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A inconstitucionalidade do Protocolo 21 sob a óptica da jurisprudência do STF e da Constituição Federal de 1988

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Agenda 12/06/2015 às 15:33

3. ANÁLISE DA TENDÊNCIA JURISPRUDENCIAL DO STF

Feita a análise do Protocolo 21 pretende-se agora ponderar em que sentido pende a jurisprudência do STF no que tange a essa matéria.

Desde já se adverte que a matéria é tema de enumeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), uma vez que tanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), quanto os Estados que se sentiram prejudicados impetraram ADIs contra esse protocolo e as leis estaduais que instituíram os diferenciais de alíquotas.

Ocorre que, embora seja grande o número de Ações Diretas de Inconstitucionalidade impetradas, nenhuma delas teve seu mérito julgado até o presente momento. Sendo assim, pretende-se mostrar como o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) tende a julgar o caso.

Para demonstrar tal tendência foram escolhidas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4565 MC/PI e 4642/MS, uma vez que na primeira fora concedida Medida Cautelar contra a lei piauiense 6.041/2010 que tentou alterar as alíquotas do ICMS[10], e a segunda em razão do parecer do Ministério Público Federal contrário a essas alterações.

Ressalta-se ainda que não se buscará repetir os argumentos que já foram observados no tópico anterior e sim indicar e ponderar sobre novos nortes apontados nessas duas ADIs.

3.1. Ofensa à liberdade de tráfego de bens e pessoas (arts. 150, V e 152 da Constituição)

O primeiro desses novos argumentos suscitados pelo STF consiste na ofensa ao princípio da liberdade de tráfego, que se encontra consagrado no art. 150, V. da Carta Magna[11] e que de acordo com Melo (2008, p. 36), caracteriza-se por ser:

[...] reafirmação do princípio federativo, coibindo a exigência de gravames tributários que acarretem o impedimento da livre circulação entre os Estados e Municípios, sendo que o seu destinatário é o legislador respectivo, não podendo ser criada uma autêntica barreira fiscal, como é o caso de dificultar a livre movimentação física de bens e pessoas, mediante a imposição de substanciais ônus de ICMS.

Sucede que os Estados, ao alterarem as alíquotas do ICMS, passaram a exigir o pagamento das mesmas e a reter as mercadorias nos postos fiscais só liberando-as após o pagamento do valor sugerido pelo Estado como aponta o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (2011, p. 5) no voto do Ministro Joaquim Barbosa proferido na Medida Cautelar da ADI 4.565 MC/PI.

Essas medidas praticadas por esses Estados acabam ainda por ofender aquilo que Carvalho (2011, p. 218) consagra como sendo o princípio da não discriminação tributária em razão da procedência ou destino dos bens, que se encontra previsto no art. 152, da CF[12], e que segundo o autor caracteriza que:

[...] as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para onde se destinam. Em consonância com essa regra constitucional (art. 152), a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação das alíquotas e base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Assim, essas ofensas, acarretam primeiramente, o impedimento ao livre tráfego de bens entre os Estados, causando o que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (2011, p. 5) chama de “reforço entre as fronteiras legais”, uma vez que se retêm nas divisas estaduais os produtos oriundos de outros Estados, e também geram a discriminação tributária das mercadorias produzidas nos Estados não signatários do Protocolo 21 – basicamente os localizados na região Sul e Sudeste – à medida que se exige desses um pagamento maior de ICMS, como se demonstrará adiante, ao passo que para o bem produzido dentro do Estado ocorrerá apenas a cobrança da alíquota constitucionalmente prevista, não ocorrendo assim a majoração do tributo nem a sua retenção pela autoridade fiscal competente.

Nesse mesmo sentido já se manifestou o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (2011, p. 9) no parecer nº 5849/RG proferido na ADI 4.642, ao dispor que:

Nos mesmos vícios incorrem os dispositivos ora impugnados, uma vez que instituem a cobrança de ICMS sobre a entrada, no território sul-mato-grossense, de bens ou mercadorias destinadas a consumidor final, pessoa física ou jurídica não inscrita no Cadastro de Contribuintes do Estado, bem como fixam suas alíquotas. As normas contestadas violam, portanto, os dispostos nos artigos, 1º, 18, 150, V; 152; 155 §2º, IV e VII, todos da Constituição da República.

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Portanto, seja pela instituição do diferencial de alíquota do ICMS, como faz o Protocolo 21 e os decretos que o ratificam em cada Estado, ou pela edição de leis estaduais que criam outras alíquotas e percentuais, como ocorre na lei piauiense, estar-se-á afrontando os princípios da não discriminação tributária e da liberdade de tráfego. 

3.2. Duplicidade de incidência (bitributação – art. 155, § 2º, VII, b da Constituição) e caráter confiscatório

Outro aspecto apontado pelo STF e que merece ser analisado diz respeito à duplicidade de incidência do tributo, pois o ICMS, tanto na lei piauiense, como no Protocolo 21 será cobrado no Estado de origem da operação bem como no de destino.

Essa bitributação como leciona Xavier (2010, p. 21) caracteriza-se por ser:

[...] um conceito com que no Direito Tributário se designam os casos de concursos de normas.

Como se sabe, há concurso de normas quando o mesmo fato  se integra na previsão de  duas normas diferentes. Assim, há concurso de normas em Direito Tributário quando o mesmo fato se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias matérias distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto. (grifo do autor)

Todavia, Melo (2008, p. 153) destaca que a existência de competência constitucional para a criação e cobrança do tributo impede a ocorrência da bitributação. A partir dessa premissa verifica-se ser inconstitucional a cobrança do ICMS pelos Estados de destino das mercadorias, quando o destinatário do bem for consumidor final e não contribuinte. Isso ocorre, visto que a Constituição apenas instituiu competência para o Estado “remetente” cobrar o ICMS.

Ressalta-se que jamais poderia o protocolo ou lei modificar a competência tributária, pois como visto em tópico acima, a Constituição é a lei maior, devendo todas as demais leis guardar observância a ela. 

No plano dos efeitos verifica-se que a bitributação acarreta a majoração do tributo, isso ocorre quando se analisa a transação realizada entre um Estado não signatário do protocolo e outro que o ratificou. Isso porque aquele não abrirá mão de aplicar a alíquota interna, que foi constitucionalmente estabelecida. Por seu turno, o Estado destinatário buscará utilizar o diferencial de alíquota, usando como meio coercitivo a retenção das mercadorias.

Para exemplificar tal majoração utilizar-se-á o exemplo dado na petição inicial da ADI 4628 proposta pela CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO (2011, p. 19) em que simula a venda de um bem no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) do Estado de Santa Catarina (não signatário do Protocolo 21) para o Estado da Paraíba (que ratificou o protocolo), sendo assim temos:

Conforme previsão constitucional (art. 155, VII, “b”)

Conforme ocorrerá por conta do Protocolo ICMS nº. 21/2011

Base de cálculo: 1.000

Base de cálculo: 1.000

Alíquota interna de Santa Catarina: 17%

Alíquota interna de Santa Catarina: 17% + Diferença entre a alíquota interna da Paraíba e o percentual previsto no inciso I da Cláusula Terceira do Protocolo: 10% (17% - 7% = 10%)

Valor devido de ICMS ao Estado de origem: R$ 170,00

Valor do ICMS total devido: R$ 170,00 (ICMS de Santa Catarina) + R$ 100,00 (ICMS da Paraíba) = R$ 270,00

A partir desse quadro comparativo, observa-se que existirá um notável acréscimo no valor do ICMS a ser pago de acordo com a sistemática dada pelo Protocolo 21. Em termos percentuais haverá, como apontado na inicial da CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO (2011, p. 20), um aumento de 58,82%.

Demonstrada à majoração do tributo, nessa hipótese, confirma-se, como explicitado no tópico 3.1. que o Protocolo 21 acaba por afrontar os princípios da não discriminação tributária e da liberdade de tráfego, isso porque, se majora apenas os tributos oriundos dos Estados do Sul e Sudeste, gerando assim uma discriminação do tributo em razão da origem do bem, fazendo com que os consumidores prefiram os produtos vendidos localmente, já que esses serão tributados a uma alíquota menor e, portanto, serão vendidos a um preço reduzido ao consumidor final.

Não obstante a ofensa dos princípios acima mencionados também ocorrerá, em virtude de majoração provocada pela alteração da alíquota do ICMS, afronta do princípio da vedação de tributo confiscatório, que se encontra constitucionalmente prevista no art. 150. IV[13], da Constituição de 1988.

Esse caráter confiscatório se dá, pois como apontado nesse trabalho, essa alteração do critério quantitativo não guarda respaldo constitucional, uma vez que a constituição expressamente determina a aplicação da alíquota interna do Estado “remetente” nos casos em que o produto é destinado ao consumidor final e não contribuinte localizado em outro Estado.  

Ou seja, essa mudança proposta pelo Protocolo 21 é inconstitucional à medida que, como ensina Amaro (2008, p. 144), a tributação não se faz “nos limites autorizados pela constituição”.

Portanto, nesse caso, de acordo com Amaro (2008, p. 144), não seria legítima “a transferência de riquezas do contribuinte para o Estado.”, visto que, a alteração do critério quantitativo acaba por diminuir ou até mesmo anular a riqueza privada, não preservando “capacidade econômica do indivíduo”, tornando-se, assim, confiscatória.


4. POSSÍVEIS ALTERNATIVAS PARA RESOLUÇÃO DA PROBLEMÁTICA DO E-COMMERCE

De nada valeria analisar as alterações ocasionadas pelo Protocolo 21 apontando suas inconstitucionalidades e a possível tendência de julgamento do STF, sem assinalar uma solução para a problemática aqui estudada.

Assim como não é o propósito do jurista apenas ponderar a conformidade das normas que compõe o ordenamento jurídico, já que a ele também cabe o papel de apontar as possíveis alternativas para resoluções das problemáticas existentes seja no ordenamento jurídico, seja perante a sociedade.   

Deste modo apresenta Barros (2011, p. 109-111) que duas serão as soluções possíveis: a criação de uma Lei Complementar que regulamente o comércio eletrônico ou a alteração dos dispositivos constitucionais.

Quanto à primeira dessas medidas Barros (2011 p. 109) diz que o conceito de estabelecimento previsto no art. 11, §3º, da Lei Complementar 87/1996[14] apresenta um caráter estritamente físico, motivo pelo qual “uma página eletrônica não poderia ser considerada um ‘estabelecimento’ para fins tributários” e que garante que seja aplicada alíquota interna ao Estado onde ocorrerá a saída física da mercadoria.

Por essa razão, continua Barros (2011, p. 110) afirmando que a criação de uma lei complementar que regulamentasse o comércio eletrônico acabaria por redimir tal problema, uma vez que se inventaria uma nova ficção jurídica que possibilitaria a cobrança do diferencial de alíquota, ou seja, como apresenta Barros (2011, p. 110):

[...] sem prejuízo de alterações na própria Constituição Federal, somente com uma nova lei complementar, que regulamente especificamente o comércio eletrônico, definindo o estabelecimento responsável pelo recolhimento e o local de ocorrência das operações alcançadas pela exação estadual, poderá ocorrer a cobrança do ICMS, nas vendas on-line [...] envolvendo consumidor final situado em Estado distinto do da localização da mercadoria pelo Estado de residência do consumidor. Tal situação se daria, por exemplo, se Lei Complementar criasse estabelecimentos “ponto com” em cada Estado da Federação, com inscrições estaduais próprias, para os quais as mercadorias seguiriam dos Estados de origem, em operações de transferências interestaduais, promovendo-se a posterior revenda interestadual do estabelecimento “ponto com” para consumidor final. Nesse caso, se consideraria a saída física do Estado de situação dos bens, com aplicação da alíquota interestadual à operação (7% ou 12%), com “entrada” simbólica no estabelecimento “ponto com” “situado” no Estado do consumidor final. Esse estabelecimento creditaria o imposto devido na operação interestadual [...] e debitaria o ICMS devido internamente, recolhendo a diferença ao Estado de sua localização. (grifo do autor)

Apesar da solução assinalada, ousamos discordar dela, não entendendo ser a opção mais correta, visto que essa ficção jurídica, no exemplo dado, acaba por burocratizar o comércio eletrônico além de onerar as empresas, já que se exige delas a criação de uma nova estrutura, com a implementação de “lojas ponto com” em cada unidade da federação, estabelecimentos esses que mesmo sendo “simbólicos” apresentam custos, que serão levados em conta pelas empresas na hora de calcular o preço final dos produtos, despesas essas que consequentemente serão repassadas ao consumidor final.

Quanto à outra solução indicada, essa seria a utilização de uma emenda à Constituição Federal que estabeleceria um critério diferenciado para cobrança do ICMS nos casos em que através do comércio eletrônico se vende mercadoria a consumidor final, não-contribuinte da exação e que resida em outro Estado da Federação.

Frisa-se que essa é uma das soluções apontadas por Barros (2011. p. 109-111), mas para Araujo (2011, p. 10) e para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (2011, p. 5-9) essa seria a única solução possível para resolver essa problemática.

Indiferentemente de ser ou não a única solução para corrigir o problema criado pelo   e-commerce e pelo Protocolo 21, essa alteração, através de emenda constitucional, só será o meio correto desde que não implique aumento da carga tributária.

 Assim, refuta-se a ideia de que emenda constitucional adote para o comércio eletrônico a mesma sistemática dada para a venda interestadual de mercadorias que tem por destinatário pessoa contribuinte e não consumidora final do bem, hipótese em que se aplicaria, inicialmente, a alíquota interestadual e, posteriormente, a alíquota interna do Estado de origem. Rejeita-se ainda a possiblidade de que emenda constitucional venha criar uma figura mais esdrúxula, que permita a aplicação da alíquota interna tanto do Estado de destino, quanto a do Estado de origem.

Portanto, para nós, em relação às operações não presenciais nas quais se destinem bens a consumidor final, não-contribuinte de ICMS e localizado em outro Estado, a única alternativa viável seria a implementação de um dispositivo constitucional que permitisse a repartição do tributo entre os Estados de destino e de origem.

Nesse sentido nos parece correto a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Nº 103 (SENADO FEDERAL, 2011), que adiciona o inciso VIII-A ao § 2º do art. 155, e que destina “ao Estado de localização do destinatário setenta por cento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, na forma a ser estabelecida por deliberação dos Estados e do Distrito Federal.”. 

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Fernando Luis Bernardes. A inconstitucionalidade do Protocolo 21 sob a óptica da jurisprudência do STF e da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4363, 12 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32907. Acesso em: 22 dez. 2024.

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