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Acesso à justiça e a obrigatoriedade do depósito recursal na justiça do trabalho

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Agenda 04/12/2014 às 15:13

3. ABORDAGEM CRÍTICA ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO DEPÓSITO RECURSAL

Inegavelmente, é crescente o entendimento que prega a inconstitucionalidade da exigência do depósito recursal, pois vem a criar um empecilho ao direito de recorrer.

Destaca-se que desde as Constituições das democracias mais antigas, tais como a Constituição dos Estados Unidos e a da França, assim como a Magna Carta do Rei João Sem Terra, de 1215, são estabelecidas garantias como o princípio de igualdade de todos perante a lei e do acesso à justiça. Assim, por exemplo, a Constituição Francesa de 4 de outubro de 1958 diz no artigo 2º que a República "garante a igualdade diante da lei de todos os cidadãos sem distinção de origem, de raça ou de religião". Aliás, a divisa da República Francesa, que vem da Revolução de 1789, tem três palavras: "liberdade, igualdade, fraternidade". (SILVA, LIMA, 2010).

O principio do acesso à justiça fez-se presente em diversos ordenamentos constitucionais, albergando o direito de recorrer de qualquer decisão de 1º grau. Dessa forma, os princípios do acesso à justiça e do duplo grau de jurisdição entram em choque direto com a exigência de depósito recursal, instituído segundo Lima e Silva (2010) por uma lei “extravagante e inconstitucional que veio a ser, em 1968, durante o governo militar, enxertado no texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943.” (2010). E acrescentam que:

Esta exigência de depósito, nos recursos apresentados por réus em processos trabalhistas não só é flagrantemente inconstitucional, ao ferir o direito de defesa, o direito de recorrer e o direito à obtenção de um pronunciamento de um segundo grau (duplo grau de jurisdição). É também flagrantemente injusta, inviabilizando o direito de recorrer dos médios e pequenos empresários, dos reclamados pessoas físicas, dos réus empregadores domésticos, das empresas equivocadamente apresentadas como reclamadas ou ligadas às reclamadas. Impor um tratamento desigual a fim de se garantir uma possível igualdade, é partir de uma visão errônea de que todo aquele que é vencido, num primeiro momento, visa apenas burlar a legislação ou prejudicar o vencedor (SILVA, LIMA, 2010).

E nesse sentido, o Supremo inclusive já tem reformulado seu posicionamento no que concerne a exigência do depósito recursal em matéria de reanálise de decisões em matéria tributária, e nesse sentido foi o pronunciamento do voto do Ministro Eros Grau, no RE 389.383-1/SP quando relatou a máxima fascista “solve et repete”, isto é, pague e depois reclame.

Ainda no que tange à obrigatoriedade do depósito recursal na Justiça Trabalhista, a crítica maior é analisada sob o enfoque da violação do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição pela exigência do depósito prévio.

Duas vertentes tentam explicar o Principio acima: a primeira delas reforça que o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição encontra-se insculpido no Artigo 5º, inciso LV da Constituição da República e em sentido oposto a segunda corrente que alega que tal princípio não está albergado diretamente na Constituição Federal, e que não passa de mera “regra de organização judiciária” (LEITE, 2007, p. 633).

Há ainda uma corrente intermediária, a qual é adotada por Humberto Theodoro Junior, Cândido Rangel Dinamarco e analisada também por Antônio Carlos Araújo Cintra, in verbis:

O duplo grau de jurisdição é, assim, acolhido pela generalidade dos sistemas processuais contemporâneos, inclusive pelo brasileiro. O princípio não é garantido constitucionalmente de modo expresso, entre nós, dede a República; mas a própria Constituição incumbe-se de atribuir a competência recursal a vários órgãos da jurisdição (art. 102, inc. II; art. 105, inc. II; art. 108, inc. II), prevendo, expressamente, sob a denominação de tribunais, órgãos judiciários de segundo grau (v.g., art. 93, inc. III). Ademais, o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho, leis extravagantes e as leis de organização judiciária prevêem e disciplinam o duplo grau de jurisdição.

Caso há, porém, em que inexiste o duplo grau de jurisdição: assim, v.g., nas hipóteses de competência originária do Supremo Tribunal Federal, especificada no art. 102, inc. I, da Constituição. Mas trata-se de exceções constitucionais ao princípio, também constitucional. A Lei Maior pode excepcionar às suas próprias regras. (DINAMARCO, 1990, p. 78).

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Por outro lado, Eduardo Saad, um dos defensores explícitos da inconstitucionalidade do depósito recursal, afirma que a atual Constituição ainda não vigorava quando da instituição do depósito recursal e que dessa maneira, o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição ainda não era elevado à categoria de garantia constitucional. Nesse sentido relaciona a origem do instituto com o referido princípio nas cartas constitucionais:

Quando se instituiu, pela primeira vez, o depósito recursal – em 1943 – a Constituição de 1937, então em vigor, não assegurava ao cidadão o duplo grau de jurisdição.

De conseguinte, nessa época, não se poderia dizer que o depósito se constituía em óbice ao exercício de um direito inexistente, no plano constitucional. De outra parte, a objeção de que o depósito, para garantia da execução de uma sentença, era inadmissível.

Posteriormente, as Constituições de 1946 (§ 25 do art. 141 e art. 122) e a Emenda 1/69 (§ 15 do art. 153) não silenciaram quanto ao duplo grau de jurisdição.

A Carta de 1988, no inciso LV do art. 5º, reporta-se a esse princípio de modo expresso: “aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Esse direito fundamental do cidadão, para ser exercido, não é nem pode ser condicionado a qualquer depósito para garantia do juízo recursal.

Já aqui se vislumbra o vício da inconstitucionalidade da norma emanada da Lei nº 8.542/92. (SAAD, 2004, p. 786)

De outra banda, Carlos Henrique Bezerra Leite defende a constitucionalidade do depósito recursal, alegando inclusive que o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição não deve ser considerado Princípio Constitucional e que referido instituto consagra na verdade o princípio da isonomia real, conforme ensinamento:

Com o advento da Constituição Federal de 1988, alguns autores manifestaram-se pela inconstitucionalidade do depósito recursal prévio, sob o argumento de que ele impede o exercício do amplo direito de defesa com os meios e recursos a ela inerentes.

Para nós, não há falar em inconstitucionalidade do art. 899 da CLT, uma vez que o duplo grau de jurisdição não é princípio absoluto, nem está previsto expressamente na Constituição, já que esta admite até mesmo a existência de instância única (CF, art. 102, III). Doutra parte, o depósito recursal constitui mera garantia do juízo, evitando, assim, a interposição temerária ou procrastinatória de recursos. Ressalte-se, por oportuno, que a exigência do depósito consagra, substancialmente, o princípio da isonomia real, sabido que o empregador é, via de regra, economicamente superior ao empregado. (LEITE, 2007, PP 671-672).

Por meio dos entendimentos acima transcritos, conclui-se que a constitucionalidade ou não do depósito recursal da Justiça do Trabalho está intimamente ligada ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, mais especificamente se o referido princípio está alçado à categoria de princípio constitucional. E de forma bastante objetiva, Caroline Tupinambá se refere ao dilema celeridade versus certeza:

Neste tema também reside ponto nevrálgico dos maiores dilemas da processualística: o binômio celeridade versus certeza. O Princípio em análise não é propriamente uma garantia constitucional, mas apresenta potencial para atropelar direitos que o são. (...) De um lado, a necessidade de cognição satisfatória e, de outro lado, a brevidade na solução da lide. Por isso é que o duplo grau de jurisdição está sobre reanálise. (TUPINAMBÁ, 2006, p. 338)

Não basta apenas celeridade. É preciso que o Poder Judiciário venha a satisfazer os valores de Justiça, entregando em tempo razoável dentro de um processo eficiente. Assim leciona Santos (2007):

Sou naturalmente, a favor de uma justiça rápida. A celeridade de resposta do sistema judicial à procura que lhe é dirigida é, também, uma componente essencial de sua qualidade...Mas, é evidente que, do ponto de vista de uma revolução democrática de justiça, não basta rapidez. É necessária, acima de tudo, uma justiça cidadã. (SANTOS, 2007, p. 24).

Resta-nos concluir que a incerteza dos doutrinadores, que se reflete inclusive no entendimento dos tribunais trabalhistas, continuará até que seja dada uma interpretação definitiva sobre a natureza do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição.

3.1. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA E A INTERPRETAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 132/2009

Importante frisar que a assistência judiciária gratuita está prevista na Lei nº 1.060/1950 e 7.115/1983, assim como consagrado tal instituto também no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1988. Com a publicação da Lei nº 7.115/1983, houve significativa alteração no modo de se comprovar quem não teria condições financeiras de arcar com as custas e despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou da sua família.

Isso porque antes tal situação financeira era comprovada por atestado fornecido pela autoridade local do Ministério Público do Trabalho ou até mesmo pelo Delegado de Polícia, prática esta até hoje requerida em diversas delegacias desse país. Tal situação estava prevista na Lei nº 5.584/1970.

Entretanto, o art. 1º da Lei nº 7.115/83 determina agora que o atestado de pobreza deve ser realizado de próprio punho pelo interessado ou por procurador com poderes específicos, sob as penas da lei, na própria petição inicial, declarando que não tem condições de arcar com a demanda sem prejuízo do próprio sustento ou da sua família. Além disso, o art. 4º da Lei 1.060/1950 com redação dada pela Lei 7.510/1986, dispõe que:

Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogados, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Assim sendo, demonstrado aquele que pode vir a requerer os benefícios da assistência judiciária gratuita, é necessário demonstrar qual a situação do empregador beneficiário do instituto citado e que acaba sucumbido na demanda em sede de primeiro grau, consequentemente tendo que arcar com o depósito recursal para que seu recurso não seja considerado deserto.

Os tribunais e inclusive o próprio TST vinham decidindo que as isenções asseguradas pelo art. 3º da Lei nº 1.060/1950 não poderiam abranger o depósito recursal, e nessa toada citamos o processo TST-E-RR-1871/2004-064-02-00, em sede de decisão da SBDI-I, sujo relator foi o Ministro João Batista Brito Pereira, publicada em 05/09/2008, nesse sentido:

As isenções asseguradas pela Lei nº 1.060/1950, não abrangem o depósito recursal, uma vez que este não detém natureza de taxa ou emolumento judicial, mas de garantia de juízo, com vistas à execução, nos termos do art. 899, § 1º, da CLT e da Instrução Normativa nº. 3/93, item I, do TST. Assim, embora concedida a assistência judiciária ao empregador, este benefício não alcança o depósito recursal.

Tal interpretação mostra-se totalmente equivocada sob a égide constitucional, isto porque estatui o art. 5º, inciso XXXV, que “A Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.

Mesmo com todos esses argumentos, precisou o legislador corrigir tal interpretação com a promulgação da Lei Complementar nº 132, de 2009, que regulamenta a Defensoria Pública da União e dá outras providências.

Inicialmente, referida Lei Complementar só despertaria interesse mesmo aos defensores públicos da União. Mas o que ocorre de fato é que o art. 17 da lei em questão fez a adequada alteração na Lei 1.060/50, acrescentando o inciso VII ao artigo 3º da lei.

Por conseqüência, determina o citado inciso VII do artigo 3º da Lei 1060/50, que os beneficiários da Justiça gratuita, estarão isentos de efetuar qualquer depósito prévio exigido em lei, para interposição de recurso e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório.

Desta feita, vislumbramos efervescentes debates em torno da aludida alteração, pois muitos ainda relutam em estender a isenção do benefício da assistência judiciária gratuita em relação ao depósito recursal. Isso acontece devido a natureza de garantia da execução do depósito prévio.

Assim sendo, deve ser feita uma ponderação de valores, sendo que de um lado há o interesse privado do credor em ver seu crédito assegurado, e de outro lado, a ampla defesa e o contraditório, princípios fundamentais assegurados pela Carta Magna de 1988.

Sobre o autor
Laerty Morelin Bernardino

Possui Graduação em Direito pela UENP - Universidade Estadual do Norte do Paraná - Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) de Jacarezinho - Paraná, conclusão em 2010. É Pós-graduando em Direito do Estado junto às Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO) em parceria com o Projuris Estudos Jurídicos. Advogado inscrito na OAB/PR com inscrição suplementar na OAB/SP. Atua como advogado efetivo da Câmara Municipal de Quatiguá - PR bem como advogado militante na Comarca de Joaquim Távora - PR.

Informações sobre o texto

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