Há quem entenda que os embargos de declaração prestam-se, tão somente, à declaração ou interpretação da sentença, cujo dispositivo não pode, por via deles, ser alterado, rejeitando, destarte, a possibilidade de serem recebidos em seu efeito infringente ou modificativo.
Segundo joão monteiro ( [1]), só é lícito ao juiz "declarar a sentença já proferida, não podendo, portanto, modificar em ponto algum a mesma sentença. A decisão sobre tais embargos está para a sentença declarada na mesma relação em que, para a lei interpretada, está a lei interpretativa: assim como esta faz parte integrante daquela, de modo que uma e outra são a mesma lei, assim também a sentença declarativa e a declarada se integram em uma mesma sentença".
Todavia, tal raciocínio aplica-se apenas à operação de afastamento do vício de obscuridade, na qual a tarefa do julgador, quando provocado, restringe-se em esclarecer os conceitos obscuros e ambíguos, sanar os erros de concordância, de modo a facilitar a compreensão do decisum prolatado.
De outro lado, verificando a presença dos vícios de contradição e omissão, deverá o magistrado, muita das vezes, reabrir o julgamento.
Na tentativa de harmonizar eventuais proposições contrastantes, poderá optar pela exclusão daquela que lhe parecer inadequada. Poderá, outrossim, afastar duas ou mais proposições contraditórias, agregando à decisão uma nova proposição. Tanto em um como noutro caso, há possibilidade de ocorrer uma inovação que importará, sem sombra de dúvidas, modificação da decisão.
Denunciada e afastada a omissão, conforme preleciona moniz de aragão ( [2]), "necessariamente o julgamento será reaberto, a fim de o juiz preencher o claro nele existente. Em muitos casos a omissão é suprida facilmente, com a inserção do pronunciamento que faltava (p.ex.: condenação ao pagamento dos honorários de advogado, que fora omitida). Em outros, porém, a correção da falha repercute sobre o julgamento de outra questão e o juiz terá de modificar algum ponto da sentença, afetado direta ou reflexamente pelo acréscimo da manifestação que nela faltava".
Verifica-se, portanto, ser inegável que os embargos de declaração, em alguns casos, terão, necessariamente, a força e o efeito de modificar o julgamento, sob pena de ser impossível declará-lo.
Outro não poderia ser o entendimento, haja vista que o próprio Estatuto Processual ao prever, em seu artigo 463, inciso II, a possibilidade do juiz "alterar" o julgado por intermédio dos embargos de declaração, sufraga a tese ora sustentada, eis que o vocábulo "alterar" nada mais quer dizer do que mudar, modificar, transformar ( [3]).
Observa-se, em nossa jurisprudência ( [4]), que não mais subsiste qualquer discussão acerca do tema.
Em julgamento proferido pelo supremo tribunal federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 59.040 ( [5]), ficou assentado que "embora os embargos declaratórios não se destinem normalmente a modificar o julgado, constituem um recurso que visa a corrigir obscuridade, omissão ou contradição anterior. A correção há de ser feita para tornar claro o que estava obscuro, para preencher uma lacuna do julgado, ou para tornar coerente o que ficou contraditório. No caso, a decisão só ficará coerente se houver a alteração do dispositivo, a fim de que este se conforme com a fundamentação. Temos admitido que os embargos declaratórios, embora, em princípio, não tenham efeito modificativo, podem, contudo, em caso de erro material ou em circunstâncias excepcionais, ser acolhidos para alterar o resultado anteriormente proclamado".
Admite, ainda, o Pretório Excelso a possibilidade de ser conferido efeito modificativo ou infringente aos declaratórios nos casos em que não cabe outro recurso, bem como nos de erro de fato ( [6]).
Também o Colendo tribunal superior eleitoral ( [7]), atento às conquistas processuais, há muito tempo acatou, em suas decisões, a proposição ora defendida, desde que configuradas as hipóteses admissíveis.
No âmbito da Justiça do Trabalho, restou editado pelo Egrégio tribunal superior do trabalho o enunciado de súmula nº 278, que ampara esse entendimento.
Contudo, verifica-se que os Tribunais têm relutado em atribuir o indigitado efeito aos embargaos de declaração, só o fazendo excepcionalmente, prestigiando, por conseguinte, o entendimento restrito.
Em contraposição a esta postura, contundentes são as palavras do mestre seabra fagundes ( [8]), para quem deve o magistrado, quando possível, afastar-se do formalismo exacerbado a que estão acometidos certos diplomas legais, ampliando sua compreensão, expediente esse essencial à evolução lenta e conveniente do direito.
Ademais, imprimindo força modificativa ou infringente aos declaratórios, estarão os julgadores demonstrando não ter acanhamento em reconhecer eventuais equívocos presentes em seus decisórios, aplicando-se, para o caso, os ensinamentos do eminente Ministro washington bolívar ( [9]), no sentido de que "não deve o juiz ter pejo de confessar que errou, em qualquer circunstância e, muito especialmente, quando ainda há tempo de corrigir-se e corrigir. Pois aquele que reconhece o seu erro demonstra que é mais sábio hoje, quando o corrige, do que ontem, quando o praticou".
Lembramos, por fim, que o processo civil é instrumento de realização dos direitos substanciais, não podendo o magistrado negar a realidade do erro evidente, em prejuízo da verdade e da justiça!
Notas
1. Citado por Sonia Márcia Hase de Almeida Baptista, Dos Embargos de Declaração, p. 142.
2. In RT-633 – julho de 1988, p. 19.
3. Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, p. 92.
4. RTJ 40/44, 57/145, 65/869, 63/424, 86/259, 88/325, 89/548, 40/772, 65/170, 88/325, 90/353, 73/795, 70/561, 82/437, 464/263/, 431/244, 600/238, RT 565/173-174, RT 569/172, RJTJRS 69/136, etc..
5. In RTJ 40/44.
6. RE nº 87.092, Rel Min. Soares Munões, in RTJ 94/1.167; v. RTJ 94/1.168.
7. Ac. n. 9.103, de 23.08.1988, Rec. n. 6.909, RJ, Rel. Min. Francisco Rezek, in BE 448/1.085; Ac. n. 13.035, Rec. n. 10.924-MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, in JTSE 2/94/217; Ac. n. 13.071, Rec. n. 10.831-PA, Rel. Min. Torquato Jardim, in JTSE 2/94/247.
8. M. Seabra FAGUNDES, Contribuição da jurisprudência à evolução do direito brasileiro, in Revista Forense, CXXVI v. p.34.
9. In Revista do Tribunal Federal de Recursos Nº 119, p. 318-323.