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Enfim, a constitucionalidade do pregão

Agenda 01/11/2002 às 00:00

Com a edição da Lei n.º 10.520 de 17 de julho de 2002 que instituiu a modalidade de licitação pregão no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, foi sanado, enfim, um grave equívoco formulado pela Medida Provisória n.º 2.108-9 de 27.12.2000 e suas sucessivas reedições que instituiu a referida modalidade de licitação apenas no âmbito da União.

Referida Medida Provisória esbarrava frontalmente com as disposições contidas no § 8.º do art. 22 da lei 8.666/93, que vedam a criação de outras modalidades de licitação distintas daquelas definidas na mesma lei [1].

É que como pode-se observar dos termos da Lei 8.666/93, suas disposições são de caráter geral aplicáveis a todos os entes da Federação, em obediência expressa ao art. 22, XXVII, da Constituição Federal. Cabe, assim, aos demais entes da Federação a estrita observância dos exatos termos previstos na legislação que instituiu estas normas gerais de licitação.

A Medida Provisória que instituiu a nova modalidade de licitação apenas para o âmbito da União, não operou como norma geral, mas de modo especial ou específico, eis que especificamente para a União. E, com efeito, é exatamente isto o que queria evitar o precitado § 8.º do art. 22, da Lei 8.666/93 em seu sentido teleológico [2]: que os demais entes da Federação criassem novas modalidades de licitação no âmbito de suas respectivas administrações.

É bem verdade, entretanto, que uma lei pode ser revogada por outra lei [3], quando com esta for incompatível ou quando expressamente dizer que a revoga. De fato, é aquele o específico caso da medida Provisória instituidora do pregão em confronto com o § 8.º do art. 22 da Lei 8.666/93, eis que a nova lei – entenda-se Medida Provisória - é incompatível com a anterior. Seria possível, assim, conceber aqui a aplicação do princípio de que norma posterior revogou a anterior eis que com esta ficou incompatível.

De outro lado, porém, o intérprete menos diligente poderia ser levado à exegese de que as disposições da Medida Provisória prevalecem sobre as da Lei 8.666/93, já que de acordo com outro princípio hermenêutico: norma especial prevalece sobre norma geral.

Não obstante, outra não deve ser a postura do exegeta a não ser a de antes de aplicar o critério cronológico, ou ainda, o critério da especialidade, observar o critério da hierarquia.

Explica-se.

É que a Constituição Federal, ao dar competência privativa para a união estabelecer normas gerais de licitação para todos os entes da Federação, implicitamente definiu que estas normas gerais, de caráter nacional [4], portanto, deveriam ser absolutamente respeitadas pela legislação dos demais entes da Federação quando legislassem exclusivamente para si, portanto, de modo específico ou especial.

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Deste modo, as disposições da lei 8.666/93, porque de caráter geral em obediência à Constituição Federal, são hierarquicamente superiores a qualquer legislação específica ou especial elaborada pelos demais entes da Federação aplicáveis tão somente a si próprios.

Veja que a Medida Provisória instituidora do pregão somente a criou no âmbito da União. Logo, não respeitou as disposições contidas na lei geral de observância obrigatória porque hierarquicamente superior. Assim, referida Medida Provisória, está absolutamente maculada de inconstitucionalidade material, o que torna sua utilização absolutamente inválida.

Não obstante, agora com o advento da Lei n.º 10.520/02, toda a discussão outrora levantada quanto a eventual inconstitucionalidade da aplicação do pregão somente na esfera da União passa a perder interesse. O legislador, naturalmente percebendo o equívoco, sanou a inconstitucionalidade existente, estabelecendo a aplicação desta nova modalidade de licitação no âmbito de todos os entes da Federação. Assim, a nova legislação passa a ter caráter geral, também em obediência à Constituição Federal, podendo revogar a legislação anterior.

Doravante, portanto, fica revogada a previsão contida no citado § 8.º do art. 22 da Lei 8.666/93, eis que nos termos do art. 2.º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, uma nova lei tornou-se incompatível com a anterior, revogando-a, portanto, tacitamente.


Notas

1. De acordo com o caput do art. 22 da lei 8.666/93, são as seguintes as modalidades de licitação: concorrência; tomadas de preços; convite; leilão e concurso.

2. O sentido teleológico procura destacar a finalidade da lei, ou seja, o seu espírito. (BASTOS, Celso Ribeiro, Hermenêutica e interpretação constitucional, 3.ª edição, São Paulo : Celso Bastos Editor, 2002, p. 60.

3. No caso, uma Medida Provisória - porque com força de lei - pode revogar uma lei quando preencher os pressupostos constitucionais previstos no art. 62 da Constituição Federal.

4. Segundo o magistério de Celso Antonio Bandeira de Mello A Lei 8.666 de 21.6.93, é lei nacional, que expede determinações, a título de "normas gerais", tanto para o aparelho da União quanto para Estados, Municípios e Distrito Federal. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de direito administrativo, 14.ª ed., São Paulo : Malheiros, 2002, p. 504.

Sobre o autor
Geones Miguel Ledesma Peixoto

advogado em Iguatemi (MS), professor de Direito da Unipar, especialista em Direito Processual Civil pelo IBEJ de Curitiba, mestrando em Direito Processual Contemporâneo e Cidadania pela Unipar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Geones Miguel Ledesma. Enfim, a constitucionalidade do pregão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3473. Acesso em: 22 nov. 2024.

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