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Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica em análise da Lei 9.605/98

Agenda 04/11/2014 às 17:55

Este texto faz uma análise doutrinária, jurisprudencial e legal da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica em Crimes Ambientais, de acordo com o disposto na Lei n. 9.605/1998

1                  Responsabilidade Penal Da Pessoa Jurídica

1.1            Disposições Constitucionais

Diante do bem jurídico importantíssimo que é o meio ambiente, o direito não poderá obstar-se de proporcionar a devida tutela a ele, assim, nossa lei maior, a Constituição Federal de 1988, dispõe em seu artigo 173, § 5:

“A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”

Analisando o artigo citado, interpretando literalmente, não afasta a responsabilidade dos dirigentes da pessoa jurídica ao responsabilizá-la.

Já no artigo 225, § 3, dispõe

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados.”

Diante destes dispositivos, é de se supor que tem-se que não há mais o que se discutir a respeito da viabilidade da responsabilização da pessoa jurídica, entretanto a doutrina pátria chocou-se diante do tema, tendo como base a teoria a continuidade da validade do brocardo societas delinquere non patest (a sociedade não pode delinquir).

Entretanto há de se ressaltar que a doutrina majoritária, tanto constitucionalista quanto penalista, entende no sentido de que a Carta Magna instituiu a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Luiz Regis Prado entende que o artigo 225 em seu §3, ao dispor sobre conduta e atividade e logo em seguida a pessoas físicas e jurídicas estaria o legislador distinguindo respectivamente as ações sendo a conduta a pessoa física e a atividade a pessoa jurídica.

Contudo, Sérgio Salomão Shecaira e Miguel Reale Jr. discordam do entendimento do ilustre doutrinador Luiz Regis Prado, entende Shecaria que conduta e atividade devem ser interpretados de forma sinônima, logo tanto as pessoas físicas quanto jurídicas poderiam praticar condutas e atividades prejudiciais ao meio ambiente, na mesma linha de raciocínio, Miguel Reale Jr. entende “deve ser interpretado no sentido de que as pessoas físicas ou jurídicas sujeitam-se respectivamente a sanções penais e administrativas”, concordando, assim, com a disposição de Shecaria.

Fernando Castelo Branco manifesta-se no sentido que, o modo como ficou redigido o dispositivo possibilita que a pessoa jurídica seja responsabilizada não somente no âmbito criminal, mas também o civil e no administrativo, por atos cometidos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.[1]

Luiz Vicente Cernicchiaro entende que se:

“fosse propósito do constituinte definir-se quanto ao tema, evidentemente tê-lo-ia feito de maneira explícita, considerados o relevo e a polêmica da matéria, no capítulo que definiu os princípios do Direito Penal.”[2]

Entretanto, tal afirmativa não condiz com a real intenção do constituinte, pois, em valor constitucional a norma deverá ser elaborada em caráter geral, tendo que vista que, havendo necessidade, promulgara-se lei específica buscando individualizar o fato jurídico desejado.

No mesmo sentido entende Sérgio Salomão Shecaira quando explica, entendendo-se que a Constituição Federal firmou a responsabilidade em face da culpa do título que trata dos direitos e garantias fundamentais, não haveria razão para tornar a fazê-lo nos títulos referentes à ordem econômica e financeira e à ordem social. Evidente, assim, que o texto constitucional retomou ao tema da responsabilidade para, nesses casos específicos, modificá-la.[3]

Por fim, continuando no mesmo raciocínio, Fernando Castelo Branco, não há dúvida de que o propósito dos dispositivos constitucionais foi o de determinar que as pessoas jurídicas independentemente da responsabilidade de seus dirigentes, incorram, também, numa responsabilização civil, administrativa ou penal, pelos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e a economia popular e contra o meio ambiente.[4]

Em conclusão, a doutrina majoritária discorda desses argumentos de valor dogmático, formando, assim, um posicionamento pragmático, que afirma a possibilidade de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica dentro de certos limites, portanto, a Constituição Federal de 1988, em seu diploma, é clara ao trazer expressamente a Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas (entes coletivos), em face de condutas ilegais que deterioram o meio ambiente.

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1.2            Responsabilidade Penal Das Pessoas Jurídicas Na Lei N. 9.605/98

Após a devida caracterização da responsabilidade penal das pessoas jurídicas com a análise da Constituição Federal de 1988, passa-se a necessidade de se especificar tal responsabilidade penal das pessoas jurídicas diante da prática de crimes ambientais, assim, em 12 de fevereiro de 1998 foi promulgada a lei nº 9.605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Faz-se de extrema valia, antes de expor o conteúdo da lei 9.605/98, demonstrar a real necessidade da promulgação da mesma.

Tendo em vista a devastação ambiental que veio aumentando exponencialmente no decorrer dos anos, principalmente a partir da Revolução Industrial, diferentemente nas épocas primordiais onde o nível de devastação era mínima,surgiu a expressiva necessidade da legislação tomar uma forma mais eficaz e repressiva.

A legislação buscou proteger o meio ambiente diante das “vinganças privadas” diante da incapacidade das esferas administrativa e civil em promover a devida tutela jurídica. No mesmo raciocínio o autor Luiz Carlos Aceti Júnior entende:

“O ambiente é protegido nas esferas administrativa, civil e penal. No entanto, civil e administrativamente, a repressão não tem surtido os efeitos desejados, razão pela qual se procura na esfera penal sua proteção.” [5]

Portanto, o real valor da lei, além da própria tutela do meio ambiente é proteger a própria sociedade e a vida humana, pois a mesma inexistiria sem o meio ambiente.

Partindo do início da lei nº 9.605/98, o art. 3º trata da responsabilidade penal da pessoa jurídica sendo corretamente interpretado quando lido conjuntamente ao art. 2º do mesmo diploma.

Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

No art. 2º trata de uma forma genérica especificando, além da possibilidade de concurso de pessoas, os agentes que estão habilitados para exteriorizar a vontade social do ente coletivo e, consequentemente, a exteriorização do crime através da pessoa jurídica, sendo estes, o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica.

Tal exteriorização de vontade, faz-se indispensável lembrar, não deve-se confundir com a vontade criminal individual de cara membro.

No art. 3º determina as formas de responsabilização da pessoa jurídica, podendo ser, responsável civilmente, administrativamente ou penalmente, ademais, especifica as possibilidades de responsabilizar-se, (i) decisão de seu representante legal, (ii) decisão contratual e (iii) decisão de órgão colegiado e por último o artigo deixa claro que como requisito para o cometimento da infração, o ato deve ser cometido “no interesse ou benefício de sua entidade”.

Na possibilidade (i), “decisão de seu representante legal”.

Como dispõe o artigo, deve ser o representante legal da empresa, podendo ser o diretor ou gerente, se for o case de pessoa jurídica comerciante deve-se verificar qual nome constará no registro da Junta Comercial, não sendo comerciante, no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas.

Na possibilidade (ii), “decisão contratual”.

Deve-se partir do princípio que a decisão contratual foi em benefício da empresa, e não qualquer decisão contratual, nesse caso, deverá ser decidido, também, pelo responsável da empresa. Nesse caso, aceita-se a teoria da aparência quando se trata do preposto, pois o mesmo, embora não conste no estatuto como representante, atua em nome da pessoa jurídica.

Na possibilidade (iii), “decisão de órgão colegiado”.

Os órgãos devem fazer parte da pessoa jurídica e agir, em seus atos e decisões, visando o benefício e interesse da empresa, podendo estes serem Assembléias Gerais, Conselho de administração e diretório.

Portanto, conclui-se que para a devida caracterização da responsabilidade penal da pessoa jurídica, deve-se preencher dois requisitos:

  1. O resultado deve ter origem uma decisão, do representante legal, contratual ou do órgão colegiado.
  2. Tal resultado, deve reverter em algum benefício a empresa ou seja de interesse da mesma.

Sobre o assunto dispõe Paulo Affonso Leme Machado:

“interesse” e “benefício” são termos assemelhados, mas não idênticos. Não teria sentido que a lei tão precisa em sua terminologia, tivesse empregado sinônimos ao definir um novo conceito jurídico. “Interesse” não diz respeito só ao que traz vantagem para a entidade, mas aquilo que importa para a entidade. O termo vem do Latim interest - importar, convir. Em italiano, “motivo diconvenienza, individuato da regione diordine pratico”. Em Francês, “cequi est utile à quelqu’um. Não é, portanto, somente a idéia de vantagem ou lucro que existe no termo “interesse”. Assim, age criminosamente a entidade que seu representante ou órgão colegiado deixa de tomar medidas de prevenção de dano ambiental, por exemplo, usando tecnologia ultrapassada ou imprópria à qualidade do meio ambiente. O fato de não investir em programas de manutenção ou de melhoria já revela a assunção do risco de produzir resultado danoso ao meio ambiente. O interesse da entidade não necessita estar expresso no lucro direto consignado no balanço contábil, mas pode se manifestar no dolo eventual e no comportamento criminoso da omissão.”[6]

Já em matéria do parágrafo único do art. 3, fica claro que diante da responsabilização da pessoa jurídica, esta, não excluirá a cumulação de responsabilidades emergentes dos agentes praticantes, logo, seus representantes, caracterizando-os como autores ou partícipes.

Após o cumprimento dos requisitos para a devida imputação e responsabilização da pessoa jurídica em crimes ambientais, há de se valer do sistema da dupla imputação ou teoria da dupla imputação que, de acordo com o Rel. Min. Hamilton Carvalhido,entende como imprescindível a indicação da pessoa física responsável pelo delito, requisito sem o qual a denúncia é considerada inepta. (RMS nº 16696/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido. DJ 13/03/2006.)

Concorda o ministro Gilson Dipp quando dispõe, "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" (REsp 564.960/SC, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 13/6/05).

Reforçando, ainda mais, o entendimento acima exposto, a Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ, na data de 16/10/09, REsp 865.864, divulgou o seguinte:

“Ação penal contra pessoa jurídica por crime ambiental exige imputação simultânea da pessoa física responsável - Responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais é admitida desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, já que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com o elemento subjetivo próprio. A decisão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou o recebimento de denúncia de crime ambiental praticado por uma empresa paranaense.

O Ministério Público do Paraná ofereceu denúncia contra uma empresa, pela prática do delito ambiental previsto no artigo 41 da Lei n. 9.605/98 (provocar incêndio em mata ou floresta), que foi rejeitada em primeira instância.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), por sua vez, proveu o recurso em sentido estrito para determinar o recebimento da denúncia oferecida exclusivamente contra a pessoa jurídica pela prática de crime ambiental. Para o TJ, a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas também de prevenção geral e especial. Além disso, a lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.

Ao recorrer ao STJ, o Ministério Público sustentou violação do Código Processual Penal quando da sentença e dos embargos e ofensa à Lei n. 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Por fim, argumentou a impossibilidade de oferecimento da denúncia unicamente contra a pessoa jurídica.

Ao decidir, o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, destacou que não houve denúncia contra a pessoa física responsável pela empresa e, por essa razão, o acórdão que determinou o recebimento da denúncia deve ser anulado.”

Portando quando finalmente abrejemos a questão da responsabilidade penal, temos a necessidade de analisarmos os objetivos subjetivos impregnados nos conceitos e nas normas em si, um dos conceitos que deve surgir ao indagarmos a questão penal é o de desenvolvimento este que em suas variáveis como o desenvolvimento sustentável trabalha como fundamento subjetivo de validade da questão penal, a responsabilidade penal incide de forma a apoiar dar substrato protetor ao desenvolvimento para que este possa caminhar livremente sem a preocupação de impactos ambientais derivados de seu funcionamento. 

A responsabilidade penal ambiental acaba, nos tempos atuais, se tornando uma ferramenta extremamente necessária para a sobrevivência e o desenvolvimento da sociedade, pois ditando as regras que o crescimento deve tomar, acaba direcionando o desenvolvimento para um caminho e influenciando a sociedade diretamente.


[1] BRANCO, Fernando Castelo. A pessoa jurídica no processo penal.p. 59.

[2] CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JR., Paulo José da. Direito Penal na Constituição. p. 160.

[3] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Apud SOUZA, Gaspar Alexandre Machado de. Crimes Ambientais: Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 113-5.

[4] BRANCO. Fernando Castelo. ob. cit. p. 59

[5] ACETI JÚNIOR, Luiz Carlos. Crimes AmbientaisA Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. São Paulo: Imperium, 2007, p. 39.

[6] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. p. 593 e 594.)

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