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O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.

Histórico, desenvolvimento e a era digital

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

I. - Histórico:

De início, cumpre-nos apresentar o serviço de registro de títulos e documentos, que para muitos ainda é um ilustre desconhecido, e mostrar a praticidade desse instrumento de segurança jurídica, que é de grande utilidade aos operadores do direito em geral e, aos advogados, em especial.

A origem do registro de títulos e documentos, segundo historia o magistrado Kioitsi Chicuta, surgiu em razão de que "desde tempos imemoriais o homem tem demonstrado intensa preocupação de perpetuar atos e fatos relevantes (inscrições e desenhos em pedras)" [1], por exemplo. No Brasil, ainda segundo o renomado especialista, "sua origem como serviço sistematizado pelo Estado" recebeu regramento original nos títulos 78 e 80, do Livro I, das Ordenações do Reino de 1603, e foi atribuída, à época, aos Tabeliães de Notas (aos quais, aliás, eram atribuídos todos os atos dos serviços hoje denominados extrajudiciais).

Com o desenvolvimento da sociedade, os serviços de registros públicos, pouco a pouco, foram especializando-se e, em razão de suas finalidades específicas, foram segmentados por naturezas (Registro de Hipotecas, posteriormente Registro de Imóveis; Registro de Títulos, Documentos e outros Papéis e Civil de Pessoas Jurídicas, etc.). Assim, no ano de 1903, pelo Decreto Federal n° 973, foi criado, na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, o serviço público correspondente ao "primeiro ofício privativo e vitalício do registro facultativo de títulos, documentos e outros papéis, para autenticidade, conservação e perpetuidade dos mesmos e para os efeitos previstos no artigo 3° da Lei 79, de 1892". Posteriormente, face ao sucesso da medida e à necessidade de sua implantação, outras unidades foram criadas nos demais Estados Federados.

Em 28 de setembro de 1906, foi instalado em São Paulo o primeiro ofício de registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas.

Em 1° de janeiro de 1916, revogando as Ordenações, Alvarás, Leis e outras normas, foi sancionada a Lei n° 3071, consolidando o Código Civil brasileiro, que, em seu Livro III, Título I, Capítulo IV (arts. 129 e seguintes), disciplinou os meios de prova dos atos jurídicos, regulando os institutos.

Sucederam-se as normas [2], até que, em 31/12/1973, foi sancionada a Lei n° 6.015, que vige até o momento, disciplinando, nos seus arts. 127 e ss. o registro de títulos e documentos.

Ocorre que, em razão de originalmente acometidos os serviços aos Tabelionatos de Notas, posteriormente, aos Ofícios de Registro de Imóveis e, somente no início do século passado aos registros especiais de títulos e documentos, os usos e costumes inerentes aqueles serviços nortearam a tônica da prática cartorária, muita vez olvidando a própria razão de ser do registro de títulos e documentos e outros papéis, sendo-lhes exigidos rigor e solenidades não prescritas em lei.

Isso, porque os bens da vida juridicamente protegidos, por exemplo, pelo registro de imóveis, são diversos dos protegidos nos registros de títulos e documentos. Nos primeiros, visa-se proteger um fim, o direito de propriedade (direito real, que exige forma solene); nos segundos, o que se visa proteger é o próprio meio, ou seja, o título ou documento, o meio de prova que dará ensejo à proteção de eventual direito ou obrigação. Quer dizer, aqui a solenidade pode não ser da essência do ato ou fato pretendido provar e que, para tanto, necessita registro, seja quanto ao seu conteúdo (o qual não deverá ficar ao arbítrio do registrador examinar), para alcançar efeitos decorrentes de sua publicidade, seja para adquirir autenticidade, seja, enfim, para mera conservação ou prova de data.

Assim, os serviços atribuídos aos Oficiais do segmento, desde sua origem e como traduz sua denominação, são os atos de registro de títulos, documentos e outros papéis, e não somente de títulos ou instrumentos (a utilização da conjunção aditiva "e" seguida do vocábulo "documentos", que tem significação jurídica própria, não pode ser havida como ignorância do legislador, muito menos sua insignificância – porque "a lei não contém palavras inúteis", como ensinava a famosa máxima de Carlos Maximiliano, amparada em antigo axioma [3]).

Por relevante para a compreensão do tema, faz-se, aqui, necessário lembrar, a clássica distinção entre instrumento, documento e papel, onde instrumento é o meio que dá forma a ato jurídico gerador de direitos e/ou obrigações à(s) parte(s); documento é qualquer meio de prova material; e, papel é o meio material de prova de menor relevância no mundo jurídico, por não conter direitos ou obrigações, mas que, por qualquer motivo, pode igualmente ser objeto de registro para mera conservação, publicidade e prova de data da existência de um escrito particular.

Enfoque importante dessa distinção está em que, se nos registros imobiliários, são fundamentais, conteúdo e forma; no registro de títulos e documentos essa importância é relativa, porque, às vezes, o objeto da proteção jurídica, o interesse juridicamente tutelado é a proteção ao meio, ao início de prova por escrito contido em uma declaração ou escrito particular.

Sabendo-se que os atos jurídicos provam-se por qualquer meio material de provar um direito ou uma obrigação nele inserida (arts. 135 e 136 do Código Civil), seu conteúdo e sua forma têm relevância reduzida, não sendo razoável obstar o registro do meio de prova, o qual será objeto de apreciação judicial competente. Poderá, assim, uma parte ter legitimo interesse de registrar esse início de prova por escrito, esse documento, para lhe dar publicidade ou autenticidade, fazendo prova de sua data, e, nada mais razoável, que abrir as portas do serviço extrajudicial, para assim fazê-lo.

É trivial que houve toda uma técnica jurídica na sua criação dos institutos, formando um sistema, um todo integrado. Sabedores desses princípios, fica mais fácil compreender que o sistema de registros não é um fim em si mesmo, mas um meio de atender às necessidades das partes, da sociedade, do povo, seu usuário e razão de sua existência.

Ademais, é certo que a valoração da prova é da competência do Poder Judiciário, no caso concreto - e aqui reportamos ao princípio da razoabilidade -, para dizer que não é razoável obstar registro de meio de prova, cujo efeito merecerá apreciação judicial, futura. O registro visa a segurança jurídica das partes. O registro não altera a natureza das coisas, o meio usado não altera o fato, pelo simples registro em títulos e documentos. Garante-lhe, todavia, a publicidade e a prova da data, na qual exarado. Os efeitos que irão gerar, nos casos concretos, serão objeto de apreciação judicial. O que não nos parece recomendável é impedir a publicidade e a prova da data, da existência do meio de prova por escrito, que será valorado em Juízo.

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De igual modo, face às várias alterações legislativas ocorridas no último século, faz-se necessário dar maior transparência aos atos de registro, mais uma vez em garantia do princípio da segurança jurídica necessária, e entregá-la, aos operadores do direito, em especial, e ao povo, em geral.

A importância da menção histórica do sistema dos registros de títulos e documentos e outros papéis, para validade contra terceiros e sua conservação, portanto, está em que, desde os seus primórdios, o legislador previu a necessidade e a possibilidade de conferir maior transparência e segurança à população, pelo registro de seus títulos, documentos e papéis em serviço próprio do Estado, hoje descentralizado, porém, ainda público.

Fizemos essa introdução histórica, porque detendo esse conhecimento, fica mais fácil abordar a questão da preservação e efeitos probatórios dos documentos digitais, que tantas dúvidas tem suscitado nos meios acadêmicos.


II. – O Documento digital:

Já vimos o que são títulos, documentos e papéis, bem como o sistema adotado em nosso direito para sua preservação.

Apesar de hoje já quase em desuso, o sistema previsto pelo legislador pátrio para conferir autenticidade, perpetuidade e publicidade dos documentos particulares, lato sensu, fixou-se na outorga da atribuição a oficiais de registros públicos para a trasladação, por transcrição, nos livros cartorários, da forma e conteúdo daqueles documentos, de modo que, registrados no cartório competente, passava a contar com verdadeira autenticidade, ou seja, valor de prova e presunção de veracidade de seu conteúdo, oponível a terceiros e, em razão de sua prenotação, em livro de protocolo, cronológico, também de prova de sua existência e de sua data. É evidente que fazendo-se necessário transcrever ipsis litteris o documento original, inclusive com sua grafia na língua em que apresentado, havia uma grande demora na prática desse mister.

Em meados do século passado, surgiu uma nova tecnologia, o microfilme, capaz de preservar, integralmente, em fotogramas, a forma e o conteúdo dos documentos, garantindo, inclusive, maior segurança à cronologia dos registros, porque impossível deixar-lhes espaços em branco, para preenchimento posterior. Face a essa modernidade, a Lei 5433, de 08/05/1968, regulamentada pelo Decreto 64398, de 24/04/1969, conferiu aos cartórios de registro de títulos e documentos a faculdade de efetuar seus registros através desse novo meio, de modo a conferir, não só mais segurança e irretorquível fidelidade ao original, como, também, maior agilidade ao serviço.

Com a adoção dessa nova e, então, moderníssima tecnologia, à época não houve nenhuma celeuma quanto à atribuição para autenticar documentos particulares continuar pertencendo aos serviços de registro de títulos e documentos, porque os juristas da época, cientes da razão de ser do sistema registrário, perceberam que a alteração do meio, em nada alterava os fins jurídicos, que eram a fonte que banhava esse sistema.

O que importava não era o meio de transmissão ou armazenamento dos documentos, mas o fato de seus conteúdos ficarem arquivados em registro público, para conservação perene e conhecimento de terceiros.

Ciente do princípio da especialidade, o meio jurídico absorveu com tranqüilidade esse novo sistema de registro, o qual vem se mantendo até hoje e, é certo afirmar, que, nos grandes centros urbanos, todo o serviço de registro de títulos e documentos é realizado através de sistema de microfilmagem.

Mais recentemente, surgiu uma nova tecnologia, um novo meio para formalizar a vontade humana: o documento digital.

Não pretendo, aqui, definir o que é o documento digital, nem cansar os leitores com a utilização de anglicismos, tais como função hash, bites e assemelhados. Em primeiro lugar, porque nesta casa há vários especialistas no assunto, que melhor poderiam fazê-lo e eu não posso correr o risco de cometer equívocos técnicos, já que essa tecnologia é muito nova e está sujeita a maior amadurecimento. Em segundo, porque a finalidade dessa conversa não está em tornar ainda mais arenoso o terreno, mas, sim, em simplifica-lo, torná-lo útil na prática do dia-a-dia dos advogados e operadores do direito, ainda que tecnófobos, de modo a poderem extrair dos documentos digitais os efeitos jurídicos de prova, que o caso concreto vier a exigir.

Assim, partimos de dois conceitos: o documento original em meio papel; e o documento original já em meio digital.

Essa distinção é fundamental, dentro do nosso sistema registrário, porque, como ensinava PONTES DE MIRANDA, "as leis são feitas para serem entendidas; não para serem zurzidas pelos que não se dão à canseira de as penetrar." [4]

A distinção, portanto, versará, inicialmente, conceito basilar: o de documento original.

No repertório jurídico, DOCUMENTO vem "do latim documentum, de docere (mostrar, indicar, instruir), na técnica jurídica entende-se o papel escrito, em que se mostra ou se indica a existência de um ato, ou de um negócio. Dessa maneira, numa acepção geral de papel escrito, ou mesmo fotografia, em que se demonstra a existência de alguma coisa, o documento toma, na terminologia jurídica, uma infinidade de denominações, segundo a forma por que se apresenta, ou relativa à espécie, em que se constitui." [5] "Em relação à maneira por que o documento se produz, diz-se público ou particular. E, conforme é apresentado em sua forma primitiva ou em reprodução dela, diz-se original, cópia, traslado, certidão, pública-forma, extrato. [6]

De igual modo, ORIGINAL vem "do latim originalis, exprime o adjetivo tudo o que vem da origem, é primitivo, é o primeiro ou se mostra o que se fez pela primeira vez. Na significação técnica, notadamente da linguagem forense, original entende-se todo escrito, que deu origem ou em que se firmou o contrato ou se materializou o ato jurídico. Assim se diz contrato original para aludir ao escrito em que o contrato foi firmado ou feito." [7] Sendo relevante frisar que, "na linguagem técnica dos tabeliães e cartorários, original entende-se a primeira reprodução do que consta dos assentos de seus livros, dos termos ou escrituras ali lavrados. É a primeira extração ou o primeiro extrato de todos os atos escritos, registrados em seus livros. Já as segundas reproduções e seguintes se dizem traslados ou certidões, tendo embora a mesma força jurídica dos originais, desde que trasladadas ou certificadas pelo mesmo oficial que as fez originariamente. Os originais diferem das cópias e das públicas-formas, que se entendem reproduções não do assento ou escritura constante dos livros, mas dos documentos, que os representam." [8]

Como curial, há distinção entre presentar (tornar presente, materializar) e representar (sem ser o próprio, fazer suas vezes). Por isso, a reprodução (re-produção, extrair cópia, produzir derivado) difere de produzir (criar, dar origem, originar, original) documento.

E, apesar de propedêutico, distinguindo CÓPIA do ORIGINAL, temos que, aquele vocábulo tem outro significado técnico, vindo "do copiam dare, copiam efficere, significando a permissão para o describere (trasladar, transcrever), proveio a admissão de copia, como a própria trasladação, reprodução ou transcrição. É isto que significa a reprodução literal de um escrito chamado original. Assim sendo, a cópia se opõe ao original de que é duplicado ou uma reprodução. Segundo o estilo com que a cópia se formula, várias as denominações que se lhe dão. Assim é certidão, é traslado, é pública-forma, é cópia autêntica, é cópia conferida, é cópia fotostática." [9]

Como se vê, cópia e original se opõe, não podendo ser confundidos, porque o original é uno (independente do número de vias, que é outra coisa), é o escrito em que se materializou a vontade humana, que deu origem ao ato ou negócio jurídico.

Portanto, temos aqui a distinção fundamental: o documento original que se materializou e aperfeiçoou em meio papel, ainda que reproduzido em meio digital, essa reprodução, como o vocábulo indica, continuará a ser mera reprodução, sem efeitos de original. Já o documento que se tenha materializado e aperfeiçoado em meio digital, será original, na forma, ou meio, em que se aperfeiçoou, quer dizer, em meio digital.

Já se pode depreender que, tendo o nosso sistema legal atribuído aos registradores de títulos e documentos a legitimidade para, através da transcrição em seus livros de registro ou perpetuação em sistema de microfilmagem conferir autenticidade aos documentos particulares, a eles compete registrar e, com esse procedimento, conferir autenticidade aos documentos particulares em meio papel ou digital.

Semelhante não é igual, não é o mesmo. Cópia ou reprodução, não são o original, não é o mesmo, é outro!

Nem se pense que, em meio originalmente digital, seria diferente.

Friso que o direito é um sistema, um todo integrado. Os atos jurídicos desenvolvem-se através de iteris, gerando efeitos e aperfeiçoando-se a cada momento.

Assim, por exemplo, faz-se necessário lembrar que as declarações unilaterais de vontade aperfeiçoam-se com a simples emissão da declaração; os contratos, surgem com a proposta (que como tal se aperfeiçoa com sua emissão, como declaração unilateral de vontade) e aperfeiçoam-se com a aceitação. [10]

Gosto de lembrar as lições que recebi do magistrado carioca, Celso Peres, que, na introdução ao estudo dos contratos, dizia que, nas nossas relações mais corriqueiras aplicava-se o direito. Assim, por exemplo, ao comprarmos um pãozinho na padaria, estávamos, na verdade, realizando uma compra e venda, contrato verbal, mas contrato... Houve a oferta do produto e a aceitação do preço, aperfeiçoando-se o negócio no momento da tradição do produto e pagamento do preço.

Há outros atos jurídicos que exigem forma escrita ou solenidades que têm de ser provadas. Aí entra a necessidade da autenticidade do documento.

Fazendo um paralelo, é muito comum que as propostas sejam ofertadas por meio de fac-simile. A prova da emissão da proposta e seu recebimento não estão no papel que ingressou na máquina transmissora, mas, sim, na via transmitida e recepcionada. Esse fax é meio de prova. Os efeitos que irá gerar serão examinados em juízo, onde caberá ao julgador observar as regras contidas, dentre outros, nos artigos 332, 335, 374, 375 e 386 do CPC, atribuindo ao documento o valor que os usos comuns lhe dão.

Outro exemplo corriqueiro é a oferta pública de produtos, através de encartes em jornal. Qual é o original? Todos, evidentemente, são vias originais. Assim como no meio papel, a possibilidade de extrair-se inúmeras vias de um documento original digital, não induz dúvida sobre qual dessas vias é a original. Todas são. A data em que se aperfeiçoou o ato jurídico constará do documento e não há nenhuma vedação a que seja levado a registro, mesmo após escoados vários anos, como ocorre no meio papel. No meio papel, a regra é que, apresentado até 20 (vinte) dias após sua concretização, o ato gerará efeitos desde sua constituição e os apresentados após esse prazo somente gerarão efeitos perante terceiros, após o registro. [11]

Em meio papel, apenas aquela via que foi apresentada, e de forma vetusta carimbada e certificada, é que irá gerar efeitos perante terceiros. Se havia outras vias, idênticas, elas não provarão o registro e seus efeitos. Porém, requerida uma certidão, ela será extraída com idênticos teôr, forma e efeitos do original. No meio digital, ocorrerá o mesmo. Apenas a via apresentada a registro merecerá a certificação digital e será oponível a terceiros, fazendo prova contra terceiros. Mas, a certidão poderá ser emitida em meio digital, com a certificação igualmente digital, por meio de disquete, CD-ROM ou e-mail. Perdidas as vias originais, a certidão terá o mesmo efeito de prova.

Assim se dará, também, com as certidões extraídas dos registros de imóveis, dos registros civis, dos Tabelionatos de Protesto, quanto aos atos registrados em seus livros.

Logo, a possibilidade de gerar inúmeras vias, não traz nenhuma novidade no meio digital, porque a prova do registro continuará a ser feita através da via registrada ou da certidão correspondente.

A única exigência que se faz para o registro de documento originalmente digital é que ele possa ser materializado em vernáculo (não valendo o documento criptografado, por exemplo), porque o oficial tem de ter conhecimento do seu conteúdo [12] e terá de poder emitir certidões desse registro, dando conhecimento a terceiros desse conteúdo. Assim, apresentado em forma digital um contrato, o registrador de títulos e documentos exigirá requerimento, em papel, firmado pelo apresentante, para que possa ser efetuado o registro. Caso assinado digitalmente, será exigida a atestação da assinatura digital, que nada mais é que o reconhecimento da assinatura, tal como se faz no meio papel, porque, em meio digital, ainda não é possível identificar o sinal, as chaves dos emitentes. Tão logo possível, a recepção se dará em processo integralmente digital, desde que se possa aferir sua autoria. Se apresentado por terceiro interessado, far-se-á necessário requerimento próprio, com assinatura do apresentante.

Outra questão relevante é o prazo das certidões emitidas em via digital, porque, ao contrário do que vem sendo ofertado por alguns profissionais, essas certidões, poderão não ter validade eterna, como ocorre, por exemplo, com as certidões emitidas pelos registros de imóveis e tabelionatos de protesto, bem como Tabelionatos de Notas, porque versando atos de trato sucessivo, poderá ocorrer alterações na cadeia registral ou notarial, valendo, portanto, em regra, pelo prazo de 30 (trinta) dias de sua emissão.

Importante, portanto, nesse primeiro momento, afirmar que, geradores de efeitos jurídicos, os instrumentos e documentos digitais, materializados ou materializaveis, sob qualquer forma, constituída estará a origem dos direitos e obrigações, o original, ensejador de registro. Essa importância está na possibilidade de saber-se a partir de quando e até quando se constitui e se altera o documento digital original.

Partindo-se desses conceitos, fica mais fácil compreender que aos contratos virtuais, ou eletrônicos, digitais, aplicam-se as regras do artigo 1086 do Código Civil, que regem os contratos por correspondência epistolar, ou telegráfica, e emitida a proposta, tornam-se perfeitos, desde que a aceitação é expedida, ou de acordo com o convencionado entre as partes, porque, desde esse momento, materializou-se a vontade das partes. A exteriorização da volição é que aperfeiçoa o ato jurídico. E essa exteriorização pode se dar em meio digital. Aperfeiçoado, fica constituído o instrumento, documento ou papel.

Portanto, em ambas as hipóteses, seja ato unilateral, seja bilateral ou plúrimo, seu aperfeiçoamento se dará com a simples emissão da(s) vontade(s), surgindo, daí, o documento original, que dá origem a direitos e obrigações, entre as partes. Por isso que a simples atestação de sua origem, ou da conferência com o original ou com a assinatura digital, não importará em um novo(?) original, assim como a autenticação de cópia ou o reconhecimento de firma, em meio papel, não altera a data do aperfeiçoamento do ato jurídico, nem gera efeitos perante terceiros ou goza de perpetuidade. Da mesma forma, o registro em títulos em documentos não cria um novo original, apenas lhe confere autenticidade, porque, aí, a lei diz que serão gerados os efeitos de original perante terceiros, inclusive para sua perpetuidade, permitindo ao usuário desfazer-se dos originais. [13]

Vejamos, novamente, o meio papel. Em meio papel, as partes formalizam e exteriorizam suas vontades ao assiná-lo. Enquanto não registrado, esse documento continuará a ser particular e a gerar efeitos entre as partes. Não importa em quantas vias, eis que não há limitação legal para isso. Ao reconhecer as firmas, atesta-se que quem assinou foram, realmente, as partes. O documento continua particular e, se perdidas suas vias, perdeu-se o documento. Ao registrá-lo em títulos e documentos, passa a ser documento público, angariando presunção de veracidade, inclusive contra terceiros e, ainda que perdidas todas as vias originais, a certidão emitida pelo Oficial terá o mesmo valor que o original [14].

Por isso, não se pode confundir original na essência com reprodução do original. O simples fato de reproduzir o documento em meio digital não cria um novo original, mas (como o vocábulo reproduzir indica), uma cópia, porque o ato jurídico já se encontra perfeito e acabado, através da emissão da vontade no documento original. A oponibilidade perante terceiros é posterior e nada tem a ver com a conclusão do contrato.

Mal comparando: o reflexo que se vê no espelho não é idêntico ao indivíduo refletido, porque não lhe possui o espírito e o discernimento, não possui vida própria. As cópias, ainda que autenticadas, se contestadas, terão de ser novamente confrontadas com o original em juízo. [15] A alegada presunção de veracidade esvai-se.

Face a essas considerações, entendemos inviável a geração de reproduções de documentos, com efeitos de perpetuidade (com extração de quantas cópias se quiser, como às vezes alardeado), sem o devido registro em títulos e documentos, sendo de nenhum valor jurídico, as assim extraídas.

Sobre o autor
Paulo Roberto de Carvalho Rêgo

oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Cidade de São Paulo, vice-presidente do Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos da Cidade de São Paulo, diretor da Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (ANOREG-SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Paulo Roberto Carvalho. O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.: Histórico, desenvolvimento e a era digital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3382. Acesso em: 5 nov. 2024.

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