1 Do Dano
O termo “dano”, provêm do latim damnum, segundo Aurélio Buarque de Holanda pode significar mal ou ofensa pessoal, prejuízo moral; podendo, ainda, ser entendido como prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de seus bens. [1]
Segundo De Plácido e Silva a palavra “dano” vem a ser o prejuízo material ou moral causado à pessoa por outrem. [2]
No campo jurídico, como ensina Maria Helena Diniz, o dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral[3].
Em sentido amplo, pode-se definir, genericamente, o dano como todo o mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado à outra, do qual possa resultar a deterioração ou destruição da coisa que lhe seja própria ou prejuízo patrimonial.
Desta forma, pode-se afirmar que dano é uma lesão de que alguém é vítima, resultante de uma ação ou omissão de outrem em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.
A teoria da responsabilidade civil impõe ao ofensor a obrigação de reparar o dano, guardados os limites. Assim, via de regra, todos os danos devem ser ressarcidos, pois sempre se pode fixar uma importância em pecúnia, a título de compensação.
Entretanto, como leciona Orlando Gomes:
Nem todas as pessoas que causam prejuízos a outrem estão obrigadas a indenizá-lo. Nem todo dano deve ser ressarcido. É preciso saber, pois, em que circunstâncias nasce a obrigação de reparar o dano causado e que prejuízos são indenizáveis. [4]
Nesse passo, a doutrina majoritária elencou seis requisitos indispensáveis para a constatação do dano indenizável. São eles:
O dano não pode ser simplesmente hipotético, imaginado pela parte ou meramente eventual. Deve-se ter certeza absoluta quanto à sua existência, devendo o dano ser determinado ou, pelo menos, determinável.
O dano deve subsistir no momento de sua exigibilidade em juízo. Não há que se cogitar em exigibilidade de indenização, se o dano já foi reparado espontaneamente pelo lesante.
O dano será juridicamente relevante somente em relação à diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa.
Por este requisito deve-se entender que a lesão deve ser conseqüência efetiva do ato produzido, nos termos dos pressupostos da responsabilidade civil.
Em outras palavras, para que o ato ilícito seja objeto de indenização, mister se faz a existência de uma relação de causa e efeito entre o ato e o dano.
Em princípio, a pessoa prejudicada tem legitimidade para exigir a indenização. No entanto, a legitimidade não se estende àquelas pessoas que sofreram prejuízo indireto ou de modo reflexo. Assim, somente a pessoa diretamente prejudicada possui legitimidade para pleitear indenização, como também, no caso de falecimento da vítima os dependentes econômicos do de cujus têm legitimidade para pleitear indenização.
Caso ocorram motivos excludentes de responsabilidade do lesante, quais sejam, legítima defesa ou exercício regular de um direito reconhecido (artigo 188, inciso I, do vigente Código Civil), a lesão não será passível de indenização, posto que o ato não é considerado ilícito.
Os danos, regra geral, são classificados em patrimoniais (materiais) e não patrimoniais, situando-se nesta última categoria os danos morais.
O dano patrimonial, como o próprio nome infere, refere-se às lesões ocorridas no patrimônio material de alguém, entendido este como o conjunto de bens e direitos valoráveis economicamente.
Por sua vez, o dano moral é aquele que atinge o ser humano em seus valores mais íntimos, causando-lhe lesões em seu patrimônio imaterial. Ou seja, consiste em lesões de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário.
Beatriz Della Giustina observa que:
(...) a diferença entre o dano moral e o dano patrimonial tem sido constatada sobretudo a partir da chamada teoria do reflexo, isto é, toma-se por base não o ato lesivo, em si mesmo, mas a esfera jurídica da pessoa, econômica ou físico-psíquica, em que a lesão se reflete.
De fato, a lesão danosa à moral é a sofrida em conseqüência de uma ofensa injusta, de um ato ilícito. Isto, porém, sem repercussão no patrimônio do lesado. À vista disso, quando houver prejuízo que repercuta no patrimônio do lesado, acarretando pelo mesmo ato ilícito, tem-se dano material, e não moral. [5]
Em suma, pode-se distinguir os danos materiais dos danos morais, pois os primeiros estão ligados às ofensas ao patrimônio do ofendido, enquanto os segundos se ligam às ofensas que não se revestem de caráter patrimonial, referindo-se as lesões à honra, a boa-fama, a dignidade, o nome, entre outros.
Cumpre observar que, por meio da Súmula 37, o Supremo Tribunal de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
2 DO DANO MORAL
Como visto anteriormente, o dano moral vem a ser uma espécie do gênero dano. A conceituação de tal instituto é tarefa das mais difíceis, haja vista que a denominação em questão expressa relação direta com o conceito de moral e, conseqüentemente, de valor, conceitos estes que variam no decorrer do espaço e do tempo.
João de Lima Teixeira Filho define o dano moral como:
(...) o sofrimento provocado por ato ilícito de terceiro que molesta bens imateriais ou magoa valores íntimos da pessoa, os quais constituem o sustentáculo sobre o qual sua personalidade é moldada e sua postura nas relações em sociedade é erigida. [6]
Para José Aguiar Dias o dano moral consiste:
(...) na penosa sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provocada pela recordação do defeito ou da lesão, quando não tenha deixado resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância ou da reação a ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam. [7]
Frente a esta variedade de conceitos, pode-se definir, resumidamente, o dano moral como sendo aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa.
Analisando a evolução do ordenamento jurídico brasileiro, pode-se verificar o seguinte:
No Direito brasileiro, a primeira manifestação quanto à existência do dano moral ocorreu com a Lei nº 496, de 01 de maio de 1898, a qual regulamentava a questão dos direitos autorais, defendendo alguns aspectos pessoais e patrimoniais entre autor e obra.
Após, a questão foi introduzida no Código Civil Brasileiro de 1916, sob o título de propriedade literária, científica e artística, nos artigos 694 e seguintes.
Não obstante, o Código de Telecomunicações, em seu art. 81, tratou especificadamente da matéria ao dispor sobre a reparação de danos morais causados por meio da radiodifusão.
Por sua vez, o Projeto de Código das Obrigações de Orlando Gomes, submetido à revisão de Orozimbo Nonato, Caio Mário da Silva Pereira, Teófilo da Azevedo Santos, Sylvio Marcondes, Nehemias Gueiros e Francisco Luiz Cavalcanti, em 1965, em seu art. 865 dispunha: “o dano, ainda que simplesmente moral, será também ressarcido”.
Em 1966, foi apresentado à Câmara Federal o Projeto de Lei nº 3.289, voltado integralmente para a matéria da reparabilidade dos danos morais.
Ainda, a Lei de Imprensa (Lei nº 5.520, de 09 de fevereiro de 1967) trouxe expressamente em seu texto a reparação do dano moral, em especial em seu artigo 49.
Contudo, não se pode negar que a questão assumiu relevância com a entrada em vigor do Código Civil de 1916. O referido diploma legal, em seu artigo 159, tratou de forma genérica a questão da reparabilidade do dano, o que gerou controvérsias acerca do dano moral, vez que o mesmo não estava expressamente abrangido pelo citado dispositivo legal.
Senão veja-se: “Artigo 159: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano”.
O Novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), seguindo os passos da Constituição Federal de 1988 (como veremos no item 2.5 do presente estudo), prevê expressamente a possibilidade de reparação do dano exclusivamente moral, ainda que não haja prejuízo material.
Em seu artigo 186, assim, versou sobre o tema, in verbis: “Art. 186: aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito.”
Atualmente, no Direito Pátrio, encontra-se previsão sobre o dano moral nas seguintes legislações: Constituição Federal, art. 5º, V e X; atual Código Civil Brasileiro (L. 10.406/02), arts. 186 e 187; Código Eleitoral (L. 4.737/65), art. 243, §§ 1º, 2º e 3º; Código Brasileiro de Telecomunicações (L. 4.117/62), arts. 81 a 88; Código de Defesa do Consumidor (L. 8.070/90), art. 6º, VII; Estatuto da Criança e Adolescente (L. 8.069/90), art. 17; Leis dos Direitos do Autor (L. 5.988/73), arts. 25 e seguintes; Lei de Imprensa (L. 5.250/70), arts. 49, I, 56 e 244; e Código de Propriedade Industrial (L. 5.772/71), art. 126.
Abordando, ainda que de forma sucinta, a questão do dano moral no direito comparado, a fim de que se possa constatar as semelhanças e diferenças presentes nos diferentes sistemas jurídicos, observa-se:
O Código Napoleônico, como é conhecido o Código Civil Francês, estabelece uma noção geral de dano, sem distinção entre patrimonialidade e extrapatrimonialidade. Em razão disso, na França ocorreram as mesmas discussões doutrinárias havidas no Brasil, pelo fato da legislação não ser expressa em relação ao dano moral, ao prever a reparação do dano.
Coube à jurisprudência francesa o papel de assegurar a reparabilidade do dano moral, inclusive na esfera trabalhista.
O Código Civil Italiano prevê, expressamente, a indenização por dano moral, mas somente nos casos dispostos em lei.
Entretanto, a doutrina e a jurisprudência se posicionam no sentido da interpretação ampliativa dos dispositivos legais, não ficando a indenização por danos morais limitada aos casos previstos na legislação. Se assim não fosse, nem todos os dano morais seriam reparados.
Destarte, é dominante o entendimento de que a indenização por dano moral não se limita às disposições legais, cabendo a análise do caso concreto para a sua concessão.
Na Alemanha, assim como na Itália, a reparação por danos morais somente é admitida nos casos previstos em lei.
Porém, diferentemente do ocorrido no sistema italiano, a doutrina e a jurisprudência adotam uma interpretação restritiva, de sorte que nem todos os danos morais são reparados.
No direito anglo-americano o dano não decorre apenas do prejuízo monetário, vez que a toda injúria corresponderá necessariamente a um dano moral passível de reparabilidade. Nestes países há uma ampla proteção da personalidade de seus povos, sendo a reparação do dano moral operada por toda e qualquer ofensa ao sujeito de direito.
Aguiar Dias assevera que:
(...) o direito inglês reconhece amplamente a reparação do dano moral, como atesta Mayne, para quem toda e qualquer lesão importa um dano, ainda que patrimonialmente não corresponda à moeda mais insignificante; o dano não decorre somente do prejuízo pecuniário, mas também de qualquer ofensa que atinja o homem em seu direito.[8]
Da análise dos sistemas jurídicos, ora apresentados, podemos constatar que a tese da reparabilidade dos danos morais é universalmente aceita, o que representa uma grande vitória à ampla proteção da personalidade humana. As divergências presentes se restringem apenas ao fato do dano ser expressamente previsto em lei ou não.
Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)[9].
Caio Mário da Silva considera o dano moral qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo atentado à segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, às suas afeições, etc [10].
Carlos Roberto Gonçalves, valendo-se da lição de Orlando Gomes, diz que a expressão “dano moral” deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüência de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extra patrimonial[11].
Para Antônio Jeová Santos, tanto o dano patrimonial quanto o moral, toma-se em conta o modo como o dano se projeta na realidade do mundo fenomênico. Nessa esteira, diz-se que o dano é moral quando a lesão afeta sentimentos, vulnera afeições legítimas e rompe o equilíbrio espiritual, produzindo angústia, humilhação, dor, etc[12].
Já Valdir Florindo define o dano moral como aquele decorrente de lesão à honra, à dor sentimento ou física, aquele que afeta a paz interior do ser humano, enfim, ofensa que cause um mal, com fortes abalos na personalidade do indivíduo. Podendo-se dizer com segurança que seu caráter é extra patrimonial, contudo, é inegável seu reflexo sobre o patrimônio[13].
Portanto, conclui-se que os danos morais configuram-se como lesões às esferas da personalidade humana situada no âmbito do ser como entidade pensante, reagente e atuante nas interações sociais. São, no fundo, reações na personalidade do lesado a agressões ou a estímulos negativos recebidos do meio ambiente por meio da ação de terceiros, que atinjam seus bens vitais.
Os danos morais dividem-se em danos morais diretos ou puros e danos morais indiretos ou reflexos. Os primeiros configuram-se na no âmago da personalidade, ao passo que os segundos constituem efeitos de atentados ao patrimônio ou aos demais elementos materiais do acervo jurídico lesado, isto é, extrapolam à parte inicialmente atingida. [14]
Nessa esteira, inúmeros fatores, externos e internos, previsíveis ou não, interferem no encadeamento de fatos, alcançando-se, assim, em cada situação, efeitos os mais díspares, que em concreto se reúnem na produção das conseqüências objetivamente manifestadas.[15]
No mesmo contexto, é comum a interpenetração entre danos morais e patrimoniais. Aliás, após a edição da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, encontra-se superada a tese da inacumulabilidade do dano moral e do dano patrimonial.
A exemplo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:
(...) se há um dano material e outro moral, que podem existir autonomamente, se ambos dão margem a indenização, não se percebe porque isso não deva ocorrer quando os dois se tenham como presentes, ainda que oriundos do mesmo fato. De determinado ato ilícito, decorrendo lesão material, esta haverá de ser indenizada. Se apenas de natureza moral, igualmente devido o ressarcimento. Quando reunidas, a reparação há de referir-se a ambas. Não há porque cingir-se a uma delas, deixando a outra sem indenização.[16]
Assim, como se observa, os bens patrimoniais trazem satisfações morais e, de outro lado, da respectiva higidez psicossomática depende a obtenção de novas utilidades econômicas.[17]
Contudo, embora seja relevante a distinção entre danos patrimoniais e morais, perde na prática muito de sua significação, diante da constatação de que o dano é, no fundo, moral ou material, conforme os reflexos produzidos na hipótese fática, tanto quando puro, como quando indireto. E, uma vez caracterizado no fato concreto, deve o lesado merecer reparação, independentemente da origem ou do alcance.[18]
O dano moral configura-se por meio de lesões a elementos essenciais da individualidade; assim, revestem-se de caráter atentatório à personalidade.
Desse modo, repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da sociedade, a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação, com, de resto, institutos outros do Direito, em que a moral exerce influência.[19]
Clayton Reis, afirma que:
(...) inquestionável que a defesa da honra, da liberdade, do decoro, da integridade, dos sentimentos afetivos, da imagem do homem de família ou dos atributos constitui a defesa dos padrões de virtude de que são imbuídas as sociedades. A defesa desses padrões pessoais, sobre os quais se assentam os padrões da sociedade, é a defesa da própria sociedade[20]
Destarte, percebe-se que a ofensa moral lançada a qualquer cidadão, traz efeitos negativos à própria comunidade que também reage contra o ofensor. Daí o objetivo da reparação, não só de estabelecer indenização ao ofendido, mas sobretudo evitar, atuando na prevenção, que novas ofensas ocorram, restabelecendo o respeito, mantendo assim o equilíbrio social.[21]
Realiza-se, assim, a proteção da personalidade dos titulares de direitos, mas isto só porque a humanidade se conscientizou do perigo que há na exposição indiscriminada das pessoas, quebrando-se valores expressivos e vitais da respectiva estruturação, como a honra, a intimidade, a consideração social, o respeito, o sigilo e outros.[22]
A reação da ordem jurídica a ações lesivas manifesta-se por meio de mecanismos de submissão do agente aos respectivos efeitos para que se alcance a manutenção do equilíbrio necessário nas relações privadas.[23]
A responsabilização do agente, impondo-lhe uma indenização, é, neste sentido, a resposta do Direito a ações lesivas, assentando-se, desse modo, a rejeição à idéia de dano injurioso. Inibem-se investidas outras de mesma natureza, ou estimulam-se a adoção de técnicas de elisão de acidentes e a formulação de mecanismos de prevenção ou de reparação compatíveis, consoante à espécie de atividade compreendida no caso concreto, se perigosa, ou não, sob os condicionantes jurídicos próprios.[24]
Sob o prisma do lesado, funda-se a reação na necessidade de preservação da individualidade, a fim de que se mantenham íntegros os valore individuais e sociais da pessoa humana e possa ela, assim, cumprir os respectivos fins na sociedade. [25]
Nas palavras de Antônio Jeová Santos:
Os direitos são atributos, faculdades e liberdades que se reconhecem e são outorgados aos indivíduos que compõem a população do Estado. Alguns deles decorrem da própria natureza do ser humano e o direito apenas o positiviza. Não nascem do Texto Constitucional, porque preexistentes e imanentes ao homem. O ser humano goza de direitos fundamentais que tornam-se positivos, não porque o legislador assim o quis ao inscreve-los na Constituição, mas porque o caráter de tais direitos alude necessariamente à condição humana e à estrutura de vida.
(...)
As garantias são as instituições de segurança criadas em favor das pessoas para que o direito público subjetivo, o direito fundamental, previsto na Constituição, saia da total abstração para tornar efetivo se reconhecimento. Enquanto os direitos declarados na Constituição existem ante o Estado e os particulares e podem ser violados tanto por um como pelo outro, a garantia existe apenas perante o Estado que, por meio do Poder Judiciário, dará proteção aos direitos fundamentais acaso violados.[26]
Nesse contexto, acha-se na manutenção da higidez da individualidade a raiz da teoria da responsabilidade civil, voltada, no âmbito da reparação de danos morais, para a defesa dos limites integrantes da esfera da moralidade pessoal, ou da esfera íntima e dos circuitos familiar e social da pessoa.[27]
Destarte, com o desencadeamento da ação lesiva geram-se lesões para cuja reparação se acionam os instrumentos jurídicos que permitem ao lesado obter a necessária compensação, alcançando-se, com isso, os objetivos da teoria da responsabilidade civil, suportando o lesante as conseqüências próprias e em níveis adequados, enquanto se compensa, de outro, o lesado, pelo mal sofrido, com o que se obtém a restauração do equilíbrio rompido nas relações sociais.[28]
3 A REPARABILIDADE DO DANO MORAL
Antes da promulgação do texto constitucional de 1988, a questão da reparabilidade do dano moral era alvo de grande controvérsia, vez que a regra constante no artigo 159, caput, do Código Civil de 1916, ao tratar da responsabilidade civil, não foi expressa com relação ao dano moral (ver item 2.3 do presente trabalho).
Além disso, a corrente doutrinária que rejeitava a tese da reparabilidade do dano moral apresentava os seguintes argumentos: a-) falta de um efeito penoso durável; b-) a incerteza nesta espécie de dano, de um verdadeiro direito violado; c-) a dificuldade de descobrir a existência do dano; d-) a indeterminação do número de pessoas lesadas; e-) a impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro; f-) a imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; g-) o ilimitado poder que tem de conferir-se ao juiz; h-) a impossibilidade jurídica de admitir-se tal reparação.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, encerrou-se a discussão acerca da possibilidade de reparação do dano moral. O artigo 5º, incisos V e X, do referido texto legal consagrou definitivamente o direito à indenização pela violação do patrimônio moral das pessoas, in verbis:
Art.5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Dessa forma, o legislador constitucional deixou claro não existir diferenças entre as espécies de dano, quanto à conseqüência jurídica da transgressão, determinando a obrigação de reparação dos danos, a quem injustamente provocar prejuízo moral a alguém.
A reparabilidade do dano moral pode se dar in natura ou in pecunia. A reparação in natura é extremamente complicada, uma vez que esta compensação, quase sempre, não reconstitui o patrimônio imaterial danificado (restituo in integrum), nem apaga da realidade os efeitos indesejáveis que produziu sobre a pessoa ofendida.
Todavia, é possível, como nos casos de retratação, contra-publicação e publicação de sentença. Nestas hipóteses, pelo menos em teoria, ocorre uma retroação do danificado à situação anterior a ele.
Para Maria Helena Diniz:
(...) grande é o papel do magistrado na reparação do dano moral, competindo, a seu prudente arbítrio, examinar cada caso, ponderando os elementos probatórios e medindo as circunstâncias, preferindo o desagravo direto ou compensação não econômica à pecuniária, sempre que possível, ou se não houver riscos.[29]
No que diz respeito à Justiça do Trabalho, uma forma de reparação que vem sendo aceita pelos Tribunais e é defendida por alguns doutrinadores é a atestatória, que consiste na entrega de carta de boa referência em favor do trabalhador. Quem defende esta forma de reparação esclarece que a pecúnia tem efeito meramente compensatório, haja vista que não é possível voltar ao status quo ante, sendo que os efeitos do dano continuarão. Diferentemente da referida carta, que terá como visão principal o futuro, servindo ao trabalhador como passaporte para obtenção de novo emprego.
O doutrinador Enoque Ribeiro dos Santos ensina que:
Uma das formas de reparação, que pode ser cumulativa com a indenização pecuniária ou in natura, é o fornecimento pelo empregador de carta de referência ao empregado, de sorte que ele possa obter um novo emprego, bem como fazer publicar em jornal de grande tiragem, um aviso ou nota informando que o empregado não praticou qualquer ato ilícito por ocasião de sua dispensa.[30]
A reparação in pecunia, por seu turno, é mais freqüente, devendo representar para a vítima uma satisfação psicológica, capaz de neutralizar em alguma parte o sofrimento sentido. O dinheiro, como é sabido, não tem o condão de reparar integralmente a lesão sofrida, mas deve compensar ou diminuir as conseqüências do abalo sofrido pela vítima.
A eficácia da compensação pecuniária está na justa medida, de modo que não ocorra um enriquecimento sem causa da vítima, mas haja um impacto suficiente no ofensor capaz de dissuadi-lo de novo atentado.
A jurisprudência tem entendido que a justa medida ocorre por meio de uma estimativa prudencial, que leva em conta a necessidade de satisfazer a dor da vítima e dissuadir de novo atentado o autor da ofensa.
BIBLIOGRAFIA
- BITTAR, Carlos Alberto. A Reparação por Danos Morais.
- DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. v. 7.
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
- FLORINDO, Valdir. Dano Moral e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995.
- GIUSTINA, Beatriz Della. Dano Moral: Reparação e Compensação Trabalhista, in Trabalho e doutrina, n. 10. São Paulo: Saraiva, set. 1996.
- GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.
- SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável.
- SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano moral na dispensa do empregado. São Paulo: LTR, 1998.
- SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 519.
[2] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, verbete “dano”.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. v. 7. p. 49.
[4] GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 277.
[5] GIUSTINA, Beatriz Della. Dano Moral: Reparação e Compensação Trabalhista, in Trabalho e doutrina, n. 10. São Paulo: Saraiva, set. 1996. p. 04.
[6] TEIXEIRA FILHO, João de Lima. O dano moral no Direito do Trabalho. Revista LTr, v. 60, n. 9, 1996. p. 1.169.
[7] DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 783.
[8] DIAS. Op. cit. p. 68.
[9] BITTAR, Carlos Alberto. A Reparação Civil por Danos Morais. 3. ed. rev., atualizada e ampliada, 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 45.
[10] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.p. 54.
[11] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 548.
[12] SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 3. ed. São Paulo: Método, 2001. p. 81.
[13] FLORINDO, Valdir. Dano Moral e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 53.
[14] BITTAR. Op. cit. p. 52
[15] Idem. Ibidem. p. 53.
[16] STJ, Resp 6.852 e Resp 4.235 - Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Lex-JSTJ 29/190.
[17] BITTAR. Op. cit. p. 54.
[18] BITTAR. Op. cit. p. 57.
[19] BITTAR, p. 60.
[20] REIS, Clayton. Dano Moral. 3. ed.Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 100.
[21] FLORINDO. Op. cit. p. 329.
[22] BITTAR. Op. cit. p. 60.
[23] Idem. Ibidem. p. 65.
[24] Idem. Ibidem. p. 66
[25] Idem. Ibidem. p. 70
[26] SANTOS, A. Op. cit. p. 61-62.
[27] BITTAR. Op. cit. p. 72
[28] BITTAR. Op. cit. p. 75.
[29] DINIZ. Op. cit. p. 79.
[30] SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O Dano Moral na Dispensa do Empregado. Ltr, 1998. p. 200-201.