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Defesa da concorrência e do consumidor enquanto princípios da ordem econômica no Estado Democrático de Direito.

Considerações gerais

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

2 - Conceitos gerais -

2. 1. Conceito de empresa dominadora de mercado -

Segundo Pontes de Miranda [20], é a empresa que está em situação de impor preço de mão-de-obra, de matéria-prima, e de produto, além de regular as ofertas a seu talante.

A posição de empresa dominadora de mercado :

- Consiste em situação :

__(art. 20, §2.º da lei n.º 8884/94) em que uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa; e que

__(art. 20, §3.º da lei n.º 8884/94) se presume quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 29/06/95).

__(art. 20, caput, inciso II e parágrafos 1.º e 2.º da lei n.º 8884/94) tem sua dominação de mercado relevante considerada infratora da ordem econômica, desde que não seja resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores (§ 1º);

J. C. de Magalhães e Arruda Sampaio [21] destacam que esta atribuição de fixação do percentual de domínio do mercado relevante que faz presumir a posição de empresa dominante é uma função discricionariedade que é conferida ao CADE, e que está sujeita ao dever de fundamentação da decisão.

Vieira de Carvalho [22] tenazmente destaca que a existência de um maior número de empresas no mercado não exclui a existência provável de posição dominante de alguma ou algumas.

2.2. Conceito e modalidades de bens -

Segundo Sílvio Rodrigues [23], a economia política define bens como coisas que, sendo úteis aos homens, provocam a sua cupidez, e conseqüentemente são objeto de apropriação privada. O referido autor prefere definir de modo mais completo, numa abordagem que leva em consideração inclusive o marketing.

Conforme o Novo Código Civil, são estas as conceituações das diversas modalidades de bens :

"Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.

(...)

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social".

(...)

Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.

Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.

Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes.

Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais.

Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária.

Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias.

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.

Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.

(...)

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem".

Para Kotler [24] os bens podem ser das seguintes espécies :

__Duráveis, que são os tangíveis que normalmente sobrevivem a muitos usos;

__Não duráveis, que são os tangíveis que normalmente são totalmente consumidos em um ou uns usos; e

__De serviço, que são atividades, benefícios ou satisfações que são oferecidos à venda;

__De conveniência, que são aqueles bens de consumo que o cliente geralmente compra freqüentemente e imediatamente e com um ´mínimo de esforço em termos de comparação e de compra;

__Comparáveis, que são aqueles em que no processo de compra o cliente caracteristicamente compara com bases tais como adequação, qualidade, preço e estilo;

__De uso especial, são os bens de consumo singulares ou de identificação por marca, para os quais grupo significante de consumidores está habitualmente desejoso e disposto a fazer esforço de compra;

__Produtos agrícolas, que são:

1) Matéria prima;

2) Bem de consumo;

3) Pescados e frutos do mar;

4) Produtos florestais;

5) Produtos minerais;

6) Bens industriais, que podem ser:

a) Produtos primários;

b) Materiais e componentes fabris;

c) Materiais de processamento;

d) Materiais de embalagem;

e) Equipamentos periféricos;

f) Equipamentos básicos e instalações;

g) Suprimentos operacionais.

7) Bens de consumo, que podem ser:

a) Bens de conveniência;

b) Bens de compra comparada;

c) Bens de especialidade.

2.3. Conceito de mercado relevante -

Consoante Shieber, "é o composto de produtos que razoavelmente podem ser substituídos um. pelo outro quando empregados nos fins para os quais são produzidos, levando em consideração o preço, a finalidade, e a quantidade deles" [25], podendo este mercado relevante ser delimitado com base em geografia, e substitutividade do produto.

A consideração da substitutividade do produto se arrima na necessidade da consideração da é o objetivo indispensável de se evitar o absurdo de que cada produto fabricado venha a constituir um mercado.

Segundo Vieira de Carvalho [26], após delimitado o mercado relevante, a autoridade investigadora deve:

- Procurar identificar os agentes econômicos que dele participam, aqueles que neles produzem e vendem e os competidores potenciais;

- Depois tal autoridade deve avaliar o grau de poder econômico do agente (representado) cuja abusividade se apura.

Este conceito é por demais relevante para efeito de aplicação dos dispositivos constantes no art. 20 caput, inciso II e §41.º da lei nº 8884/94, consoante os quais:

"Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I – (...);

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – (...);

IV – (...).

§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II".

2.4. Condução anti-concorrencial :

Este processo está sujeito ao sistema de repressão ao abuso do poder econômico que atua conforme a legislação e baseado na sua fundamentação constitucional.

Durante a instrução processual é garantido ao agente econômico, cuja conduta anti-concorrencial se investiga, ampla defesa e contraditório, até porque as condutas abusivas indiciárias que constam exemplificativamente no art. 21 da lei n.º 8884/94 só serão reprimíveis se configurado o abuso.


3 – Diretrizes da atuação da SDE, segundo art. 1º da lei 8158 de 8/1/91 [27] -

A Secretaria de Direito Econômico é um órgão do Ministério da Justiça encarregado de :

1) Apurar e propor medidas cabíveis com o propósito de corrigir anomalias comportamentais de setores econômicos, empresas, estabelecimentos, bem como de seus administradores e controladores, que sejam capazes de perturbar e afetar, direta ou indiretamente :

- Os mecanismos de formação de preços;

- A livre iniciativa;

- Princípios constitucionais da ordem econômica.

2)(art. 14, VI) Instaurar processo administrativo para apuração, e repressão das infrações da ordem econômica;

3)Fazer a Instrução processual concernente às condutas que configuram infração à ordem econômica;

4)Promover averiguações preliminares, de oficio, à vista de representação fundamentada de qualquer interessado.

Para promoção destas averiguações é necessário que não sejam suficientes à instauração imediata do processo administrativo os indícios de infração da ordem econômica.

Funções de tais averiguações preliminares (para Franceschini [28]):

1. Verificar se há real motivo para a instauração do processo administrativo;

2. art. 30, § 1º da lei 8884/94) Realização de diligências;

3. (art. 30, § 1º da lei 8884/94) Produção de provas;

4. (art. 30, § 1º da lei 8884/94) Solicitação de esclarecimentos do representado.

As averiguações preliminares se caracterizam por :

1) Não comportarem apreciação de questões de alta indagação;

2) Não permitirem amplas considerações atinentes ao mérito da pretensão punitiva;

3) Não permitirem a aplicação de qualquer penalidade, dado o caráter inquisitório que impede a aplicação de todos os princípios constitucionais do processo;

4) Não haver contraditório entre representante e representado (embora o representante possa ter sido o propulsor do processo na qualidade de interessado);

5) Haver contraditório entre o Poder Público (na defesa dos direitos da coletividade) e o representado (que é o agente econômico cuja eventual prática abusiva é objeto de apuração);

6) Conseqüentemente não admitirem que o representante requeira provas ou desista da representação, o que se justifica pelos princípios da:

a) Supremacia do interesse público sobre o privado;

b) Indisponibilidade pela Administração dos interesses públicos.

7) (art.52, caput ) Ter espaço para que o Secretário de Direito Econômico adote medidas preventivas contra o representado, para as quais é necessário que haja indícios, ou fundado receio de que o representado cause (diretamente ou indiretamente), real ou potencialmente, lesão ao mercado em grau irreparável, ou de difícil reparação. Desta medida preventiva adotada (art. 52, §2º) poderá resultar a aplicação de uma multa diária,, sendo a decisão estabelecedora desta medida recorrível ao CADE, no prazo de 5 dias;

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8) Ter espaço para que seja celebrado, ad referendum do CADE, compromisso de cessação de prática sob investigação, o que não importará (art. 53, caput) confissão quanto a matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada.

9) Encerram-se estas averiguações ou com a instauração do processo administrativo, ou com o seu arquivamento.

É importante salientar que, consoante o art. 31 da lei n.º 8884/94, se a SDE decidir pelo arquivamento do processo administrativo, este deve recorrer de oficio para o CADE.

O processo administrativo que vier a ser instaurado segue o rito do art. 32 e 41 da lei 8884/94.

Outra disposição notável da lei n.º 8884/94 consiste no fato de a representação de Comissão do Congresso Nacional ou de qualquer de suas casas independer de averiguações preliminares, de modo que instauram-se desde logo o processo administrativo.

Outro preceito digno de referência é que a autoridade da SDE, na aplicação do art. 33 e segs. da lei 8884/94, deve observar os princípios do Estado Democrático de Direito cristalizados na nossa Constituição Federal.


4 - Procedimento funcional da SDE -

- (conforme arts. 32 e 33, caput) O Secretário de Direito Econômico:

a) especificará em despacho fundamentado os fatos a serem apurados;

b) notificará o representado para apresentar defesa no prazo de 15 dias.

- Assegurará ao representado amplo acesso ao processo através do devido acompanhamento por seu titular, diretores, gerentes, ou advogados legalmente habilitados;

- Consoante art. 34 da lei n.º 8884/94, se o representado notificado não apresentar defesa no prazo legal, este representado :

a) será considerado revel, incorrendo na confissão quanto a matéria de fato;

b) poderá intervir no processo a qualquer tempo, sem porém. ter direito a repetição de qualquer ato praticado; e

- Se decorrido o prazo de apresentação da defesa, a SDE (art. 35 da lei 8884/94):

1) Ordenará a realização de diligências e a produção de provas de seu interesse

2) Terá a faculdade de requisitar informações, esclarecimentos, ou documentos do representado, de quaisquer pessoas física ou jurídica de órgãos e entidades da administração pública.

- O representado poderá (conforme art. 37 da lei 8884/94) apresentar provas, juntar novos documentos e requerer a oitiva das testemunhas ;

- (art. 38 da lei 8884/94) A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda será informada da instauração do processo administrativo, para, querendo, emitir parecer sobre as matérias da sua especialização;

- Conforme art. 14, VIII e 39 da lei 8884/94, uma vez concluída a instrução processual o representado será notificado para apresentar alegações finais, e o Secretário de Direito Econômico :

a) remeterá o autor ao CADE para julgamento, porém para isto é necessário que se entenda configurada a infração da ordem econômica;

b) determinará o arquivamento dos autos e o recurso de oficio desta decisão de arquivamento, devendo esta determinação ocorrer desde que não entenda configurada a infração à ordem econômica.

É relevante salientar que das decisões do Secretário do SDE não cabe recurso ao superior hierárquico.

Diante do exposto, percebe-se a veracidade do que constatou Arnold Wald e Luiza Rangel de Moraes [29], consoante os quais a SDE é competente para investigar os mercados, bem como práticas abusivas contra a ordem econômica.


5 - CADE: Conceito e funções

5. 1. Introdução -

A lei n.º 8884/94 é bem precisa ao definir em seu art. 3.º o que seja o CADE:

"Art. 3º O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional, criado pela Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, passa a se constituir em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e atribuições previstas nesta lei".

O referido diploma legislativo não teve a mesma coesão topográfica ao dispor sobre as funções do CADE, dado que tais se encontram em diversos dispositivos relativos aos órgãos que constituem esta autarquia.

As funções do plenário, da presidência e dos conselheiros encontram-se dispostos respectivamente nos artigos 7º, 8º e 9º da lei n.º8884/94, a que remetemos os preclaro leitor para que aqui se evite cansativas repetições de textos legais, o que não nos impede destacar as atribuições que nos saltam aos olhos pela importância, tais como :

1. A de decidir sobre a existência de infração à ordem econômica (art. 7º, II da lei n.º 8884/94), atribuição esta que pertence a seu plenário, atribuição esta que é confirmada pelo art. 14. VIII da mesma lei, consoante o qual compete à SDE remeter ao CADE, para julgamento, os processos que instaurar, quando entender configurada infração da ordem econômica;

2. A de decidir dos recursos de ofício do Secretário do SDE (art.7, IV da lei n.º 8884/94);

3. A de aplicar as penalidades previstas na lei (art. 7º, II da lei n.º 8884/94 ), atribuição esta que pertence a seu plenário;

4. A de decidir os processos instaurados pela SDE do Ministério da Justiça (art. 7º, III), atribuição esta que pertence a seu plenário;

Uma relevante hipótese de dever de recurso de ofício ao CADE feita pelo SDE consiste nas ocasiões em que o SDE decidir pelo arquivamento das averiguações preliminares ou do processo administrativo, cf. consta do art. 14, VII da lei 8884/94.

Considere-se que têm-se por conceito de infração à ordem econômica o que costa nos arts. 20 e 21, a que também remetemos o leitor.

Outras funções importantes titularizadas pelo CADE enquanto órgão do Ministério da Justiça são os seguintes :

1.A de julgar os processos vindos do SDE independentemente da realização de novas diligências ou abertura de prazo para alegações finais (art. 8º da lei 8158 de 08/01/91);

2.Apreciar compromisso de cessação celebrado pelo SDE, cf. dispõe art. 14, IX da lei n.º 8884/94;

3.Apreciar :

a)atos sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços (art. 54, caput da lei n.º 8884/91);

b)(§ 3º ) atos que visem :

__A qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas; ou

__A qualquer forma de agrupamento societário:

+ que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em vinte por cento de um mercado relevante, ou

+ em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).(Redação dada pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000) (...)".

4.O poder de autorizar os atos a que se refere o art, 54, caput, da lei n.º 8884/94, desde que atendidas as condições dispostas no § 1º do mesmo artigo;

5.(conforme art. 43) Poder (do seu Conselho Relator) de, quando entender insuficientes os elementos existentes nos autos para a formação de sua convicção, determinar a realização de:

__Diligências complementares;

__Requerer novas informações;

__Facultar à parte a produção de novas provas.

6.Em qualquer fase do processo administrativo poderá fazer a celebração, ou referendar celebração feita pela SDE, de compromisso de cessação de prática sob investigação, que não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, (art. 53, caput, da lei n.º 8884/94);

7.(art. 53, § 3º, da lei n.º 8884/94) Alterar as condições do termo de compromisso poderão ser alteradas pelo CADE, desde que :

- Comprovada sua excessiva onerosidade para o representado; e

- Não acarrete prejuízo para terceiros ou para a coletividade; e

- A nova situação não configure infração da ordem econômica.

8) ( cf. art. 58 da lei n.º 8884/94) Definir compromissos de desempenho para os interessados que submetam atos a exame na forma do art. 54, de modo a assegurar o cumprimento das condições estabelecidas no § 1º do referido artigo, incumbência esta que cabe ao plenário do CADE.

9) (cf. art. 58. § 3º da lei n.º 8884/94) No caso de descumprimento injustificado do compromisso de desempenho:

- Revogar a aprovação por ela dada, na forma do art. 55 (ou seja, de ofício ou provocada pela SDE); e

- A abertura de processo administrativo para adoção das medidas cabíveis.

Consoante J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [30], o limite da função expressa nos dispositivos do art. 54, caput e §3.º encontram-se expressos nos §§1.º e 2º do art. 54, cujos textos constam logo abaixo.

"Art. 54.

§ 1º O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições:

I - tenham por 7 - Conclusões -

- A apuração de práticas abusivas do poder econômico é um dos instrumentos para proteção para a livre iniciativa e da livre concorrência, enquanto princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito Brasileiro;

- No desempenho desta função deve-se observar o procedimento da legislação infraconstitucional; e

- A aferição da abusividade de uma conduta requer adequado exame:

1) do mercado relevante;

2) do grau do poder dominante do agente econômico;

3) dos impactos anti-concorrenciais eventualmente produzidos nesse mercado. objetivo, cumulada ou alternativamente:

a) aumentar a produtividade;

b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou

c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;

II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro;

III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços;

IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.

§ 2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde que atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final

§3.º (...)".

Assim, segundo J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [31], se apenas três das quatro condições previstas no art. 54, §1.º da lei n.º 8884/94, o CADE :

- Deverá considerar regular (não poderá impugnar) o ato sob sua apreciação, mesmo que invoque motivo preponderante da economia nacional e do bem comum; ou seja

- Estará impedido de impugnar os atos referidos, desde que demonstrada a necessidade por motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum.

O que faz com que, segundo J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [32], se apenas uma ou duas dessas condições forem atendidas, não possa o CADE considerar regular o ato submetido à sua apreciação, ainda que invoque motivo preponderante da economia nacional e do bem comum, o que não impede de os interessados, ou o Ministério Público, impugnar o ato perante o judiciário, pois os pressupostos legais para sua admissão não poderão ser validamente considerados se não estiverem presentes.

Assim, em síntese da leitura do Tìtulo II da lei n.º 8884/94, o CADE é uma autarquia federal competente para :

__Proferir decisões administrativas de natureza quase judicial e repressora de práticas econômicas que possam repercutir negativamente no mercado ;

__Aplicar penalidades administrativas para o infrator ;

__Fazer cessar a conduta anti-concorrencial produtora de efeitos perversos no meio social (fim principal);

__Inibir práticas ilícitas futuras (função conseqüente da acima dita).

Segundo Vieira de Carvalho [33], o meio para desempenho destas funções é um procedimento em que aquele que representa contra a prática abusiva não é parte no feito, já que o direito a ser protegido é de toda a sociedade, podendo este meio vir a exigir a indispensável participação do poder judiciário em casos de execução de algumas medidas heróicas regidas por leis específicas.

5.2. Análise constitucional e doutrina da função do CADE (na visão de José Carlos de Magalhães e Onofre Carlos Arruda Sampaio [34]) -

Outra função atribuída ao CADE é o que se depreende do art. 20, §§ 2.º e 3.º da lei n.º 8884/94 relativos à fixação do percentual (diferente de 20%, se for o caso) de domínio de mercado relevante que faça presumir a posição de dominante, posição esta que só é considerada infração à ordem econômica (art. 20, II) se a conquista do mercado relevante não for resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores (§ 1º). Repita-se o que destacou J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [35], esta função de fixação atribuída ao CADE é prevalentemente discricionária e sujeita ao dever de fundamentação da decisão.

Assim, percebe-se que, segundo Luiza Rangel de Moraes e Arnold Wald [36], o CADE tem a função precípua de repressão às práticas contra a ordem econômica, especialmente as que :

- Venham a limitar ou falsear ou de qualquer maneira prejudicar a livre concorrência ou livre iniciativa;

- Impliquem em dominação de mercados relevantes de bens e serviços;

- Impliquem em exercício abusivo de posição dominante, bem como quaisquer outras condutas que possam vir a prejudicar o mercado mediante o abuso do poder econômico.

Hipóteses estas que são decorrência do próprio art. 20 e seus incisos da lei n.º 8884/94, e que são consideradas infrações à ordem econômica, seja em forma tentada ou consumada, seja dolosa ou culposamente.

Consoante J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [37], o CADE:

- Não é órgão formulador de política de fomento à concorrência;

- Tem como natural função a defesa da concorrência, e não estímulo, sendo que esta defesa se faz reprimindo e prevenindo atos que limitem ou prejudiquem a livre concorrência ou resultem na dominação de mercados de bens e serviços.

No entender de J.C. Magalhães e Arruda Sampaio [38], no caso das atribuições do CADE atinentes ao art. 54, §§ 1.º e 2.º, o CADE deve ter como base (de modo predominantemente mas não totalmente discricionário) os motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum que o inspiraram, e que podem estar suportados por critérios de conveniência e oportunidade de competência exclusiva do Poder Executivo.

No atinente aos parágrafos do art. 54, segundo J.C Magalhães e Arruda Sampaio [39], uma crítica que se pode fazer à lei é o fato de ela não esclarecer se :

1) O CADE pode impedir ato cometido por órgão da Administração Federal, dentro de sua esfera de competência, por entender que certo ato deve ser praticado, por ser pertinente aos interesses da economia nacional e do bem comum;

2) Compete exclusivamente ao CADE decidir se há motivo preponderante da economia nacional e do bem comum para justificar determinados atos ou se é competência do Estado, como um todo, assim consideradas quaisquer entidades que integram o aparato estatal.

Consoante J.C Magalhães e Arruda Sampaio [40], o fundamento desta crítica consiste na limitação de a lei dispor que se houver motivo preponderante da economia nacional e do bem comum que o justifique, desde que não haja prejuízo para o consumidor ou usuário final, o ato pode ser considerado legítimo - sem esclarecer quem tem competência qualificar tal motivo.

A conclusão a que chega J.C. Magalhães e Arruda Sampaio [41] neste ponto, com a qual concordo, é que qualquer outro órgão da Administração Federal dentro de sua esfera de competência estaria legitimado a emprestar tal qualificação ao ato, pois :

- Conforme consta acima, a lei se limita a dispor que se houver motivo preponderante para a economia nacional e o bem comum que o justifique, desde que não haja prejuízo para o consumidor ou usuário final, o ato pode ser considerado legítimo - sem esclarecer que tem competência qualificar tal motivo;

- Considerar o CADE como o único órgão do Estado com competência para definir um ato como de interesse preponderante da economia nacional e do bem comum significaria conferir a esta autarquia um monopólio que vai além de suas atribuições específicas.

J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [42] destacam que esta questão está relacionada com a atuação de outros órgãos da administração federal, como é o caso das agências reguladoras de atividades econômicas sujeitas a regulamentos especiais ou do CMN e do órgão encarregado de dar cumprimento a suas determinações, o Banco Central, que tem competência para regular as atividades das instituições financeiras em geral.

É importante destacar que as atribuições em questão, exercidas pelo CADE, são apenas aparentemente conflitantes com as exercidas pelas agências reguladoras, o que se percebe pelo fato de, conforme se pode interpretar das opiniões de Luiza Rangel de Moraes e Arnold Wald [43] :

- A defesa da concorrência ser uma finalidade titularizada por ambas, tais entes devem buscar esta finalidade através de mecanismos diferentes, porém complementares, procurando tomar decisões comuns nas ocasiões em que houver ameaça de choque no exercícios de suas respectivas atribuições neste sentido (decisões estas que podem ser instrumentalizadas por convênio para este fim específico);

- A própria lei n.º 9478/97 estipular à ANP, por exemplo, que comunique ao CADE ocorrências que estejam no âmbito de sua competência para combate às infrações à ordem econômica;

- Num dos dispositivos da lei geral de telecomunicações constar claramente a submissão de atos de prestadoras na área de telecomunicações que impliquem qualquer forma de concentração econômica aos controles, procedimentos e condicionamentos estabelecidos nas normas gerais de proteção á ordem econômica, inclusive por meio de sua apreciação pelo CADE.

Outra crítica que se pode fazer ao que consta em parágrafos do art. 54 é o que consta no art. 54, §1.º da lei n.º 8884/94, pois o mesmo faz referência à palavra autorizar, o que é deverasmente inapropriado pois, segundo J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [44] :

- Esta autarquia não tem competência para autorizar ou não atividade preventiva, pois isto feriria o princípio da não intervenção do Estado na Economia (art. 174, CF);

- consta no §9º que : "Se os atos especificados neste artigo não forem realizados sob condição suspensiva ou deles já tiverem decorrido efeitos perante terceiros, inclusive de natureza fiscal, o Plenário do Cade, se concluir pela sua não aprovação, determinará as providências cabíveis no sentido de que sejam desconstituídos, total ou parcialmente, seja através de distrato, cisão de sociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividades ou qualquer outro ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos eventualmente causados a terceiros", do que se pode ler que todos estes atos que pressupõe a eficácia (e portanto validade) dos atos cuja desconstituição, distrato ou cisão se exige pela constatação de que representam infração econômica (no processo de averiguação posterior), daí porque a lei fala em desconstituição e não em nulidade, até porque só se desconstitui o que foi constituído, e somente se distrata o que foi validamente contratado, só se vende o que é do devedor.

Desta conclusão se deduz outra crítica do que consta em parágrafos do art. 54, que em seu §7.º dispõe :

"A eficácia dos atos de que trata este artigo condiciona-se à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua realização; não tendo sido apreciados pelo Cade no prazo estabelecido no parágrafo anterior, serão automaticamente considerados aprovados. (Redação dada pela Lei nº 9.021, de 30/03/95)".

No qual se constata, segundo J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [45], que o §7º uso indevido da palavra eficácia, pois se o ato for ineficaz, não produz efeito, não havendo que se falar em desconstituição por distrato,cisão,venda, etc.....

De qualquer forma, constatam J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [46], que a submissão da eficácia dos ajustes de fusão à condição suspensiva constitui precaução que as partes podem tomar quando há dúvida sobre os eventuais efeitos no mercado e a apreciação que deles fizer o CADE.

No entender de Vieira de Carvalho [47], a importância da lei n.º 8884/94 está no fato de ter revogado as leis anteriores e ter ampliado consideravelmente as atribuições do CADE, além de ter mantido a sistemática da lei n.º 8158\91 no referente a definição de competências para apuração e julgamento de infrações à ordem econômica.

As decisões do CADE são irrecorríveis no âmbito do Poder Executivo, sendo definitivas no âmbito administrativo, o que não a exclui de estar sujeita à apreciação judicial.

Constatam J.C de Magalhães e Arruda Sampaio [48] que a atividade do CADE se dá por meio de atos vinculados da administração pública, que se caracterizam pela mínima liberdade do administrador.

5.3. Implicações constitucionais do poder de apreciar atos de concentração de empresas -

Conforme José Carlos de Magalhães e Arruda Sampaio [49], nas funções do CADE deve prevalecer o principio do desenvolvimento nacional (art. 2, II da CF) sobre os demais que incidem sobre a atividade econômica e que com ele eventualmente conflitem, o que não impede a sua missão de combate ao aumento arbitrário dos lucros, que por sua vez só deverão ser combatidos se advierem de abuso de poder econômico.

O parágrafo único do art. 170 da CF garante que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica. Independentemente da autorização de órgãos públicos, salvo os casos previstos em lei, ressalva esta que, consoante Carlos Magalhães e Sampaio Arruda [50], abrange :

- De seguros;

- De instituições financeiras;

- De telecomunicações;

- De transportes.

E o fundamento desta excepcionalidade é o fato de precisarem de regulamentação especial pela sua importância.

Apesar de o grande fundamento da possibilidade de concentração de empresas ser a cominação do princípio da livre iniciativa (art. 1, IV da CF) com o princípio da liberdade de associação (art. 5, XVII da CF), ao CADE cabe zelar para que estes princípios sejam utilizados sem abuso por parte das mesmas, o que justiça a atribuição pertencente a esta entidade, segundo J.C. de Magalhães e Arruda Sampaio [51], de desfazimento do ato que ferir a livre iniciativa.

Em síntese, a importância do CADE consiste :

1) Na sua capacidade de, hoje, dificultar entradas de certas empresas (que vem com intenções de investimentos nitidamente abusivos através da punição de empresas que antes tenham vindo com esta intenção);

2) No zelo pela livre concorrência num mercado recém aberto ao capital livre internacional.

Sobre o autor
Maxwell Medeiros de Morais

advogado em Recife (PE), pós-graduado em Direito Administrativo pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Maxwell Medeiros. Defesa da concorrência e do consumidor enquanto princípios da ordem econômica no Estado Democrático de Direito.: Considerações gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3430. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado como avaliação de uma das cadeiras de curso de pós-graduação, tendo sido avaliado com nota máxima.

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