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Redução da maioridade penal como forma de combate à criminalidade

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Agenda 02/04/2015 às 15:08

Propostas de reduzir a maioridade penal

No contexto da segurança pública atual, é facilmente perceptível que a maioria da população se posiciona a favor da redução da maioridade penal, acreditando estar vivendo numa sociedade muito violenta, com índices alarmantes de criminalidade juvenil. Ainda acreditam que as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são brandas e não punem devidamente os infratores.

Daí surge a idéia de que a única solução seria endurecer as normas penais: não somente punir com mais severidade os jovens, como também tratar como adultos os menores de dezesseis anos, pois estes possuem o mesmo discernimento daqueles indíviduos com mais de dezoito anos.

Cabe ressaltar o papel da mídia nesse contexto: essa deveria transmitir as informações à população, de forma objetiva, mas, muitas vezes, não o faz imparcialmente. Os meios de comunicação sofrem influência de grupos políticos, que se interessam em veicular notícias de uma certa maneira.

Um bom exemplo disso é o fato de grande parte das revistas e programas de televisão retratarem as histórias de crimes praticados por menores de dezoito anos como sendo verdadeiras novelas, traçando um perfil delinquente do autor. Ademais, exploram o sofrimento das famílias que perderam um ente querido em virtude da violência do menor.

A mídia também costuma se posicionar favoravelmente à redução da maioridade, para agradar espectadores, leitores e determinados grupos políticos.

Outros ainda argumentam que o Estado brasileiro já reconheceu a maturidade dos jovens de dezesseis anos, entretanto não a estendeu à seara criminal. Exemplo comumente citado é o voto opcional facultado aos jovens que se encontram na faixa etária dos dezesseis a dezoito anos. Isso significaria que, como o Estado entendeu pela maturidade do indivíduo no âmbito eleitoral, nada impediria o jovem de responder por seus atos no âmbito criminal.

Não foi somente o direito de votar que foi conquistado: os jovens brasileiros também podem trabalhar com carteira de trabalho registrada e, com a devida autorização dos pais, casar e se emancipar civilmente.

Nesse contexto, fica claro que políticos frequentemente se posicionam a favor da redução para agradar eleitores, e não por uma questão de convicção. Prova disso são os dezessete projetos de emenda consitucional que procuravam reduzir a maioridade penal: muitos deles se baseavam na mera sensação de impunidade e no sensacionalismo decorrentes dos crimes praticados por menores de idade.


Impossibilidade de redução da maioridade penal

É inegável que boa parte dos jovens infratores possuem total consciência em relação à ilicitude dos atos que praticam. No entanto, a redução da maioridade como questão política não se mostra eficaz.

Além disso, várias regras que tratam desse tema não são apenas constitucioanis, mas também internacionais.

Neste ponto, devemos retomar a análise da legislação. Conforme já dito, o artigo 228 da Constituição Federal garante um tratamento diferenciado aos menores de dezoito anos, que são considerados penalmente inimputáveis.

Essa previsão legal deve ser interpretada à luz do artigo 60, § 4°, IV, também da Constituição, o qual prevê que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. Insta ressaltar que o disposto no artigo 60 não é aplicado restritamente aos direitos previstos apenas no artigo 5° do texto constitucional, mas sim a qualquer direito individual que venha expresso na Constituição e que proteja a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.

Conclui-se, pois, que o artigo 228 da Constituição Federal não integra apenas o rol de garantias individuais, mas também trata de cláusula pétrea, que não pode sofrer mudança no sentido de aplicar a lei penal a menores de dezoito anos. Se isto ocorrer, a proposta deve ser declarada inconstitucional.

Neste mesmo sentido, devemos citar o artigo 5°, § 2°, da Constituição, que preconiza que os tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte possuem caráter constitucional. O parágrafo 3° do mesmo artigo prevê que, quando um tratado internacional de direito humano for aprovado por três quintos dos membros, em dois turnos, nas duas casas do Congresso Nacional, será equivalente a uma emenda constitucional.

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Assim, não se pode aprovar uma proposta de emenda constitucional que seja claramente contrária às regras previstas em tratados internacionais, já que isso viola o próprio documento e também as normas constitucionais que lhe asseguram status elevado.

Mesmo que os tratados internacionais não tragam previsão de idade para início da imputabilidade, é importante ressaltar que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, em que se comprometeu a não reduzir o limite de idade para a maioridade penal da legislação nacional.[21]

Vale lembrar que a maioria dos países fixou em dezoito anos a idade para se atingir a maioridade penal. No entanto, grande parte desses países também determina uma idade a partir da qual o menor passa a ser responsável por suas ações, o que significa que ele não sairá impune caso cometa uma infração.

Portanto, ao contrário do que muitos pensam, a redução da maioridade levaria o país a entrar em dissonância em relação aos países mais desenvolvidos do mundo e não igualaria o Brasil a essas nações.

É fato sabido e notório que as prisões brasileiras, em sua maioria, encontram-se superlotadas e em degradantes condições. Assim, não há qualquer tipo de suporte ou apoio psicológico aos detentos, nem qualquer sistema educacional eprofissionalizante. Também são recorrentes os casos de violência física e moral que envolve o tratamento dado aos presos. Ainda é de se notar que no interior das cadeias existe forte facilitação nas trocas de experiência entre criminosos, bem como na formação de quadrilhas e bandos.[22]

Nesse contexto, fica claro que a prisão em nosso país não cumpre o seu papel, qual seja, ressocializar o preso. Pelo contrário, o período em que passa na cadeia só estimula o indivíduo a praticar mais atos violentos.

Assim, a redução da maioridade penal para os dezesseis anos envolveria a inserção de adolescentes em tais locais, o que provavelmente acarretaria inúmeros efeitos negativos. Além de se aumentar de forma considerável o número de presos, os jovens estariam sujeitos a péssimas condições de higiene e salubridade.

Ademais, o contato com bandos e quadrilhas poderia gerar o efeito inverso do cumrpimento da pena, levando à reincidência ou a uma “profissionalização” do jovem no mundo do crime. Finalmente, o fato de ser exposto a tratamento desumano e humilhações poderia gerar graves consequências no desenvolvimento psicológico do jovem.


Conclusão

O presente artigo analisou aspectos relativos à maioridade penal e a eventual possibilidade de reduzi-la. Nesse sentido, foi crucial o estudo da evolução histórica por que passou o Direito Juvenil, demonstrando que antes o Brasil adotava a etapa indiferenciada, passando ao período tutelar e hoje adota uma posição garantista na proteção de crianças e adolescentes.

Nesta esteira, a legislação brasileira sofreu diversas mudanças, culminando nas previsões da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Ambos trazem previsões no sentido de que a maioridade penal somente é atingida aos dezoito anos, o que coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro e internacional.

Foi necessário também analisar o motivo do cometimento de crimes por jovens, bem como as razões por que há uma pressão social para que o Estado reduza a maioridade. Aqui, percebe-se uma questão de populismo punitivo do próprio Estado, que, junto com a influência da mídia, a sensação de insegurança e impunidade e a falta de informação,leva à criação de várias propostas para alterar a lei brasileira.

No entanto, resta incontestável a impossibilidade de redução da maioridade penal, tanto por motivos jurídicos como de política criminal. O artigo 228 do texto constitucional, o qual prevê quea maioridade penal se dá aos dezoito anos, é cláusula pétrea,já que trata de direito individual, não podendo sofrer modificações, por força do artigo 60, § 4°, IV, da Constituição Federal.

Ademais, na prática, a redução da maioridade traria problemas ao sistema carcerário brasileiro: a superpopulação dos presídios aumentaria ainda mais, o que levaria a uma piora nas condições de higiene e privacidade. A inserção de adolescentes nas prisões também poderia levar ao efeito inverso do esperado, qual seja a redução da criminalidade juvenil. Isso já que nesses locais, além de serem submetidos a violência física, psíquica e moral, os jovens não conseguem aperfeiçoar sua formação acadêmica, profissional e pessoal da mesma forma que teriam se estivessem inseridos em sociedade.


Notas

[1] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 32-33.

[2] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 34.

[3] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 37-39.

[4] Exposição de Motivos do Código Penal de 1940. In: BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 379.

[5] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 84-86 e SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 141.

[6] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 90-92.

[7] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 98.

[8] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 157-158.

[9] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2006. p. 109.

[10] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 161.

[11] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 114-115.

[12] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 116.

[13] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 119.

[14] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 120-121.

[15] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 124.

[16] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 213-214.

[17] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 125-126.

[18] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 128-129.

[19] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 147.

[20] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 130.

[21] FERREIRA, Ivette Senise. Imputabilidade e maioridade penal. In: CRISÓSTOMO, Eliana Cristina R. Taveira, NUNES, Irineide da Costa e Silva, SILVA, José Fernando da e BIERRENBACH, Maria Ignês (Org.). A razão da idade: mitos e verdades. 1.ed. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2011. p. 101.

[22] DALLARI, Dalmo de Abreu. A razão para manter a mioridade penal aos 18 anos. In: CRISÓSTOMO, Eliana Cristina R. Taveira, NUNES, Irineide da Costa e Silva, SILVA, José Fernando da e BIERRENBACH, Maria Ignês (Org.). A razão da idade: mitos e verdades. 1. Ed. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2011. p. 26.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Priscila Silva. Redução da maioridade penal como forma de combate à criminalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4292, 2 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33403. Acesso em: 5 mai. 2024.

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