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Democracia no Estado Democrático de Direito

Agenda 29/10/2014 às 13:19

Este texto explora a evolução do conceito de democracia e a situação atual da política brasileira, com relação ao tema.

Introdução

A democracia é um regime de governo instituído pelos gregos, a praça pública era o lugar que concebia a democracia grega, onde algumas pessoas se congregavam e explicitavam suas opiniões sobre os temas relacionados à cidade.

A união dos vocábulos demos - que significa em termos gerais povo ou cidadãos - e kratos que significa poder na acepção de governar, a palavra democracia consiste linguisticamente em ser o governo do povo ou o governo dos cidadãos. Ela surge há pouco mais de 2.500 anos na cidade-estado Atenas.

Existia a Assembleia dos cidadãos, esta era aberta a todos os habitantes adultos do sexo masculino, ou seja, as mulheres não podiam participar das discussões e nem os servos.

Estas colocações possuem importância para o presente artigo porque me auxiliam a ponderar que na história humana a democracia plena não existe, mesmo na democracia grega mencionada acima não eram todas as pessoas que podiam participar da “Assembleia dos cidadãos”, que se configurava como a instituição principal da democracia ateniense.

  1. Contextualizando a Democracia

A democracia é uma das maneiras de governar através do exercício do poder estudadas pela ciência e filosofia política. Como as formas de governo são objetivas e concretas, não existe uma forma de modelo ideal que contemple a todos, em todos os regimes o conflito e a disputa pelo poder por parte dos atores políticos estão presentes.

Para Vilas (2013) os conflitos e as lutas são elementos de mudança da sociedade e inseparáveis da divisão social do trabalho que está aportada em dois tipos de consciência: a consciência coletiva e a individual, a sociedade evoluciona quando a consciência coletiva se sobrepõe a individual (p.58).

Mészáros em seu livro “Século XXI socialismo ou barbárie?”, enfatiza que a lógica do capital é inseparável do imperativo da dominação do mais fraco pelo mais forte e fala da necessidade de romper com a contradição entre “desenvolvimento material e relações políticas humanamente compensadoras” (p.17-18).

Isto ocorre porque independente da riqueza material que determinado país possua no modo de produção capitalista a pobreza permanece existindo, pois não há uma divisão igualitária, ou menos desigual dessa riqueza entre a população.

Para exemplificar o problema da desigualdade socioeconômica que relaciono com a falta da democracia integral cito o exemplo brasileiro, que no ano de 2009 10% da população concentrava mais de 40% da renda do país, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De certa forma a grande parte da sociedade que é trabalhadora e pobre acaba não questionando a sua condição de oprimido por um modelo de democracia estabelecido no campo da normatividade ao invés de ser estabelecido no campo da participação e na consolidação dos direitos sociais, políticos e econômicos de forma radical.

Vilas (2013) observa que

Na maioria das vezes as pessoas respeitam e procedem com as regras pré-estabelecidas por questões subjetivas e podem ser alheias a política, essas pessoas pagam impostos, votam nas eleições, conservam os bens públicos... Sem fazerem uma reflexão sobre esses atos que contribuem para aceitação dos indivíduos das decisões do poder político mesmo quando as políticas implementadas lhes parecem antipáticas ou os desfavorecem e isso serve para explicar a obediência política (p.75).

Se a participação popular direta é o componente essencial para assinalar uma democracia, é pertinente observar que a democracia atual é fundamentada em um arquétipo em que o povo não exerce diretamente o poder, ou seja, quem decide acerca das questões que afetam a população são intercessores representativos dos interesses do povo.

A representação política é produto de circunstâncias temporais e foi estabelecida de acordo com os interesses das elites de cada época.

Visto que no principio os parlamentos eram formados apenas pelos nobres e hoje são formados direta ou indiretamente por representantes do poder econômico que é quem define os sujeitos da ação política formal.

Mesmo existindo diversos partidos políticos oriundos de lutas da classe trabalhadora ou das reflexões por um viés de sociedade igualitária o agente definidor dos trunfos eleitorais, por exemplo, é o investimento financeiro que cada grupo faz nos processos de escolha de representação.

Nesse aspecto, quando existe financiamento privado de campanhas é possível insinuar que o ator ou partido político eleito neste modelo possa sobrepor os interesses de seus financiadores aos interesses do povo.

Citando nosso país, é evidente que após o fim do regime militar no Brasil em 1985 obtivemos avanços democráticos, mas a discussão sobre o tema da democracia não pode ocorrer apenas baseado na comparação com um regime autoritário que torturava e assassinava quem o questionasse.

A discussão da democracia deve se dar em torno da construção da participação e da cidadania, porque se a concepção de democracia for diminuída a diferença entre autocracia e avanços liberais democráticos, todos os questionamentos serão extremamente vagarosos.

Nesse sentido, Francisco Weffort coloca que o avanço da democracia ocorrerá com a união de fatores fundamentais

Uma democracia real em um país como o Brasil pressupõe não apenas pluralismo partidário, mas também pluralismo institucional – e, mesmo social – dos movimentos populares. É o desenvolvimento de todo este complexo de instituições populares que permitirá, no futuro, mudar o eixo da transição (p.130-131).

Para Safatle (2012) é imprescindível que haja uma separação entre Estado de direito e Estado democrático, para o professor este é um componente fundamental para a vitalidade da noção de democracia (p.39).

O autor observa que o estado de direito é uma condição jurídica, no qual cada um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até a questão pública. Mas pondera que existe uma tendência da sociedade de ignorar a relação entre direito e justiça como se tudo que ocorresse fora do Estado de Direito fosse ilegal e movido por questões antidemocráticas.

Safatle coloca que

Pode, pois, a Justiça não apenas exceder o direito, mas manter com ele uma relação tão estranha que pareça se colocar em uma diferença soberana? Gostaria de insistir que essa possibilidade, longe de solapar e fragilizar a democracia, é a que funda e a fortalece, uma vez que essa possibilidade é um outro nome para aquilo que normalmente chamamos de “soberania popular” (p.41)

A questão que se coloca é sobre o conceito hegemônico de democracia estabelecido no mundo pós-guerra fria que é altamente baseado nas premissas liberais onde o individuo se sobrepõe ao coletivo.

É impossível que se fale em democracia plena sem a existência da cidadania, pois pessoas vivem a margem de qualquer tipo de acesso a participação nos bens materiais e imateriais produzidos pelas nações.

Existem contraposições entre a sociedade capitalista, na qual vivemos, e no estado de miserabilidade em que, ainda, muitas pessoas vivem. Será isso ser cidadão e viver em democracia?

De acordo com Coutinho

Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado. (p.42, 1999).

Coutinho (1999) trata cidadania, democracia e soberania popular como sinônimos, pois analisa que a cidadania é o resultado de uma luta permanente feita “de baixo para cima”. É importante observarmos que a cidadania é um processo construído constantemente e que o conceito é variável de acordo com o lugar e o tempo a que façamos referência.

  1. O paradigma da teoria das elites

Joseph Alois Schumpeter, foi um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XX, em sua obra CAPITALISMO, SOCIALISMO E DEMOCRACIA” propôs uma crítica contra o que chamou de a doutrina clássica da democracia. Segundo a qual esta parte do pressuposto que, "o povo tem opinião definida e racional e a manifesta pela escolha de representantes que, se encarregam de sua execução. A escolha dos representantes é secundária, em relação ao eleitorado ter a possibilidade de decidir sobre assuntos políticos." (1961, p. 321).

Ainda de acordo com Schumpeter, o "método democrático é um sistema institucional, para tomada de decisões políticas, onde o indivíduo tem o poder de decidir através da competição pelo voto"(1961, p. 321). Sendo este, um critério para distinguir o governo democrático de outros tipos diferentes. Ele cita como exemplo a Monarquia Parlamentar Inglesa.

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O autor diferencia Monarquia parlamentar de Monarquia Constitucional. Onde, na primeira, o monarca tem seu poder limitado, pois o gabinete é "escolhido" pelo povo, através do Parlamento. Enquanto na segunda, os ministros são considerados "servos" do monarca.

Em sua crítica à Teoria Clássica, ele anota que esta não prevê o elemento fático, que considera o "papel vital da liderança"(1961). Que é o mecanismo dominante em todas as ações coletivas.

A noção de Vontade Manufaturada é o ponto onde em sua teoria Schumpeter admite que não existam "vontades coletivas autênticas" (1961, p.323), pois estas não se afirmam diretamente. Mas ele admite que, há interação entre interesses regionais e opinião pública, e um conjunto de circunstâncias. Na situação política, ele compara a luta pela liderança política com a concorrência na esfera econômica.

A Democracia é entendida, como a concorrência livre pelo voto livre, sendo o método eleitoral o único exeqüível. A Democracia se relaciona com a liberdade individual, sendo esta uma esfera de autogoverno individual. Mas salienta: "nenhuma sociedade tolera a liberdade absoluta nem a reduz a zero". Mas "o método democrático não garante maior medida de liberdade individual que os outros" (1961, p.324). A relação que Schumpeter faz entre democracia e Liberdade é flexível e, em seu conteúdo a considera uma grande medida de liberdade de imprensa.

Na democracia a função primária do eleitor é formar o governo ou dissolvê-lo. A vontade da maioria é diferente da vontade do povo, conforme sua opinião, afinal o povo é um "mosaico" não reproduzível pela maioria. A tentativa teórica, de solução aceitável para esse problema foi a "representação proporcional". Mas, que Schumpeter considera a oportunidade para o aparecimento de idiossincrasias e governos ineficientes, o que seria um perigo em tempos de crise.

O princípio da democracia - as rédeas do governo devem ser entregues a quem tem a maioria de apoios - assegura o sistema majoritário na lógica do método democrático. Sendo a "verdadeira função do voto, a aceitação da liderança", pois nas democracias a função do eleitor é eleger o governo, ou seja, quem será o líder (ou figura liderante).

Na opinião de Schumpeter, no momento em que ele escrevia, havia apenas uma democracia em que o eleitorado realizaria a função diretamente: Estados Unidos da América. Em outros casos o povo não elege o governo, mas um órgão intermediário, a saber, o Parlamento. Nesse sentido a obra de Schumpeter está inserida na paradoxa democrática, onde predomina: o elitismo, a "crise da representação", onde há uma inevitabilidade da representação e o poder do povo não pode ser direto.

A grande contribuição de Schumpeter é a analogia entre o Campo Político e o Campo Econômico. O que está presente de sua obra é a questão da economia na política, onde ajuda a construir o modelo elitista da democracia e, trata da questão da competição entre elites pela liderança.

Por outro lado, Robert Alan Dahl em sua obra “Poliarquia: participação e oposição, avança a teoria elitista, na medida em que busca problematizar a possibilidade de avanço da Democracia. Considerando esta, um “sistema político inteiramente Responsivo”(1997, p.p. 25-26), onde caracteriza a democracia como a “contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais” (1997, p. 25).

Dahl estabelece três condições necessárias à democracia, para que se concretize um governo responsivo, com cidadãos plenos com oportunidades plenas, a saber: 1) possibilidade de eles formularem suas preferências; 2) condições de expressarem suas preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e coletiva; e 3) ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo.

Ainda problematizando a questão do aprofundamento da democracia, no sentido de uma poliarquia, para cada uma das três condições colocadas anteriormente, Dahl elenca cerca de oito garantias que devem ser oferecidas pelas instituições da sociedade, para que aquela finalidade seja realizada da melhor maneira possível.

Logo, para que seja garantida a formulação de preferências, faz-se necessário a observação de um conjunto de garantias, quais sejam, “direito ao voto, direito dos líderes disputarem apoio, liberdade de expressão, liberdade de formar organizações, liberdade e acesso a fontes de informação”. (1997, p. 27). Para expressarem suas preferências a seus concidadãos e ao governo é preciso, além das garantias citadas anteriormente, elegibilidade e eleições livres. (1997, p. 27). E, de forma a garantir que suas preferências serão igualmente consideradas na conduta do governo, faz-se necessário a existência de instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferências. (1997, p. 27).

Nesse sentido, Dahl pondera que os regimes democráticos variam muito conforme a menor ou maior presença das oito condições institucionais. Da mesma forma, aqueles se diversificam na proporção da população habilitada a participar, portanto, o regime será mais inclusivo quanto maior o número de cidadãos que possuem aqueles direitos. Logo, percebe-se que Dahl considera o direito de sufrágio, é apenas mais uma característica dos sistemas, que só pode ser interpretada no contexto das outras.

Logo, há uma inversão, onde os partidos que eram reflexos da clivagem social, hoje é que impõem a clivagem à sociedade. Nas suas palavras, “os partidos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelham aos eleitores”. (Manin, 1995) Em função disso, entende que o abismo entre governo e sociedade, entre representantes e representados está aumentando.

Em seu estudo já mencionado, Manin desenvolve a ideia que nos últimos dois séculos, o governo representativo mudou, houve uma ampliação do sufrágio (voto) e emergência dos partidos de massas. Também houve uma alteração ao longo da segunda metade do século XX em relação ao papel dos partidos na democracia representativa.

Além disso, os programas políticos também ganharam importância e a plataforma política tornou-se um dos principais instrumentos da competição eleitoral. Os militantes de base passaram a escolher os representantes, candidatos. Isso possibilitou certa relação entre os representantes e os cidadãos, ou militantes, fora do período eleitoral.

Esse novo protagonismo dos partidos políticos, foi encarado como uma crise do parlamentarismo ou, da representação, em função do modelo de governo representativo ser, até então, o parlamentarismo inglês, ora questionado. Como conseqüência, teóricos alemães e anglo-americanos criaram termos para conceituar a nova realidade. Eles queriam distinguir a nova forma de “governo representativo” do “parlamentarismo”, resultado do advento do direito ao voto com novos papéis para os partidos de massas e novas plataformas políticas. Os teóricos anglo-americanos denominaram de “governo de partido” enquanto os alemães definiram de “parteiendemokratie”, a novidade.

Essa mudança foi entendida como progresso, avanço da democracia. Decorrência da expansão do direito de voto e da nova relação de representação. O governo de partido parecia criar maior identidade social e cultural entre governantes e governados, e estes com papel mais importante na definição das políticas públicas. Conforme Manin “esse modelo lembrava o ideal de autogoverno, do povo governando a si mesmo” (1995), lembrando Tocqueville “governo do povo pelo povo”.

Manin soa otimista ao interpretar que a crise observada era de uma “forma particular de governo representativo” e não da “representação” como tal. O que estaria em declínio seriam as relações de identificação entre representantes e representados e a determinação da política pública por parte do eleitorado. E, se questiona, “essa crise não seria uma sinalização da emergência de uma nova forma de governo representativo?” (1995)

Como resposta àquela pergunta, Manin constrói três tipos ideais de governo representativo, quais sejam, “parlamentar”, “democracia de partido” e “democracia do público”. Estes seriam os modelos mais significativos e estáveis, sob o ângulo da representação estabelecido, sendo possível a coexistência e fusão de ambos.

Quatro princípios se destacam nesses modelos. Primeiramente, os representantes são eleitos pelos governados, a natureza da representação é controversa, mas há consenso quanto a eleições periódicas para a escolha dos governantes. As eleições não sustentam o modelo rousseauniano, pois “não eliminam a diferença de status entre povo e governo”, e o “povo não governa a si mesmo”, pois “há uma atribuição de autoridade a determinados indivíduos”. (1995)

Para o pensador francês, a eleição é o método de escolha dos que devem governar e de legitimação do seu poder. Mas, o sistema eletivo não supõe igualdade entre governantes e governados, o que cabe aos cidadãos é decidir que elite vai exercer o poder.

Em segundo lugar, Os representantes conservam independência parcial diante das preferências dos eleitores. Nessa lógica, tradicionalmente na Inglaterra, os deputados representam o conjunto da nação, não apenas quem os elegeram. É citado Benthan que explica a situação “o único mecanismo de influência dos eleitores sobre os representantes é a não reeleição deles” (Manin, 1995) Dessa maneira, governo representativo não é sinônimo de democracia.

Dentre os inúmeros argumentos utilizados para legitimar o sistema representativo, pode-se destacar o que dispõe “a superioridade do sistema representativo se encontra no fato de permitir um distanciamento entre as decisões do governo e a vontade popular” (1995). Pois como estabelece a Constituição Norte-americana “colocar no poder pessoas mais aptas a resistir às paixões desordenadas e aos equívocos e ilusões efêmeras”. (Manin, 1995)

Em terceiro lugar, a opinião pública pode se manifestar sobre assuntos políticos, independentemente do controle do governo. Um governo representativo supõe que os governados possam formular e expressar livremente suas opiniões políticas. De acordo com a já mencionada Constituição Norte-americana, em sua primeira emenda “o Congresso não aprovará nenhuma lei que vise à oficialização de uma religião ou que proíba sua livre prática, que limite a liberdade de expressão ou de imprensa, ou o direito de reunião pacífica ou o direito de petição”. (Manin, 1995)

Por último princípio, as decisões políticas são tomadas após o debate. Nesse sentido o autor não aprofundou como se daria esse debate, ficando essa expressão pouco clara. Não é indicado o “lugar” da discussão dentro do governo. A representação aparece como uma técnica que permite a instauração de um governo do povo em nações muito populosas e diversificadas.

  1. A atual questão da participação direta

Carole Pateman em Participação e Teoria Democrática” critica os formuladores do que denomina de “Teoria Contemporânea da Democracia”, ou seja, quatro proeminentes pensadores que foram diretamente influenciados por Schumpeter: Dahl, Sartori, Eckstein e Berelson. Em suas elaborações da teoria elitista encaram a participação como um dispositivo de proteção, onde a natureza democrática do sistema reside nos arranjos institucionais nacionais, especialmente no que se refere à competição entre os líderes.

Por outro lado, Pateman recorre a Rousseau, que considera o teórico da democracia participativa, por excelência, para tratar da função mais abrangente da participação que é, fundamental para a manutenção do estado democrático.

Dessa maneira, a autora de Participação e Teoria Democrática”, identifica nas teorias da democracia participativa um propósito: “a educação de todo o povo até o ponto em que suas qualidades e capacidades intelectuais, emocionais e morais, tivessem atingido o auge de suas potencialidades e ele tivesse se agrupado, livremente e ativamente numa comunidade”. (1992, p.33)

Pateman é defensora da democracia participativa e procurar problematizar qual o lugar da participação na teoria da democracia. Critica a posição da teoria da democracia ortodoxa que, julga a participação como “perigosa”, e a delega a um papel irrelevante. Por isso ela é uma crítica da teoria elitista de Schumpeter e dos seus discípulos mais brilhantes elencados anteriormente.

Ela não concorda com a percepção do teórico elitista, segundo a qual a massa é incapaz de outra coisa que não seja um “estouro de boiada”. O que o leva a uma concepção de democracia concentrada em um número reduzido de líderes. Portanto, Carole Pateman propõe uma teoria da democracia participativa, no sentido de superar o modelo da teoria contemporânea da democracia, fundamentada pelo quatro discípulos de Schumpeter.

Em outra perspectiva crítica frente às teorias elitistas, encontram-se os defensores da teoria deliberativa da democracia, cujo destaque são as elaborações feitas pelo filósofo alemão Jürgen Habermas. Nesse modelo é proposto o aumento das práticas participativas, das práticas deliberativas baseadas na ampliação dos espaços de discussão.

Sendo que, o sentido da discussão é o de reconstruir as idéias com vistas à convergência de opiniões, na busca incansável da unanimidade e imparcialidade das decisões. Cabe salientar, entretanto, que discussão é diferente de diálogo, nessa teoria deliberativa. A deliberação possui o sentido de ser o ato de justificação das decisões tomadas pelos cidadãos e seus representantes.

Na formulação de deliberação elaborada por Habermas, aquela envolve alguns elementos essenciais. Em primeiro lugar a argumentação, que é nas palavras de Faria, “intercâmbio regulado de informações e de razões entre partes que introduzem e examinam criticamente propostas” (2010, p.102). Além disso, também é fundamental a publicidade e a inclusividade, onde todos os atingidos pelas decisões devem ter oportunidades iguais de participarem delas.

Para a deliberação se realizar é preciso que os participantes desse sistema, tenham plena autonomia para formularem seus juízos, isso será garantido de duas maneiras: primeiramente pela ausência de coerção externa; e, em segundo lugar, com a ausência de coerção interna, quando cada participante terá oportunidade de fazer propostas e contribuições, assim como criticar eventualmente aquilo que foi proposto.

Contudo, embora as deliberações devam levar em conta a decisão da maioria, o objetivo da deliberação é a formulação de acordos racionalmente motivados. Outro importante elemento da agenda deliberativa é a questão da regulação de todos os assuntos que serão objeto de deliberação. De forma que todos os envolvidos possam deliberar a respeito de qualquer tema. Assim sendo, tudo diz respeito a todos.

Por fim o último elemento que Habermas elabora na sua percepção sobre deliberação é apresentado da seguinte forma, extensão das deliberações políticas à interpretação de necessidades e à transformação de preferências e enfoques pré-políticos.

Nas palavras de Habermas, citado por Faria, significa:

“procedimento ideal de deliberação e de tomada de decisão” pressupõe uma associação que concorde em regular imparcialmente as condições de vida comum de seus cidadãos, uma vez que aquilo que os agrupa será, em último termo, o laço lingüístico com capacidade de manter a coesão de qualquer comunidade de comunicação” (2010, p.p.102-103)

Essa prática discursiva, que é a tentativa de resolver situações problemáticas e, não a busca pelo consenso, ocorre na esfera público, ou em partes do sistema político como o parlamento ou o judiciário.

Após essas breves considerações sobre os modelos participativo e deliberativo de democracia, é oportuno fazer algumas comparações e críticas. O primeiro, busca problematizar maneiras de se realizar e concretizar a participação do cidadão nas decisões políticas. De forma que a participação tenha um conteúdo democrático e pedagógico. Enquanto que, o modelo deliberativo procura formular sobre os espaços e as condições objetivas necessárias para a deliberação.

Ambas teorias sucintamente apresentadas são, certamente, bem mais avançadas que o modelo elitista. Possuem um conteúdo muito mais democrático e amplo no acesso ao poder de decisão. Contudo, têm limites bastante evidentes. Pois os obstáculos no sentido de uma radicalização da participação e, mesmo da deliberação estão muito sedimentados no mundo ocidental.

  1. A atual questão da representação

Embora o conceito e a noção de representação remontem a um momento histórico muito distante, conforme ensina Hanna Pitkin, a atualidade dessa discussão é inegável. Os gregos antigos em suas instituições políticas já utilizavam a ideia que, na expressão latina repraesentare significava “tornar presente ou manisfesto”. Nessa evolução histórica, a representação perpassou a idade média, onde o Papa e seus Cardeais “representam” a pessoa de Cristo, esse conceito chega a atualidade. Mas foi certamente, na era moderna que o conceito ingressa no campo político, quando os burgueses iam aos parlamentos representar suas comunidades legitimamente.

A primeira análise da noção de representação na teoria política, é feito por Hobbes no Leviatan, em 1651, “um representante é alguém que recebe autoridade para agir por outro” (Pitkin, 2006), que é a conseqüência do Contrato Social. A representação é compreendida como delegação de autoridade para outro. Embora, Hobbes não aponte para uma possibilidade do representante “não representar” de fato o representado, na teoria hobbesiana esse problema não está previsto, pois aquele é o próprio soberano.

Dessa forma, na esteira desse debate sobre representação, surge a questão sobre a independência do representante sobre o representado. Um debate muito polêmico, que tem defensores de todos os pontos-de-vista. Contudo, no campo da ciência política, essa questão se desdobra em preocupações bastante relevantes: papel dos partidos políticos, forma pela qual a deliberação se relaciona com o voto, interesses locais e nacionais, entre outros temas.

O governo representativo seria uma maneira de se resolver uma impossibilidade de se praticar a democracia direta, em função do grande número de pessoas de um determinado estado. Esse sentido está expresso na obra O Federalista, clássico do pensamento político norte-americano. A noção de representação, neste caso, está vinculada a ideia de bem público, que está acima do interesse individual.

Mais recentemente essa ideia de representação tem sido questionada, especialmente por socialistas e anarquistas. Estes sugerem, não apenas a democracia participativa direta, mas participação no poder público e a responsabilidade como valor no sentido do desenvolvimento do ser humano. Nessa perspectiva é preciso um povo ativo e com envolvimento político que ultrapasse os limites da representação meramente formal institucionalizada.

Considerações Finais

Ao se observar esse percurso trilhado pelos autores citados, conclui-se que o modelo elitista de democracia embora tenha demonstrado certa evolução ao longo do tempo. Inclusive desdobrando-se em alguns modelos mais ou menos democratizantes, ele é extremamente excludente e restritivo em termos de abertura à interferência dos cidadãos nas decisões do governo.

Percebe-se também que o modelo elitista encontra respaldo e presença no sistema democrático ocidental em geral e, no brasileiro, em especial. É bastante presente e enraizada uma cultura elitista no modelo democrático representativo liberal, impedindo um maior acesso do conjunto da cidadania às decisões dos governos.

Provavelmente, em razão disso, é tamanha a dificuldade de se desenvolver e aprofundar outras formas de democracia mais avançadas no sistema político brasileiro. E, também de se construir uma consciência democrática e cidadã mais profunda, entre os cidadãos brasileiros.

A influência e a presença de elementos e noções da teoria elitista ainda são muito fortes. Soma-se a isso, A natureza centralizadora do poder e das decisões que lhe são próprias. Outro elemento que dificulta a implementação dos modelos alternativos citados, são as muitas variáveis e condições para sua razoável aplicabilidade.

Porém, a conclusão obvia é que os modelos, participativo e deliberativo, apontam para um aprofundamento da democracia. Certamente, são concepções teóricas plenamente válidas, na busca de uma democracia com conteúdo universal, que contribuem no sentido do rompimento com a teoria elitista, tão enraizada na cultura ocidental.

Essa discussão sobre a democracia chega em Hannah Arendt, defensora de uma teoria política moderna que focaliza na dignidade do domínio político. Onde apenas a participação política direta resolve o dilema da representação e um mandato independente.

A participação direta na democracia possui a finalidade de não ser necessário o recurso ao que Hannah Arendt chama de poder reserva de revolução (On Revolution, 1965), onde o que resta ao representado que não está satisfeito como governante é revolucionar o poder.

Portanto a questão da representação, embora tenha uma origem bastante distante, esse conceito está profundamente inserido no debate democrático contemporâneo, em função tanto de seus aspectos positivos quanto dos negativos. Em razão do avanço que representou e dos limites que possui. Certamente, desatar o nó de uma melhor e maior participação dos cidadãos nas esferas de poder, está no maior ou menor sucesso na superação do modelo da representação e de tudo o que significa na busca da ampliação da democracia.

A ONU (Organização das Nações Unidas) ainda estima que 1,57 bilhão de pessoas vivam em estado de pobreza, número assustador se considerarmos que no mundo existem 7 bilhões de pessoas.

Ainda estamos muito distantes de uma democracia plena e que não existe uma fórmula pronta para que ela ocorra, mas é importante que a discussão sobre a democracia seja feita de uma forma mais profunda não considerando apenas se “as regras do jogo” político são respeitas e sim que se pense a democracia como a supremacia da coletividade e igualdade radical entre os seres.

Referências

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PATEMAN, Carole. PARTICIPAÇÃO E TEORIA DEMOCRÁTICA. tradução de Luiz Paulo Rouanet. — Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

PITKIN, Hanna Fenichel. REPRESENTAÇÃO: PALAVRAS, INSTITUIÇÕES E IDEIAS. In: Lua Nova, N° 67, 2006.

SAFATLE, Vladimir. A esquerda que não teme dizer seu nome. São Paulo. Ed: Três Estrelas, 2012.

SCHUMPETER. Joseph A. CAPITALISMO, SOCIALISMO E DEMOCRACIA (Editado por George Allen e Unwin Ltd., traduzido por Ruy Jungmann). — Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

VILAS, Carlos Maria. El poder y la política: contrapunto entre La rázon y las pasiones. Buenos Aires: Biblos, 2013

WEFFORT, Francisco. Por que democracia. São Paulo. Ed: Brasiliense, 1984.

Sobre os autores
Daniel de Souza Lemos

Mestre em Ciência Política, formado em História e formando em Direito, todos pela UFPel.

Claudio Corbo

Professor, Graduado em Geografia e Ensino Religioso, Especialista em Educação e Sociedade; especialista em Geopolítica e História Contemporânea. Mestre em Ciência Política. Pesquisador em Políticas Públicas, Geografia Urbana e Marxismo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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