~~Encerradas as eleições presidenciais, de 2014, muitos alertam para o perigo. Politicamente, dentro e fora do governo, é possível. Em 2013, em meio às manifestações de milhões de pessoas pelo Brasil afora, com Black Blocs à proa, o governo articulava no Congresso Nacional (está na gaveta) um pacote legal apelidado de Lei Antiterror. A regra é a mesma, se o poder não pode conter a sociedade civil, age contra ela, alegando-se a defesa da democracia. Menos democracia, imputação de “novos” crimes políticos, para ter mais democracia amanhã. No tocante a esta lógica, todos sabem que “quem pode o mais, pode o menos”; mas, o inverso, não. Dentro do governo, o toma cá, dá lá, acirrou-se fortemente: o fogo amigo ameaça implodir a economia, com “pautas-bomba”; mais de 50 parlamentares aliados seriam atingidos mortalmente pelo escândalo da Petrobrás (Petrolão); o STF quer punir com independência e severidade. Fora do governo, no denominado terceiro turno, a reunião de milhares/milhões de insatisfeitos e golpistas nas ruas, para outros tantos, pode albergar o impeachment da presidente recém-eleita.
Em hipótese alternada, podemos ter a marcha da família por mais propriedade e golpe militar. Esta algazarra fermentaria um Estado de Emergência Político, como alertava Saramago, em Ensaio sobre a cegueira (São Paulo, Companhia das Letras): “É o primeiro caso de uma treva branca que logo se espalha incontrolavelmente [...] Quod erat demonstrandum, concluiu o ministro [...] do que se tratava era de por de quarentena todas aquelas pessoas, segundo a antiga prática, herdada dos tempos da cólera e da febre-amarela [...] Queria dizer que tanto poderão ser quarenta dias como quarenta semanas, ou quarenta meses, ou quarenta anos [...] O quartel é o que oferece melhores condições de segurança, naturalmente tem porém um inconveniente, ser demasiado grande, tornara difícil e dispendiosa a vigilância dos internados [...] Havia soldados de guarda. O portão foi aberto à justa para eles passarem, e logo fechado [...] Por toda a parte se via lixo...” (p. 10-24-45-46).
Em todos esses cenários, o Estado de Direito é regressivo e repressivo. Entretanto, mesmo não sendo grande obstáculo, há ressalvas sociais e jurídicas. Setores e segmentos sociais, políticos democratas e que não se renderam ao golpismo, poderiam criar trincheiras dentro e fora do Estado. Uma reforma política que acenasse com medidas de moralidade republicana poderia amainar o clima político. Esta luta de classes racista pós-eleitoral – e que não se sabe qual a novidade trazida – poderia ser cobrada, “à justa”, no Judiciário. Afinal, o crime de racismo não regula apenas a relação brancos X negros. A defesa da ditadura é igualmente criminosa, visto que a ditadura cometeu inúmeros crimes sociais e políticos. Uma varredura judicial nas publicações e nas redes sociais – bastaria a denúncia de uns e outros – poderia trazer o juízo de volta. A Constituição Federal de 1988 seria forte barreira às ações desferidas contra o Estado Democrático de Direito (art. 1º; 5º, XXXVII, XLIV, XLVII). O Estado de Defesa (art. 136 da CF/88) e o Estado de Sítio (art. 137 e ss. da CF/88) são regulados por equivalentes democráticos. Hoje, diante da comunidade internacional, não é tão fácil rasgar a Constituição, como foi em 1964, ou com a manipulação nazista da Constituição de Weimar (1919). Contudo, isso não importa muito, se o povo não for às ruas lutar pela democracia e exigir a punição legal dos golpistas.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
É possível um Estado de Direito regressivo e repressivo?
Vinício Carrilho Martinez
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi