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Inconstitucionalidade da criação e majoração dos tributos por medidas provisórias

Agenda 28/04/2015 às 16:33

Demonstra-se que medida provisória não é instrumento hábil para criar e/ou majorar tributos, embora haja autorização da Constituição.

As medidas provisórias têm previsão constitucional no artigo 62 da Constituição Federal.

Art. 62 – Em casos de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Pela leitura do artigo 62 da Constituição Federal, as medidas provisórias devem ser editadas pelo Chefe do Poder Executivo em casos de relevância e urgência tendo força de lei. Ressaltando que a Constituição Federal é clara em informar que somente com a ocorrência concomitante dos requisitos da relevância e urgência será autorizado ao Chefe do Poder Executivo editar medida provisória.

Após a edição da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, ocorreu a alteração da regra constitucional referente a edição das medidas provisórias. Ademais, após a Emenda 32, o parágrafo 2º, do artigo 62, da Constituição Federal, passou a autorizar a instituição e majoração de tributos por meio das medidas provisórias.

Assim dispõe o parágrafo 2º, do artigo 62 da Constituição Federal:

§ 2º - Medida provisória que implique instituição e majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

Saliente-se que a medida provisória esta autorizada somente a instituir e majorar tributos que dependam de lei ordinária, sendo que os tributos que reclamem lei complementar é vedado a criação e a majoração por meio de medida provisória.

Referente ao tema são os comentários de Luciano Amaro:

As medidas provisórias têm força de lei ordinária, não lhes competindo matérias que reclamem outros tipos normativos, como a lei complementar, insuscetível de substituição pela medida provisória. A Emenda n. 32 deixou expressa essa vedação (na nova redação dada ao art. 62, § 1º, III). (Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição, 2005, pag.174)

Ressalta-se que apesar do parágrafo 2º, do artigo 62, da Carta Magna referir que as medidas provisórias podem instituir e majorar impostos, o entendimento doutrinário está consolidado no sentido de que houve uma atecnia por parte do constituinte derivado ao inserir a palavra impostos, pois na verdade deveria estar escrito tributos.

Dessa forma, a doutrina utilizando-se da interpretação teleológica afirma que o parágrafo 2º, na realidade refere-se a todas as espécies tributárias e não apenas aos impostos.

Neste sentido, são os ensinamentos de Hugo de Brito Machado ao referir-se sobre a aplicação do princípio da anterioridade aos impostos, taxas e contribuições criados por medida provisória.

A norma de § 2º do art. 62 da Constituição Federal, introduzida pela Emenda n. 32, que exige lei do exercício anterior para autorizar a cobrança dos impostos sujeitos ao princípio da anterioridade, tem natureza meramente interpretativa. O Congresso Nacional apenas disse o que deveria ter dito há muito tempo pelos tribunais, especialmente pela Corte Maior. Assim, aplica-se também às taxas e contribuições sujeitas ao princípio da anterioridade nos termos do art. 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal. (Curso de Direito Tributário. 28ª edição, 2007, pag.112).

Diante disso, mostra-se evidente que o parágrafo 2º, do artigo 62, da Carta Magna autorizou que medida provisória crie e aumente tributos por meio de medida provisória.


POSIÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE A APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

A doutrina pátria não é pacífica com relação a aplicação das medidas provisórias em matéria tributária, sendo assim parte da doutrina não aceita a instituição ou majoração de tributos por meio de medida provisória, enquanto outros afirmam ser válida a criação e majoração de tributos utilizando-se as medidas provisórias.

Consoante os ensinamentos de Roque Antônio Carraza as medidas provisórias não podem ser consideradas lei, pois na verdade são atos administrativos, latu sensu, as quais são dotadas de alguns atributos da lei, e que são expedidas pelo Presidente da República nos casos de relevância e urgência que são os requisitos exigidos pelo Texto Magno para sua utilização pelo Presidente da República.(Curso de Direito Tributário, 28ª edição, 2012, pag. 301).

Entretanto, para Humberto Ávila a medida provisória não pode ser considerada ato administrativo, pois o ato administrativo tem como finalidade precípua dar fiel execução à lei, conforme estabelece o artigo 84, IV, da Carta Magna Federal. Dessa forma, a medida provisória é na verdade um ato normativo que inclusive está submetida ao controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e que tem eficácia normativa provisória, a qual é condicionada a eficácia plena após sua conversão em lei. (Sistema Constitucional Tributário, 4ª edição, 2010, pag. 126-127).

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Também assevera Hugo de Brito Machado que por ter força de lei é dado à medida provisória o poder de criar e majorar tributos. Dessa forma, segundo este doutrinador as medidas provisórias estão sim autorizadas a criar e majorar tributos, não se falando em desrespeito ao princípio da legalidade tributária.(Curso de Direito Constitucional Tributário, 28ª edição, 2007, pag.105).

Referente ao tema em comento segue o entendimento do renomado doutrinador:

Mesmo antes da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, respondemos dita questão afirmativamente, por entendermos que a medida provisória com força de lei pode tudo que a lei pode. A não ser assim, na verdade não terá força de lei. Apenas para os casos expressamente estabelecidos pela Constituição é que não são admitidas as medidas provisórias. Com a Emenda Constitucional nº 32/2001, tal questão deixou de existir. As medidas provisórias podem, sim, instituir e aumentar tributos, mas a rigor apenas implicam caminho para obtenção, pelo Poder Executivo, da manifestação do Congresso Nacional, pois a correspondente aplicação só é possível depois de convertidas em lei.(Direitos Fundamentais do Contribuinte, 2009, pag. 46).

Aí estão alguns argumentos de doutrinadores que entendem ser aplicável as medidas provisórias em matéria tributária.


 POSICIONAMENTO CONTRÁRIO À APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Em que pese parte da doutrina e o Supremo Tribunal Federal aceitarem as medidas provisórias como ato capaz de disciplinar matéria tributária, importante destacar o posicionamento do doutrinador Roque Antônio Carraza no que se refere à impossibilidade de ocorrer a criação e majoração de tributos por meio das medidas provisórias.

Roque Antônio Carraza faz duras críticas à Emenda Constitucional 32/2001, pois de acordo com este doutrinador a aplicação das medidas provisórias na tributação torna-se uma afronta ao princípio da legalidade tributária e consequentemente aos princípios da autonomia e independência do Poder Legislativo. Assim, viola o artigo 60, § 4º, III, o qual estabelece que nenhuma emenda constitucional poderá abolir a separação dos Poderes. Além disso, também viola o artigo 60, §4º, IV, da Constituição Federal, que trata das garantias e direitos fundamentais, quando afirma constituir estes, núcleo intocável pelo Poder Reformador, as denominadas cláusulas pétreas.(Curso de Direito Constitucional Tributário, 28ª edição, 2012, pag. 306).

Ademais, mesmo que o artigo 62, parágrafo 2º, da Constituição Federal autorize a criação e majoração de tributos por medida provisória é necessário a observância do princípio da anterioridade, excetuando-se o imposto sobre a importação, imposto sobre a exportação, imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários e os impostos extraordinários, previstos respectivamente no artigo 153, I, II, IV e V e artigo 154, II, da Constituição Federal.

Sendo assim, a maioria dos tributos criados ou majorados por meio de medida provisória somente podem ser exigidos se esta for convertida em lei em até 90 (noventa) dias antes do término do exercício financeiro, observando-se assim o princípio da anterioridade nonagesimal.

Desta forma, poderá ocorrer uma grande insegurança jurídica ao contribuinte, pois este não saberá se deverá cumprir a lei ou o estabelecido pela medida provisória.

As medidas provisórias são atos reversíveis e precários, pois é um ato do Chefe do Executivo que pode ser revertido, caso não seja aprovada pelo Congresso Nacional, por isso a medida provisória é dotada de precariedade, o que põe em risco a segurança jurídica do contribuinte, desrespeitando também o princípio da não surpresa.

Assim, é evidente que a medida provisória não é lei, mas somente transmuda-se em lei quando ratificada pelo Congresso Nacional.

As medidas provisórias como expressamente indicado na Constituição Federal somente poderão ser editadas em casos de relevância e urgência, devendo ambos os requisitos ocorrer simultaneamente.

Neste caso, a urgência deve ser de tal relevância ao ponto de não poder esperar o prazo de cem dias estabelecidos para a criação da lei ordinária no regime de urgência, consoante dispõe o artigo 64, § 1º a 3º, da Magna Carta Federal.

Assim, mostra-se a ineficácia da criação do tributo por medida provisória, pois o requisito da urgência não será atendido, haja vista que a maioria dos tributos devem respeitar o princípio da anterioridade o que implica a sua cobrança somente no exercício financeiro subseqüente, sendo assim mais viável a criação de uma lei ordinária no regime de urgência. 

Além disso, também os impostos que não estão sujeitos ao princípio da anterioridade, quais sejam, o imposto de importação, imposto sobre a exportação, impostos sobre produtos industrializados e o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários, previstos no artigo 153 I, II, IV e V, em regra não deveriam ser aumentados por medida provisória, pois para estes impostos o constituinte estabeleceu meio mais eficaz, qual seja, a modificação de suas alíquotas por ato do Chefe do Poder Executivo desde que atendidos os limites e condições estabelecidos em lei, consoante autorização do artigo 153, §1º da Carta Magna.

Art. 153 – Compete a União instituir impostos sobre;

(...)

§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos, I, II, IV e V.

Roque Antônio Carraza afirma que se estes impostos pudessem ser majorados por medida provisória o §1º, do artigo 153, da Constituição Federal perderia a razão jurídica de existir, pois não teria sentido ser concedido ao Chefe do Executivo alterar as alíquotas dos referidos impostos.(Curso de Direito Constitucional Tributário, 28ª edição, 2012, pag. 315).

Também não se mostraria razoável a criação ou aumento dos impostos extraordinários por medida provisória, haja vista que a criação destes impostos somente ocorrerão após a decretação do Estado de Sítio, sendo que estes impostos não são submetidos a anterioridade genérica nem a anterioridade nonagesimal. Assim , basta a declaração do Estado de Sítio para que se autorize a criação ou majoração deste imposto.

Por fim, outro fator relevante que se deve levar em conta  é a questão de se respeitar os limites estabelecidos pela Constituição Federal no que diz respeito a intromissão do Poder Executivo em matéria de competência exclusiva do Poder Legislativo, tendo em vista que o Poder Legislativo é quem representa o povo e somente com o consentimento do povo mesmo que de forma indireta poderá ser criado ou majorado tributo.


 INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA Nº 32/2001

Sabe-se que o Poder constituinte derivado esta consagrado na Constituição Federal em duas espécies, o reformador e o decorrente.

O poder constituinte derivado decorrente é aquele garantido aos Estados -Membros da Federação para elaborarem e criarem suas Constituições Estaduais, porém, respeitando-se o artigo 60 da Magna Carta Federal.

Já o poder constituinte derivado reformador é aquele que autoriza a modificação da Constituição Federal por meio de Emendas à Constituição que será votada pelo Congresso Nacional.

Dessa forma, diverso do poder constituinte originário, que é aquele que elabora e cria uma nova Constituição e que por isso não sofre nenhuma limitação, o poder constituinte derivado, tanto o decorrente como reformador estão sujeitos a conter vícios os quais podem implicar em sua inconstitucionalidade.

Neste passo, por ser a Emenda à Constituição um ato do poder constituinte derivado reformador, pode sim, estar eivada do vício da inconstitucionalidade.

Neste sentido são os ensinamentos de José Afonso da Silva.

Discute-se, em doutrina, sobre os limites do poder de reforma constitucional. É inquestionável um poder limitado, porque regrado por normas da própria Constituição que lhe impõem procedimento e modo de agir, dos quais não pode arredar sob pena de sua obra sair viciada, ficando mesmo sujeita ao sistema de controle de constitucionalidade. Esse tipo de regramento da atuação do poder de reforma configura limitações formais, que podem ser assim sinteticamente enunciadas: o órgão do poder de reforma (ou seja, o Congresso Nacional) há de proceder nos estritos termos expressamente estatuídos na Constituição. (Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição, 2003, pag. 65)

Dessa forma, há de se discutir a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 32/2001, isto porque se o próprio constituinte originário estabeleceu o princípio da legalidade tributária, informando que somente por lei se pode criar e/ou aumentar tributos, não pode aqui o constituinte derivado fazer interpretação analógica comparando-se medida provisória à lei em seu sentido restrito, apta a instituir e majorar tributos.

Neste sentido também é o entendimento de Roque Antônio Carraza.

“O que se nota, prima facie, é que o constituinte derivado investiu-se das prerrogativas de constituinte originário e, sem a menor cerimônia, “reconstruiu, a seu talante, a figura da medida provisória.”(Curso de Direito Constitucional Tributário, 28ª edição, 2012, pag. 304).

Nesta senda, é aceitável que a Emenda Constitucional nº 32 de 2001 esteja inquinada com o vício da inconstitucionalidade, tendo em vista que em matéria tributária deve-se respeitar o princípio da legalidade tributária, devendo assim ser vedada a aplicação de medida provisória como ocorre em matéria penal.


 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto chega-se à conclusão de que a aplicação das medidas provisórias para instituição e majoração de tributos há muito vem causando discussões sobretudo doutrinárias, pois para parte da doutrina esta via mostra-se possível, já para outros renomados doutrinadores as medidas provisórias  causam na verdade um desrespeito ao princípio da legalidade tributária e uma afronta aos direitos fundamentais, e, até, mesmo, desrespeito as cláusulas pétreas, nos termos do artigo 60, § 4º, III e IV.

Mesmo que haja expressa aceitação autorizada pela Emenda Constitucional 32 de 2001 e por parte da doutrina, para que as medidas provisórias atuem em matéria tributária é necessário a observância principalmente dos princípios que norteiam o direito tributário.

Neste passo, há de se observar que ao conceder ao Chefe do Poder Executivo o poder de criar tributos ou majorá-los além de ferir o princípio da legalidade tributária, ocasiona por via de regra uma grande insegurança jurídica. Isto porque as medidas provisórias são tanto reversíveis como precárias, podendo a qualquer momento ser rejeitada pelo Congresso Nacional e dessa forma, prejudicar os contribuintes que se viram obrigados a pagar um tributo que teve uma eficácia provisória.

Ademais, a Constituição Federal garantiu meios mais eficazes em casos que demandem urgência, como no caso da mudança de alíquotas pelo Chefe do Executivo consoante o disposto no artigo 153, § 1º, da Constituição Federal.

Além disso, pelo fato da maioria dos tributos sujeitarem-se ao princípio da anterioridade, a urgência determinante para a criação e majoração do tributo não será atendida, haja vista ter que se esperar pelo menos os noventa dias para que se chegue ao exercício financeiro subseqüente, sendo mais viável assim que se utilize a lei ordinária em regime de urgência para tal mister.

Por outro lado, a delegação ao Poder Executivo para criar e majorar tributos mostra-se um verdadeiro desrespeito ao sistema da tripartição de Poderes, tendo em vista que é assegurado constitucionalmente ao Poder Legislativo como representante do povo criar a lei, podendo inclusive ser discutida a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 32/2001.

Diante disso, mostra-se totalmente equivocada e perigosa ao contribuinte o poder concedido ao Chefe do Executivo para criar e majorar tributos sem a necessidade da observância do princípio da legalidade tributária, pois causa-se uma verdadeira insegurança jurídica aos contribuintes.

Sendo assim, o inconveniente da aplicação das medidas provisórias em sede de direito tributário deverá ser revisto, a fim de trazer ao contribuinte uma maior segurança jurídica.


BIBLIOGRAFIA

 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição, revista e atualizada. Editora Saraiva. São Paulo, 2005.

ÁVILA, Roberto. Sistema Constitucional Tributário. 4ª edição, Saraiva, 2010.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 28ª ed. rev e atual. Malheiros, 2012.

 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição. Editora Malheiros. Fortaleza, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros, 22ª edição. São Paulo, 2003.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Pablísia Souza. Inconstitucionalidade da criação e majoração dos tributos por medidas provisórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4318, 28 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32670. Acesso em: 22 dez. 2024.

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