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O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.

Histórico, desenvolvimento e a era digital

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

III. - A preservação do documento digital dá-se por autenticação notarial ou ato de registro?

Com o advento da tecnologia digital, tivemos notícia do aceno ao público, por parte de alguns tabeliães de notas, que, confundindo a natureza jurídica das autenticações de cópias e pretendendo alargar os limites das atribuições notariais, passaram a oferecer serviços de digitalização de documentos, idéia que, em um primeiro momento, foi "comprada" por profissionais do direito, mais afoitos, face à revolução ensejada.

Apesar do salutar interesse em melhor servir ao público, destinatário dos serviços, vemo-nos obrigados a alertar para a prática equivocada desses atos notariais, que, na verdade, são de atribuição específica dos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos.

Assim é porque, na realidade, a adoção do meio digital não veio para alterar, em nada, as atribuições cometidas aos tabeliães (de notas e de protesto) e aos registradores (civis, de pessoas naturais ou jurídicas, de títulos e documentos e de imóveis). O meio digital é, como vimos, assim como o meio papel, mero meio para instrumentalizar os atos e negócios jurídicos, sendo aplicáveis àquele as mesmas normas hoje já aplicadas a esse.

Temos, portanto, como regra primeira, que o que era realizado através do meio papel continuará a ser realizado através do meio digital, sem que, com isso, os serviços sofram qualquer alteração, principalmente, no que toca às atribuições de cada segmento dos serviços extrajudiciais.

Tanto assim que o legislador em sua grande sabedoria, ao vislumbrar a adoção do meio digital, em momento algum fez qualquer menção às leis 6015/73 e 8935/94, não tendo demonstrado mesmo, nenhuma intenção de revogar seus dispositivos e nem mesmo alargar o alcance desses, sabedor que é de sua desnecessidade, eis que inexiste qualquer incompossibilidade de adequação do novo meio aos serviços já descentralizados e atribuídos naqueles diplomas legais.

E por que frisamos a separação das atribuições legais de cada segmento cartorário? Porque os serviços extrajudiciais são serviços públicos, sujeitos às regras do direito público. Vamos, então, esclarecer, a seguir, a importância dessa natureza nos serviços delegados.


IV. - A natureza pública do serviço extrajudicial delegado:

Deve ser do conhecimento de todos que, desde a Carta Política de 1988, os tabeliães e oficiais de registro exercem o serviço que lhes foi outorgado, por delegação, em caráter particular. E é trivial, também, que, por versar delegação (ou seja, uma forma de descentralização) o serviço que lhes foi atribuído é um serviço público, sujeito às regras do direito público.

Nesse sentido e para que não pairem dúvidas quanto a esse elementar conceito, que é básico para o entendimento de todo o raciocínio aqui desenvolvido, escusamo-nos em cansar os ouvintes com a lembrança da melhor doutrina sobre o assunto. Ensina o especialista WALTER CENEVIVA, que "o serviço notarial e de registros se subordina rigorosamente ao princípio constitucional da legalidade. O ato praticado ou praticável é sempre previsto em lei, para ser executado e cumprido na forma desta" [16].

No mesmo sentido, ensinava o mestre HELY LOPES MEIRELLES que os

"Agentes delegados – são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria se encontram os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo" [17].

Quer dizer: apesar de exercidos em caráter privado, os serviços delegados são públicos e estão sujeitos ao regramento do direito público, sujeitando cada delegado aos limites de atribuições que lhes foram legitimados por lei.

Roborando, ainda mais, esta assertiva, a lição do ilustre 28° Tabelião de Notas da Capital de São Paulo, Leonardo Brandelli, o qual, em sua obra "Teoria Geral do Direito Notarial" [18], conclui que "a maioria da doutrina sustenta que o direito notarial é direito público. (...) Analisando-se a disciplina notarial com vistas aos três critérios supra-abordados, conclui-se pela sua publicidade. (...) Por conseguinte, o direito notarial é direito público, e não privado."

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Não poderá gerar surpresa, portanto, a leitura da conclusão do mestre WALTER CENEVIVA [19], onde esse afirma categoricamente que: "notários e registradores são profissionais do direito, mas praticantes de serviço do interesse público" e, ainda mais, que "o serviço notarial e de registros atribui garantia às pessoas naturais ou jurídicas... a garantia referida é, ainda, própria do serviço público. Gera responsabilidades para o Estado e para os titulares dos respectivos serviços..."

Releva observar que, de igual modo, não impressiona o fato dos delegatários em exame não ocuparem cargo público, porque pode haver, como há, exercício de função pública, sem correspondente cargo, e esse é o caso de notários e registradores, que desempenham função tipicamente pública, sem serem servidores públicos, porque não ocupam cargos públicos na administração, como é notório.

Nesse sentido, os ensinamentos do mestre processualista OVIDIO BATISTA DA SILVA, que afirma:

"Com base nos princípios estabelecidos pela Constituição, é possível revelar as seguintes características atuais do instituto notarial: a) trata-se de um serviço público delegado, a ser exercido por profissionais do direito, na condição de agentes privados; b) disso resulta que as pessoas investidas na função notarial, mediante concurso público, não são funcionários do Estado e nem participam dos quadros de pessoal dos serviços públicos."

"Como acontece com o regime das concessões de serviço público, o poder concedente – no caso a União Federal –reservou-se o poder de fiscalizar a regular prestação do serviço público concedido à iniciativa privada. Teve a Constituição Federal, no entanto, o cuidado de explicitar que a fiscalização dos tabelionatos e registros públicos, Atribuídos ao Poder Judiciário, far-se-á como é próprio ao regime de todos os serviços públicos concedidos, não sobre o serviço enquanto estrutura organizacional, como empreendimento empresarial privado, e sim sobre seu produto destinado ao público..." (apud fls. 21/22).

Claro, portanto, que o serviço é público, sujeito às regras do Direito Público ¾ principalmente quanto à legitimação dos seus agentes ¾ , sendo, única e tão somente, exercido em caráter privado.

Quer dizer, tudo isso foi lembrado e dito para que tenhamos em mente que, ao exercer função delegada, originalmente de competência do Estado, porém hoje descentralizada, notários e registradores estão legitimados a praticar, apenas e tão somente, os serviços que lhes foram atribuídos. Quer dizer, só possuímos legitimidade para realizar os atos que são da "competência" das funções delegadas.

Assim, por exemplo, no Brasil, porque há lei específica, os tabeliães de notas jamais poderão lavrar atas de protesto de títulos, como também jamais poderão lavrar atas notificatórias. De igual modo, jamais poderão autenticar documentos originais, mas, e apenas, suas cópias reprográficas, à vista dos originais.


V. - A autenticidade documental – autenticação de cópias reprográficas e a autenticação de originais:

Questão tormentosa, porque permite confusão pela utilização de vocábulo com sentido ambíguo, é a da autenticidade de documentos, dando azo a que alguns, mais apressados, entendam que haveria similitude entre a autenticidade de documentos e a autenticação de cópias reprográficas.

Não há.

Há documento original autêntico, porque possui a autoridade de prova; e há a mera cópia autenticada de documento, que é sua mera reprodução, com ele não se confunde e tem efeitos diversos.

Uma coisa é dar autoridade e efeito de prova a um documento particular original, ao arquivá-lo em registro público, com presunção de veracidade e efeitos perante terceiros; outra, completamente diferente, é atestar a conferência desse documento com seu original.

Como vimos, os serviços extrajudiciais possuem atribuições e competências restritas ao disciplinado em lei, porque, sendo públicos os serviços descentralizados outorgados, o agente (tabelião ou registrador) somente estará legitimado a proceder nos limites da lei que criou seu serviço e o delegou. É o que se convencionou chamar de Princípio da Legalidade, do qual resulta a presunção de legitimidade do agente do serviço público.

Assim, a melhor doutrina, há muito, vem ensinando, como o fazia JOSE DE AGUIAR DIAS, sobre a autenticidade, que "considera-se autêntico o documento que faz autoridade de prova ou de solenidade, por expressar, só por si, a observância das formalidades a que estava sujeito. A autoridade é a qualidade do documento autêntico." [20].

Observe-se que aquele culto jurista não faz qualquer menção à autenticação de fotocópias. E não o faz, porque apesar de já existente à época esse ato notarial, estava falando tecnicamente da autenticação de documentos ou seja, de sua jurídica autenticidade, de seu valor como documento autêntico e não como alguns leigos pensam, que a expressão autenticação deriva de um ato menor, ou seja, da autenticação de cópias reprográficas.

Na verdade, a derivação decorre de forma inversa. Porque autêntico o documento original, com o qual terá de ser confrontado obrigatoriamente, a cópia dele extraída, e apresentada para conferência por Tabelião de Notas, é que será "autenticada".

Note-se: não é documento autêntico; é cópia autenticada. Não é autêntico em sua essência, é autenticado. O sufixo nominal "ado", na língua portuguesa, expressa a idéia de que, apesar de não ser algo, será "provido de", terá o "caráter ou forma de". Assim está no léxico de AURELIO:

"-ado. Sufixo Nominal = "provido de"; "um tanto", "que tem caráter ou forma de": barbado, ciliado; adamado, avermelhado." [21]

Aprofundando. A cópia não é o documento autêntico, porque esse será sempre o original; ela foi especialmente autenticada para os fins aos quais assim se admite seja exibida.

É certo que houve larga vulgarização do uso da autenticação de cópias reprográficas, principalmente nas grandes cidades. Isso não desnatura, todavia, o sentido jurídico da autenticação de documentos e nem permite que tomemos a autenticação de cópias como se fosse autenticação de documentos.

E a razão é muito simples. Deflui do fato de que a autenticação de documentos originais, para gerar aquela autoridade documental, de que falava JOSE DE AGUIAR DIAS, em se tratando de instrumentos ou escritos particulares, somente se adquire através de sua transcrição em registro de títulos e documentos, como está expresso no nosso ordenamento jurídico, nos incisos I e VII do artigo 127 da Lei 6015/73 e na Lei 5433/68, que rege a microfilmagem. De igual modo, para conservar e garantir seu conteúdo e autenticar sua data, impõe-se a obediência ao regrado no nosso direito, ou seja, o registro previsto especialmente, no citado inciso VII do mesmo dispositivo federal.

Assim sendo, considerando-se o meio digital como mera forma de instrumentalização (como seria igualmente o papel, o microfilme ou o fotograma, por exemplo), dúvidas não podem haver quanto ao fato de que é atribuição dos oficiais de Registro de Títulos e Documentos e apenas deles, dar autenticidade aos seus originais, para que possam ingressar no mundo jurídico.

Este singelo procedimento registral é ato sine qua non para que qualquer documento digital adquira autenticidade, dentro do nosso ordenamento.

Registrado o documento em meio digital junto aos serviços de registro de títulos e documentos, aí e somente aí, ele passará a ser dotado de autenticidade e efeitos jurídicos, sendo passível de extração de certidões com valor exatamente igual ao do original, porque registrado, passível de confrontação futura, independentemente da vontade da parte sua detentora, e de acesso ao público em geral, o que dá efetiva segurança ao ato. Dessas certidões, sem dúvida, poderão ser extraídas, aí sim, cópias reprográficas autenticadas, porque aí o documento original passou a ser dotado de real e jurídica autenticidade.

Ademais, não pode haver cópia em meio diverso do original. Se houver, não será cópia, muito menos "fiel", do original, o que exige similitude inclusive de forma; será transcrição. E, transcrição, como se sabe, é ato de natureza registraria. Por isso que a autenticação de fotocópias não se dá por certificação, mas por ATESTADO, como ensinava PONTES DE MIRANDA e veremos a seguir, quando aprofundarmos o exame dos atos notariais.

Também por isso, não é possível aos notários digitalizar a imagem de documentos recepcionados em meio papel e transformá-los em meio digital, diverso do original. A transcrição de um meio para outro, ou seja, do original para o livro de registro ou para o microfilme, somente é admitida, com efeitos perante terceiros e a qualquer tempo, por meio do registro em títulos e documentos.

O nosso direito não reconhece valor a nenhuma outra via de transformação ou transcrição.

Por isso, afirmamos a ilegitimidade da autenticação notarial aos documentos digitais.

Sobre o autor
Paulo Roberto de Carvalho Rêgo

oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Cidade de São Paulo, vice-presidente do Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos da Cidade de São Paulo, diretor da Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (ANOREG-SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Paulo Roberto Carvalho. O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.: Histórico, desenvolvimento e a era digital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3382. Acesso em: 22 dez. 2024.

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