A Constituição é o estatuto do poder, nos ensinaria Georges Burdeau.1
Nas lições de Konrad Hesse descobrimos que ela é fruto de uma interação entre a Teoria da Constituição, assim compreendida a investigação das soluções jurídico-constitucionais possíveis para um conjunto problematizado de situações, e a Experiência Constitucional – material empírico fruto dos reais conflitos surgidos no meio social e submetidos às soluções propugnadas pela teoria da Constituição.2
José Afonso da Silva assim traduz o conceito de Constituição:
“A Constituição do Estado, considerada sua Lei Fundamental, seria a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas, costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Em síntese, a Constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”.3
A Constituição exerce funções:
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Orgânica;
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Limitativa do poder;
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De bases sócio-ideológicas (função soció-ambiental da propriedade, livre iniciativa, etc.);
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De estabilização constitucional (normas estabilizadoras de conflitos constitucionais tais quais distribuição de competências, ações para controle de constitucionalidade e estados de emergência – defesa e sítio).
Por esta simples introdução verifica-se a complexidade e importância do sistema constitucional.
É absolutamente temerário alterá-lo sem que haja uma profunda compreensão da dimensão do que se altera e dos efeitos a curto, médio e longo prazo da alteração.
Por seu turno, o processo de campanha eleitoral, também existente nas questões submissas ao plebiscito, como verificamos na questão do desarmamento, rege-se por um apelo emocional e simplista, capitaneado por publicitários, cujo intuito é penetrar a livre consciência e vontade do eleitorado por todo e qualquer sortilégio, explícito ou subliminar, ainda que totalmente apartado da realidade, de forma a induzi-lo a escolha que se quer.
Fosse a questão da independência do Banco Central submetida a plebiscito, teríamos toda a complexidade que ela engendra e toda a gama de densa teoria dos próceres contra e a favor, traduzidas por um lado da campanha na abjeta associação que referida independência seria sinônimo da supressão da comida da mesa dos trabalhadores, como se fez em desfavor da candidata Marina Silva.
Uma singela reflexão se impõe: uma pessoa simples, que completou o ensino fundamental, submetida a uma campanha publicitária apelativa, escolheria com real “liberdade de escolha”? Saberia as exatas implicações de sua manifestação?
Plebiscito é instrumento válido apenas para questões mais simples, mais viscerais, que permitem que todo e qualquer cidadão escolha sabendo das premissas do seu voto, e que não permite sua suscetibilidade às espúrias campanhas de “desconstrução” publicitária.
Liberação das drogas, descriminalização do aborto, redução da maioridade penal, são temas aptos ao plebiscito. Diria que até a reeleição ou sua supressão também. Porém, reforma política constitucional, dada a sua complexidade, jamais.
Reforma política ou Constituinte é feita sob a égide da convocação de todos os setores da sociedade (e não de militância travestida de movimento social), com maturação e debates feitos por estudiosos e acadêmicos.
Reformas dessa magnitude devem ser feitas no Parlamento, com seriedade, audiências públicas prévias, e não ao talante de dois ou três arremedos de perguntas que escamoteiam a profundidade das mudanças e serão, certamente, distorcidas pelo merchandising eleitoreiro.
1MENDES, Gilmar Ferreira – COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. at. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 9.
2MENDES, Gilmar Ferreira – COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. at. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10.
3SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 37-38.