19/98, veio a considerar, em mais de uma oportunidade, que A QUESTÃO DO TETO REMUNERATÓRIO VINHA PREVISTO EM NORMA JURÍDICA DOTADA DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA (cf. RMS nº 21.840-SF, DJ 4.11.94, Rel. Min. Marco Aurélio; ADIn nº 1.590-SP, DJ 15.8.97, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), tal como isto vem indicado no texto da jurista acima citada (nota de rodapé nº 21). Por que então desconsiderar a jurisprudência do próprio STF (que destacou a evidente força normativa imediata de dispositivo constitucional idêntico ao que está sendo objeto de questionamento) e se apegar a decisão meramente administrativa, violadora de tudo que se tem de bom e valioso no regime jurídico pátrio ?

A interpretação que se adota se vê ainda mais reforçada a partir do conhecimento exato da decisão tomada pelo STF, conforme se vê do que consta da Ata da 3ª Sessão Administrativa daquele Tribunal, de 24-6-1998, "in verbis":

          "O Supremo Tribunal Federal, reunido em Sessão Administrativa, deliberou por 7 votos a 4, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Ilmar Galvão, que não é auto-aplicável a norma constante do art. 29 da Emenda Constitucional n.º 19/98, por entender que essa regra depende, para efeito de sua plena incidência e integral eficácia, da necessária edição de lei, pelo Congresso Nacional, lei essa que deverá resultar de projeto de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente da Câmara dos Deputados, do Presidente do Senado Federal e do Presidente do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal, nessa mesma Sessão Administrativa, entendeu que, até que se edite a lei definidora do subsídio mensal a ser pago a Ministro do Supremo Tribunal Federal, prevalecerão os três (3) tetos estabelecidos para os Três Poderes da República, no art. 37, XI, da Constituição, na redação anterior ‘a que lhe foi dada pela EC 19/98, vale dizer: no Poder Executivo da União, o teto corresponderá à remuneração paga a Ministro de Estado; no Poder Legislativo da União o teto corresponderá ‘a remuneração paga aos Membros do Congresso Nacional; e no Poder Judiciário, o teto corresponderá ‘a remuneração paga, atualmente, a Ministro do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal, na Sessão Administrativa hoje realizada, declarou que não dispõe de competência, para, mediante ato declaratório próprio, definir o valor do subsídio mensal. Essa é matéria expressamente sujeita ‘a reserva constitucional de lei em sentido formal".

Ora, da própria decisão administrativa celebrada por aqueles que adotam tese diferente da nossa, especialmente do trecho acima destacado, é possível concluir pela correção da majoração procedida no valor dos subsídios, POIS SE ESTÁ A OBSERVAR, RIGOROSAMENTE, AO TETO ANTERIORMENTE ESTABELECIDO POR LEI.

Já quanto à deliberação do Tribunal de Contas, só se pode dizer ser ela errada, merecendo, inclusive, impugnação judicial, de vez que não atende à correta interpretação da Emenda 19/98. Ademais, não compete ao Tribunal de Contas, como se sabe, determinar ou impor esta ou aquela conduta, em razão de ser ele órgão apenas AUXILIAR do Legislativo (cf. art. 71 da CF/88), tratando-se de órgão com funções administrativas, emitindo decisões amplamente contrastáveis pelo Judiciário.

Também deve ser repudiada a interpretação dada ao tema de que só se poderia majorar o valor do subsídio por lei municipal votada no ano anterior. Ora, sabendo-se que as normas veiculadas pela Emenda 19/98 são auto-aplicáveis, cai por terra essa tese. Os próprios autores daquela tese reconhecem que o Constituinte reformador suprimiu a exigência de que a fixação do subsídio se desse de uma legislatura para outra (é o que se vê da nova redação dada ao inciso V do art. 29 da CF/88, tendo sido suprimida a expressão "em cada legislatura, para a subsequente").

Antes mesmo de adaptar a Constituição Estadual e a Lei Orgânica Municipal a esta nova realidade normativa, de imediato já ocorre a incidência dos novos dispositivos constitucionais, até porque o máximo que poderá fazer o constituinte estadual e o municipal é REPETIR a norma positivada na Carta Magna Federal.

Análise neste mesmo sentido vem sendo produzida pela melhor doutrina, "in verbis":

"As normas introduzidas pela Emenda são, em sua maioria, cogentes para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Naquilo que as Constituições Estaduais contrariarem a Emenda, elas ficarão implicitamente revogadas.

"Como a maior parte das normas da Emenda remete a disciplina legal à lei de cada um dos níveis de Governo, essas leis independem de alterações das Constituições Estaduais, até porque estas não podem estabelecer nada diferente do que se contém na Emenda" (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "O que muda na remuneração dos servidores ?", Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Juruá, vol. 2, p. 77).

Também deve ser considerado que o valor atual dos subsídios já está incorporado aos orçamentos pessoais dos Vereadores, pois assumiram a natureza de verba alimentar. Sendo assim, a não ser que se queira invalidar uma situação juridicamente consolidada, não há como atender ao pedido dos que vêm propondo medidas judiciais (no sentido de serem devolvidos os valores recebidos supostamente a maior), tudo porque isto significaria LOCUPLETAMENTO DO PODER PÚBLICO LOCAL À CUSTA DO TRABALHO ALHEIO (cf. RJTJESP-Lex 157/9).


Por tais motivos, parece-nos correta a fixação do subsídio de agentes políticos à luz do que veio estabelecido pela Emenda nº 19/98, sendo ela auto-aplicável, gerando efeitos jurídicos imediatamente após a publicação, independendo, inclusive, de adaptação da Constituição Estadual e da Lei Orgânica Municipal.

Sobre o autor
André Luiz Borges Netto

advogado constitucionalista em Campo Grande (MS), professor universitário, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES NETTO, André Luiz. O subsídio dos agentes políticos à luz da Emenda nº 19/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/326. Acesso em: 22 dez. 2024.

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