INTRODUÇÃO
Com a Carta de 1988, a Advocacia Pública ganhou papel de destaque, sendo alçada à categoria de função essencial à Justiça, ao lado da Advocacia, das Defensorias Públicas e do Ministério Público, no seu Capítulo IV, do Título IV.
Na nova ordem constitucional instituída, parte da função exercida pelo Ministério Público passou a ser de atribuição da Advocacia Pública.
Portanto, desde o seu nascimento, nítida a sua importância não só à Justiça, mas também à Democracia do País como função essencial à Justiça.
Importante, nesse momento, retratar o momento histórico vivido pelo país, nas palavras de Luís Roberto Barroso (2010, p. 246-247):
“No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente, no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem-sucedida, a travessia de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito.
Mais do que isso: a Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país. E não foram tempos banais. Ao longo de sua vigência, destitui-se por impeachment um Presidente da República, houve um grande escândalo envolvendo a Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, foram afastados Senadores importantes no esquema de poder da República, foi eleito um Presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores, surgiram denúncias estridentes sobre esquemas de financiamento eleitoral irregular e vantagens indevidas para parlamentares, em meio a outros episódios conturbados. Em nenhum desses eventos cogitou-se de qualquer solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional. Nessa matéria percorremos em pouco tempo todos os ciclos do atraso.
Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no país é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É grande o progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se mantinha em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor”.
DA ADVOCACIA PÚBLICA
Dito isso, cumpre registrar que a Advocacia Pública é tratada pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 131, in verbis:
“Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.
Conforme mencionado, a Advocacia-Pública Federal está inserida no capítulo referente às Funções Essenciais à Justiça, ao lado do Ministério Público, da Advocacia e da Defensoria Pública, ou seja, não pertence a nenhum dos três Poderes – Executivo, legislativo ou Judiciário -. Neste sentido, Cláudio Granzoto (2007, p. 24):
“Suas funções visam, de modo geral, a fiscalizar indevidas e desproporcionais ingerências do Estado na vida dos cidadãos, bem como suas políticas, para que as mesmas proporcionem um mínimo necessário a uma vida pautada na dignidade humana.
E a inserção destes órgãos em um dos três poderes seria inadequada, eis que, além de poder causar desequilíbrio entre os mesmos, desvirtuaria suas funções, tendo em vista que estando subordinado a um dos poderes estatais tradicionais, não haveria a necessária autonomia para censurar certas práticas do ente ora subordinado.
Nessa esteira, andou bem nosso constituinte ao inserir advocacia de Estado, a Defensoria Pública e o remodelado Ministério Público em um capítulo à parte, os órgãos essenciais ao funcionamento da justiça”.
Percebe-se, portanto, que à Advocacia Pública não cabe apenas a defesa do Estado, a qualquer custo, mas sim, a proteção deste conforme os objetivos trazidos pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Desta forma, hoje, o Advogado Público deve ser visto como aquele que trabalha lado a lado com os Poderes Constituídos para a resolução e diminuição dos conflitos da forma mais célere possível em prol do próprio Estado e dos cidadãos.
Percebe-se, assim, que a Advocacia Pública está presente no dia a dia da Administração pública, pois lhe confere suporte jurídico na busca de soluções e alternativas que viabilizem alcançar os resultados almejados pelo administrador, mas sempre fundados nos princípios basilares do Direito Constitucional.
Tal atuação, com observância às regras postas, contribui diretamente para a redução de litígios, acarretando benefícios incalculáveis para sociedade como um todo, pois conferem celeridade e, portanto, efetividade, à prestação jurisdicional.
Esta, além de tudo, deve ser justa, ou seja, o tempo de duração do processo deve ser razoável, não podendo se estender excessivamente ao ponto de não mais servir ao vencedor da demanda quando de sua efetivação.
Desta forma, a atuação dos Advogados Públicos deve atender os interesses do ente representado, mas desde que em obediência ao ordenamento jurídico vigente, notadamente a Constituição Federal de 1988, a qual lhe conferiu tão importante função.
Todavia, infelizmente, não é isso que se verifica nos dias de hoje, pois os Advogados Públicos, em sua maioria, carecem de estrutura e garantias funcionais para tanto.
Condições essas que visam, não o gozo injustificado de privilégios, mas sim a atuação da Advocacia Pública como função essencial à Justiça, norteada pelo interesse público primário.
Portanto, para que o Advogado Público não se sinta obrigado a defender o Estado em situações verdadeiramente indefensáveis, atribuindo-lhe um espaço para realizar juízo de valor, necessário é o estabelecimento de garantias, expressas e claras, para o pleno exercício de sua função.
Neste ponto, a Constituição Federal de 1988 é digna de elogios, pois instituiu e elevou a Advocacia ao patamar de função essencial à justiça, fora da subordinação de quaisquer dos três poderes da República. Todavia, sua posterior regulamentação pela Lei Complementar n.º 73 de 11 de fevereiro de 1993 - “Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União” -, ficou aquém do espírito do constituinte originário, principalmente com relação às garantias e prerrogativas dos seus membros e estruturação dos órgãos, mostrando-se insuficiente para atender a missão constitucional dada aos advogados públicos.
Cumpre ressaltar que a proposta de Emenda Constitucional n.º 82/07, chamada de “PEC da Probidade”, pretende acrescentar os artigos 132-A e 135-A ao texto constitucional:
“Art. 132-A. O controle interno da licitude dos atos da administração pública, sem prejuízo da atuação dos demais órgãos competentes, será exercido, na administração direta, pela Advocacia-Geral da União, na administração indireta, pela Procuradoria-Geral Federal e procuradorias das autarquias, e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as quais são asseguradas autonomias funcional, administrativa e financeira, bem como o poder de iniciativa de suas políticas remuneratórias e das propostas orçamentárias anuais, dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Art. 135-A. Aos integrantes das carreiras da Defensoria Pública, bem como da Advocacia da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, dos procuradores autárquicos e das procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão garantidas:
a) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;
b) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;
c) independência funcional”.
Caso aprovadas, tais alterações constitucionais assegurarão à Advocacia Pública não só a estrutura necessária, mas também as garantias funcionais para o cumprimento da sua função, ou seja, a defesa do Estado. Note-se que referidas prerrogativas não serão de exclusividade da Advocacia Pública, pelo contrário, já existem em favor das demais instituições também consideradas essenciais à Justiça.
Assim, além de conferirem “paridade de armas” entre as Instituições, as mudanças pretendidas no texto constitucional por intermédio da citada PEC, beneficiarão todos os cidadãos com uma Advocacia Pública independente das ingerências governamentais, obediente apenas aos ideais trazidos pelo texto Constitucional. Essa é a chamada Advocacia Pública de Estado.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Feito esse breve relato do atual panorama da Advocacia Pública, espera-se que os avanços já ocorridos nestes anos, continuem, por exemplo, com a aprovação da “PEC da Probidade” (82/2007), a fim de que a vontade do constituinte originário seja integralmente atendida pelo Estado, refletindo em benefício do País.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2010.
GRANZOTO, Cláudio. Advogado de estado – defesa do interesse público – independência funcional mitigada, Revista da AGU, Brasília, n. 13, p. 19-36, agosto 2007.