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Existe um suposto direito de mentir?

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Agenda 04/04/2015 às 12:23

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LOPARIC, Zeljko. Kant e o pretenso direito de mentir. Kant e-prints. Campinas, Série 2, v. 1, n.2, jul.-dez. 2006, p. 57-72.

PUENTE, Fernando Rey (org.), Os Filósofos e a Mentira, Departamento de Filosofia da UFMG, Coleção: Travessias. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.


[1] Como diz o próprio filósofo diz: “A moral é uma ciência muito mais aprofundada do que a política, visto que a necessidade da moral sendo mais corrente, o espírito dos homens teve de se consagrar a isso muito mais, e porque sua direção não foi falseada pelos interesses dos depositários, ou dos usurpadores, do poder. Assim, os princípios intermediários da moral sendo melhor conhecidos, seus princípios abstratos não são depreciados: a cadeia está melhor estabelecida, e nenhum primeiro princípio aparece com a hostilidade e o caráter devastador que o isolamento dá às ideias como aos homens.”

[2] Inclusive Kant acredita ter sido o filósofo citado nesse trecho, pois elabora um texto como resposta à análise de Constant.

[3] Nessa passagem, Constant diz o seguinte: ó princípio moral, por exemplo, que dizer a verdade é um dever, se fosse considerado de uma maneira absoluta e isolada, tornaria impossível toda sociedade. Temos a prova disso nas consequências muito diretas que um filósofo alemão tirou desse princípio, chegando te mesmo a pretender que a mentira fosse um crime em relação a assassinos que vos perguntassem se o vosso amigo, perseguido por eles, não está refugiado em vossa casa.” (PUENTE, 67)

[4] PUENTE, 68

[5] Atentemo-nos para essa definição de dever, pois sua utilização é de extrema importância na crítica que Constant faz ao argumento de Kant que devemos a verdade até a um assassino. Essa relação de só existir um dever quando existe direitos de um terceiro, é sua base mais forte no ataque às justificativas de Kant.

[6] Em suas próprias palavras: ”Um princípio, reconhecido como verdadeiro, não deve nunca, portanto, ser abandonado, quaisquer que sejam seus perigos aparentes. Ele dever ser descrito, definido, combinado com todos os princípios circunvizinhos, até que se tenha encontrado o meio de remediar esse inconveniente e de aplicá-lo como deve ser aplicado”. (PUENTE, 69)

[7] Como acertadamente explica Zeljko Loparic: “Em outras palavras, tomando o conceito de dever de veracidade como um dever de direito (e não no sentido do dever moral), Kant afirma que o filósofo francês não usa corretamente a expressão jurídica “ter direito a algo”. O ponto de vista de Kant se torna ainda mais claro se notarmos que, segundo a sua definição (enunciada nos Princípios metafísicos da doutrina do direito), o direito a algo significa essencialmente direito à posse meramente legal ou inteligível de objetos, adquirido por meio de um ato de vontade executado de uma determinada maneira prescrita a priori pela razão, com a finalidade de legitimar racionalmente o uso desses objetos (que podem ser coisas, serviços de outras pessoas e até mesmo outras pessoas, consideradas sob certos aspectos), evitando, assim, conflitos que levariam ao emprego da força bruta (guerras). Ora, uma simples análise conceitual mostra que a verdade de um juízo não é um objeto com o qual um ser humano pode estabelecer, por um ato de vontade, uma relação de posse inteligível. Em outras palavras, considerações meramente semânticas são suficientes para concluir que ninguém pode ter o direito ao valor de verdade de uma proposição, nem (poderíamos acrescentar) ao seu conteúdo proposicional.

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[8] Giacoia Jr.,Oswaldo. “A mentira e as luzes: aspectos da querela a respeito de um presumível direito de mentir”. In: Puente, Fernando Rey. Os filósofos e a mentira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

[9] “Não posso aqui estender o princípio até dizer que:’A inveracidade é uma violação do dever em relação a si mesmo, pois este princípio pertence à Ética, mas, aqui, se trata de um dever de Direito. A doutrina da virtude só considera naquela transgressão a indignidade, cuja censura o mentiroso atrai para si mesmo’”. (PUENTE, 74)

[10] PUENTE, 74

[11] Mendacium est falsiloquium in praeiudicium alterius

[12] Esta mentira, entretanto, mesmo sendo considerada mentir, não é punível segundo as leis civis.

[13] Transcreverei, a seguir, o exemplo completo dado por Kant, visto que de grande utilidade a exposição com a riqueza de detalhes que nos é trazido em seu texto: “Se tu impediste assim de agir, por uma mentira, alguém que estava prestes a cometer um assassinato, tu és então responsável, de um ponto de vista jurídico, por todas as consequências que daí poderiam ter surgido. Mas se te aténs estritamente à verdade, a justiça pública nada te pode fazer, quaisquer que sejam as consequências imprevistas. Contudo, é possível que, depois de teres honestamente respondido ‘sim’ ao assassino que te perguntava se aquele que ele queria matar estava em tua casa, este tenha de fato saído sem ser notado e tenha, assim, escapado ao assassino, e que, então o crime não tenha ocorrido; mas se tivesses mentido e dito que ele não estava em tua casa e que tenha realmente saído (embora sem que o saibas), caso o assassino o encontre tentando sua saída e cometa seu crime, podes então ser justamente acusado como autor de sua morte. Pois se tivesses dito a verdade tal como a sabias, então talvez o assassino, ao procurar o seu inimigo na casa, teria sido preso por vizinhos que ocorressem, e o crime teria sido impedido.

[14] PUENTE, 81

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMAO, Luma Garcia. Existe um suposto direito de mentir?: A discussão entre Benjamin Constant e Immanuel Kant. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4294, 4 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33083. Acesso em: 22 dez. 2024.

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