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Toque de acolher/recolher: Proteção ou retrocesso?

Agenda 15/12/2014 às 17:43

O presente artigo pretende analisar a polêmica medida adotada em vários municípios brasileiros, denominada por alguns de “toque de recolher” ou “toque de acolher”, com o fito de perquirir-se acerca de sua real finalidade: proteger ou restringir direitos.

Resumo: Nem sempre crianças e adolescentes foram considerados sujeitos de direito. Atualmente, após grande evolução histórica, eles possuem uma tutela que lhes garante proteção integral, elevando-os a um patamar superior, de seres em desenvolvimento que merecem especial atenção e cuidado. Nesse passo, diante de todo o histórico de conquistas nessa área do Direito, ainda é visto com desconfiança qualquer ato minimamente tendente a restringir os avanços alcançados. Considerando esse contexto, o presente artigo pretende analisar a polêmica medida adotada em vários municípios brasileiros, denominada por alguns de “toque de recolher” ou “toque de acolher”, com o fito de perquirir-se acerca de sua real finalidade: proteger ou restringir direitos. Nesse diapasão, analisar-se-á a legitimidade, constitucionalidade e legalidade da referida medida. Destarte, esse trabalho científico traduz uma tentativa de esclarecer, com argumentos jurídicos, a legitimidade e o impacto do toque de acolher/recolher no arcabouço protetivo das crianças e adolescentes.


Palavras-chave: Toque de Acolher/Recolher. Proteção da Criança e do Adolescente. Legalidade.


Sumário: Introdução; 1. O toque de Acolher/Recolher; 1.1 Conceito; 1.2 Realidade Fática; 1.3 Especificações; 1.4 Meios de Aplicação; 2. Argumentos Contrários; 2.1. Fundamentação acerca da Inconstitucionalidade do “toque de recolher”; 2.1.1 Inconstitucionalidade do “toque de recolher”: lesão aos princípios e as normas legais; 3. Argumentos Favoráveis; 3.1 Constitucionalidade e proteção integral da criança e do adolescente através do “toque de acolher”; 3.1.1 Constitucionalidade do “toque de acolher” com base nos dispositivos legais e princípios do Ordenamento Jurídico; Conclusão.


 INTRODUÇÃO
 

 Crianças e Adolescentes foram, no decorrer da história, hostilizados nos mais diversos âmbitos, inclusive no jurídico. No passado, não tão remoto, que deixa ainda hoje muitos vestígios, eram denominados de “menores”, assumindo o papel de objetos, sem quaisquer direitos, proteção ou evidência.

 Após muita luta, foram galgadas várias conquistas para as crianças e os adolescentes. Nesse passo, tem-se, atualmente, no Brasil e no mundo, o seu reconhecimento como sujeitos de direito em especial fase de desenvolvimento, a ensejar uma especial proteção e cuidado através de todo um aparato jurídico principiológico e legal.

 No Brasil, tanto a Constituição da República como o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõem sobre as normas especificamente aplicáveis a esse “grupo” social. Dizendo-se aparados por esses regramentos, juízes e legisladores têm adotado o que doutrinadores chamam de toque de acolher/recolher visando à retirada da população infanto-juvenil das ruas em horários, locais e hipóteses que apresentem situação de riscos para os mesmos.

 Ocorre que, tal medida não tem sido vista com “bons olhos” por diversos operadores do direito. Ademais, a própria sociedade, incluindo as crianças e os jovens, que são seu principal foco, questiona a legalidade da sua imposição.
 Diante dessas evidências, da polêmica que cerca o toque de acolher/recolher e da dúvida sobre representar ele uma garantia ou um retrocesso da proteção infanto-juvenil, é de suma importância averiguar, através de uma investigação cautelosa, se encontra-se referida medida em harmonia ou não com o ordenamento jurídico brasileiro.

Na análise do tema, é feito um recorte para apreciar apenas a legalidade da medida do toque em si. Assim, embora tenha-se constatado (após breve e inicial revisão de literatura) que muitas das discussões em torno desse tema referem-se à possibilidade ou não do Juiz da Vara da Infância e da Juventude expedir portarias a seu respeito, este não é o foco do presente artigo, pois entende-se não ser o ponto mais relevante a ser analisado quando o que se pretende, em realidade, é estudar o seu efeito sobre as garantias da Teoria da Proteção Integral adotada pelo legislador.

Pretende-se aqui analisar se o Toque de acolher/recolher é ou não constitucional e legal, se assenta-se no arcabouço normativo que regula o direito das crianças e dos adolescentes, independente da forma como é ou possa ser imposto, seja por portarias, leis municipais, estaduais ou até federais.

Nesse ponto, impende salientar que após a revisão de literatura, apesar da relevância do assunto aqui versado, verificou-se, ainda, uma escassez de produção científica acerca do tema, o que se evidencia pela pequena quantidade de livros específicos sobre o assunto, pelo pouco aprofundamento acerca de temas relevantes, e pela falta de rigor científico nos ensaios ao seu respeito. 

Na estruturação desse artigo, o primeiro tópico busca definir o conceito e histórico do toque de acolher/recolher, delimitando-o dentro de sua perspectiva normativa e estabelecendo seus principais elementos e especificações. Verifica-se, ainda, a realidade brasileira quanto à adoção da medida. O segundo tópico aborda os argumentos contrários à aplicação do toque. Por fim, o tópico terceiro, se detém a análise dos supostos benefícios apresentados pelo instrumento e aos argumentos favoráveis a sua adoção.

Certamente, as questões envolvidas no tema ora estudado não serão esgotadas com as análises que se seguem. Muitos assuntos relevantes deixarão de ser abordados, mas o importante é que se alerte o mundo acadêmico sobre a relevância do desenvolvimento dos estudos acerca do toque de acolher/recolher. É inegável que esse instrumento urge de ser estudado, pois o seu uso pode representar uma ameaça aos já consagrados direitos infanto-juvenis. Esse artigo se propõe a colaborar para esse fim tão indispensável quanto instigador, numa tentativa de contribuir, inclusive, para posteriores trabalhos voltados para um estudo de dados reais em torno do toque de acolher/recolher.


1. TOQUE DE ACOLHER/RECOLHER


1.1 CONCEITO

O Toque de Acolher/Recolher é uma medida utilizada para restringir a permanência das crianças e adolescentes nas ruas a partir de certos horários, com o intuito de proteger e livrá-los das mazelas que permeiam a sociedade.

Após a implantação da medida, originariamente sem nenhuma denominação específica, algumas pessoas que se colocaram contra a mesma passaram a chamá-la de “toque de recolher”, termo que deriva essencialmente da prática européia, na qual, durante as guerras, o toque de uma sirene sinalizava a necessidade de recolhimento dos cidadãos. Assim, passaram a utilizar esse termo por entender que a medida caracteriza uma repressão aos direitos das crianças e adolescentes, como afirmam os operadores do direito Luiz Antônio Miguel Ferreira e Sérgio Fedato Batalha (FERREIRA, Luis Antonio Miguel; BATALHA, Sergio Fedato. Toque de Recolher ou Toque de Acolher. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/REVISTA/JIJ+17.PDF#page=109>. Acesso em: 30 de abril de 2011.)  ao relatarem que o “toque” é também chamado de “recolhimento obrigatório”, por consistir em proibição decretada por uma autoridade competente, de que as pessoas permaneçam nas ruas após determinada hora, individual ou coletivamente, ocasionando com a sua desobediência uma penalização. Nesta esteira, ainda asseveram que o toque é uma medida de segurança pública e garantia da ordem civil, podendo ser usado, também, como método de repressão política.

Em contrapartida, os defensores da medida, passaram a chamá-la, analogicamente de “toque de acolher”, por acreditarem ser ela uma medida protetiva, ou seja, de acolhimento que visa o bem estar dos jovens.
Para ilustração da nomenclatura com relação ao “toque de acolher”, faz-se mister a observação do Juiz Evandro Pelarin, que instituiu a medida na cidade de Fernandopólis: "Associação dos Amigos da Cidade de Fernandópolis, em abril de 2009, decidiu dar outro título à medida judicial, chamando-a de "toque de acolher".  O que, de fato, parece mesmo mais apropriado, em razão da essência da medida judicial que é a proteção e a prevenção aos menores de 18 anos, tirando-os das ruas, quando em risco, inserindo-os junto à família, ou evitando que eles ingressem nas situações de perigo" (PELARIN, Evandro. "Toque de recolher" para crianças e adolescentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2192, 2 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13086.>. Acesso em: 30 de abril de 2011). 

Reforçando a observação do Juiz, os Autores Rafael Silva Rossi e Isael José Santana, defendem que:
"O toque de “acolher” nada mais é que uma decisão judicial no qual se determina o recolhimento, realizada pelas Polícias (Civil e Militar) e o Conselho Tutelar, de crianças e adolescentes que se encontra em situações de risco. Assim como alguns, preferimos o termo “toque de acolher”, mediante o fato de acreditarmos que a portaria tem um cunho de prevenção e proteção para crianças e adolescentes que se encontrem em situação de risco" (ROSSI, Rafael Silva. Constitucionalidade ou não do “Toque de Recolher”. Disponível em: <http://www.periodicos.uems.br/novo/index.php/anaispba/article/view/292/220>. Acesso em: 30 de abril de 2011).  


1.2 REALIDADE FÁTICA

A implantação do toque de acolher/recolher no Brasil ocorreu inicialmente em Fernandópolis, estendendo-se em seguida para diversas outras cidades do Estado de São Paulo como, Mirassol, Itapura e Ilha Solteira. Recentemente, surgiu no Estado da Bahia nas cidades de Santo Estevão, Ipecaetá e Antônio Cardoso, com o mesmo intuito das outras cidades, qual seja, a proteção e restrição dos horários dos menores.

Vale ressaltar, que a cidade de Fernandópolis foi a pioneira na implementação desta medida. O juiz Evandro Pelarin (PELARIN, Evandro. "Toque de recolher" para crianças e adolescentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2192, 2 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13086.>. Acesso em: 30 de abril de 2011), criador da medida, explica  que a sua decisão surgiu a partir das reclamações direcionadas à Vara da Infância e da Juventude, vindas de moradores, de integrantes de clubes e de vereadores, acerca de menores nas ruas consumindo bebidas alcoólicas. Além disso, as pessoas exigiam que o Poder Judiciário tomasse providências, em razão dos altos índices de delinquência juvenil, como furtos de casas, de aparelhos de som de automóveis e até roubos “à mão armada” em residências.

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Nessa expectativa, em julho de 2005, através de encontros e reuniões provocados pelo Judiciário, o Juiz de Fernandópolis, determinou uma força tarefa, com ajuda da Polícia Civil e Militar e do Conselho Tutelar, para a imediata implantação do Toque de acolher/recolher.

Com a implantação da medida, houve uma repercussão nacional da sua (in)constitucionalidade. O membro do Parquet, Válter Kenji Ishida (ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente, 12ª Ed., atualizada com emenda constitucional nº 65 (emenda da juventude). São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 318), demonstra em sua obra que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) admitiu o toque de recolher, com o fundamento de que o direito de ir e vir da criança e do adolescente não seria absoluto. Em contrapartida, o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente) aprovou parecer contrário à medida, tendo como principais argumentos de que novamente crianças e adolescentes seriam tratados como “objetos de direito” e de que haveria restrição ao direito à convivência familiar, explicitando assim, as inúmeras dúvidas em relação ao tema, as quais o presente artigo pretende esclarecer.
Por fim, cumpre-se informar que não se obteve relato sobre a implantação do toque de acolher/recolher em outros países.


1.3 ESPECIFICAÇÕES
 

Após a análise das portarias expedidas pelos juízes, obteve-se algumas das características do procedimento do toque de acolher/recolher.
De acordo com o promotor Válter Ishida, o toque de acolher/recolher possui as regras seguintes:
"(1) os menores de 13 anos desacompanhados dos pais só poderão ficar nas ruas até as 20h30m; (2) os menores entre 13 e 15 anos podem permanecer nas ruas até as 22h00m; e (3) os menores entre 15 e 17 anos estão autorizados a permanecer fora de seus lares até as 23h" (ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente, 12ª Ed., atualizada com emenda constitucional nº 65 (emenda da juventude). São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 318). 

Nesse lastro, o Juiz Evandro Pelarin, demonstra que antes da implantação do “toque” deve haver uma averiguação da localidade e a percepção destes locais em que estejam presentes as situações de risco. Em seu artigo, descreve estas situações, nos seguintes termos:
"Exemplos de situação de risco: ingestão de bebidas alcoólicas, drogas, exposição à prostituição, desamparo em geral, importunação ofensiva ao pudor, exposição a som de alto volume, propagado por veículos particulares ou estabelecimentos comerciais, menores de dezoito anos em condução de veículo automotor ou motocicletas, menores nas ruas, desacompanhados de pais ou responsável, desde que a eles existente ou potencial a situação de risco, como nos exemplos acima, mormente se presentes nas ruas, calçadas, estabelecimentos comerciais como bares, restaurantes, lanchonetes, danceterias, discotecas, shopping da cidade de Fernandópolis e das cidades da Comarca" (PELARIN, Evandro. "Toque de recolher" para crianças e adolescentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2192, 2 jul. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13086. Acesso em: 8 maio 2011). 

Vale ressaltar que, em períodos de festas tradicionais, como São João, Natal, Réveillon, o “toque” é suspenso, permitindo às crianças e aos adolescentes permanecerem nas ruas em qualquer horário. Faz-se mister dizer que, em qualquer circunstância, os impedimentos não valem para quem estiver acompanhado dos pais ou responsáveis. Ademais, não será conduzido aquele que estiver em atividade escolar, religiosa e esportiva.

Na prática, se forem encontrados menores de idade fora dos horários, de acordo com a limitação por faixa etária, serão encaminhados para o Juizado da Infância e Juventude. No Juizado, os Comissários deverão ligar para os pais, chamando-os para buscar seus filhos. Em caso de reincidência, o responsável pelo adolescente poderá pagar multa de 3(três) a 20(vinte) salários-mínimos, conforme o art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 20 de maio de 2011).

As portarias analisadas reforçam a proibição da entrada e permanência de crianças e adolescentes em estabelecimentos que explorem, comercialmente, bilhar, sinuca ou congênere, prevendo punição para quem desrespeitar a regra.


1.4 MEIOS DE APLICAÇÃO

O toque de acolher/recolher vem sendo aplicado através de portarias administrativas expedidas pelos juízes e por leis municipais elaboradas e aprovadas pelos vereadores.

Kátia Maciel esclarece essa função do juiz da infância e juventude, ao afirma que:
"Outra atividade atípica à função judicial exercida pelo juiz da infância é a expedição de portarias (art.149 do ECA). Ao expedir as portarias para regulamentar as atividades envolvendo crianças e adolescentes, bem como a possibilidade de participarem de eventos (utilizamos a expressão “participação em eventos” em sentido amplo, englobando a atividade artística e a freqüência ao mesmo), não estará agindo na atividade típica do Poder judiciário, mas como administrador, pois a portaria nada mais é do que um ato administrativo, tendo o juiz o poder de agir de ofício. Esta função de expedição de portarias é um resquício oriundo da legislação revogada, que não deveria ter sido mantida. Mesmo que seja estranha esta atividade de expedição de portarias, ela se adéqua à doutrina de proteção integral, pois o juiz assim agindo está visando evitar que direitos das crianças e adolescentes sejam violados e que se exponham elas a riscos" (MACIEL ANDRADRE, Kátia Regina Ferreira Lobo, Curso de Direito da Criança e do adolescente, Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P. 414).

Para maior esclarecimento, traz-se a baila a definição dada por Bandeira de Mello ao termo portaria:
"Portaria é a fórmula pela qual autoridades de nível inferior ao chefe do executivo, sejam de qualquer escalão de comandos que forem, dirigem-se a seus subordinados transmitindo decisões de efeito interno, quer com relação ao andamento das atividades que lhes são afetas quer com relação à vida funcional de servidores ou, até mesmo, por via delas, abrem-se inquéritos, sindicâncias, processos administrativos. Como se vê, trata-se de ato formal de conteúdo muito fluido e amplo" (BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. P.87). 

Assim, ao expedir essa norma autorizativa – portaria, o juiz, por estar atuando administrativamente, deverá levar em conta, além dos princípios do Estatuto e das peculiaridades locais, a necessidade e a oportunidade visando à criação de regulamentação adequada e legal, fundamentado na norma jurídica.


2. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS


2.1 FUNDAMENTAÇÃO ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO “TOQUE DE RECOLHER.”

Diante da polêmica medida implantada em alguns municípios do Brasil, deve-se observar quais os fundamentos adotados pelos autores que avaliam o “toque“ como uma medida de restrição dos direitos e princípios adquiridos pela criança e pelo adolescente, considerando-a inconstitucional e retrógrado.


2.1.1 Inconstitucionalidade do “toque de recolher”: lesão aos princípios e as normas legais.

A inconstitucionalidade do “toque” é um assunto diversamente defendido por autores que acreditam que este meio utilizado por alguns juízes e municípios contraria os preceitos fundamentais e os dispositivos legais.

Nessa esteira, Luiz Antonio Miguel Ferreira e Sérgio Fedato Batalha sustentam que a medida fere os princípios da dignidade, do respeito, e do desenvolvimento da pessoa humana.  Esclarecendo os motivos da inconstitucionalidade, os autores afirmam que:
"O que se deve ter em mente é que o recolhimento obrigatório não pode ser arbitrariamente instituído com base simplesmente num suposto “interesse público”. - Ademais, estará se punindo ou colocando sob suspeita toda uma camada de jovens (posto que todos são colocados num mesmo plano), sendo que apenas uma minoria pratica atos infracionais e necessita de uma atenção especial. Por outro lado, diversos problemas geradores de conflitos e violência decorrem de atos praticados no interior da casa (e não nas ruas) pelos próprios pais que não exercem a devida educação em relação aos filhos" (FERREIRA, Luis Antonio Miguel; BATALHA, Sergio Fedato. Toque de Recolher ou Toque de Acolher. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/REVISTA/JIJ+17.PDF#page=109>. Acesso em: 30 de abril de 2011).

Asseveram, ainda, que o direito punitivo emergencial, embora muitas vezes sedutor, não é o meio mais adequado para a pacificação social. Deve-se, ao contrário, instituir políticas públicas em prol da melhoria de qualidade de vida e da busca pela paz direcionada aos infratores ou crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal, e não de forma genérica.

Também considerando a ilegalidade da medida, o jurista Edson Sêda (SÊDA, Edson. A Criança e o Afamado Toque de Cidadania: ou como fazer com que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário sejam republicanos e respeitem a cidadania de crianças e adolescentes. Disponível em: <http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=258>. Acesso em: 30 de abril de 2011) acredita que as portarias expedidas pelos juízes não são leis e, portanto, juiz algum pode restringir a liberdade, seja de idosos, de adultos, de adolescentes ou de crianças.

Impende destacar que o jurista supracitado entende que o serviço mais essencial e adequado à construção da cidadania é o programa de proteção em regime de orientação e apoio sócio-familiar. Portanto, defende que todo município deveria criar esse programa com recursos do Fundo Municipal, em substituição ao “toque de recolher”, por entender que este:
"viola o direito à autonomia, aos valores da liberdade e da inviolabilidade do poder familiar, e do direito de circulação livre, assegurado a todo cidadão. Por outro lado, legislador, prefeito e juiz não podem, criando leis locais, executando programas ou legislando através de portaria, impor tratamento vexatório e constrangedor (artigo 18) através de eventual e infame toque de recolher" (SÊDA, Edson. A Criança e o Afamado Toque de Cidadania: ou como fazer com que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário sejam republicanos e respeitem a cidadania de crianças e adolescentes. Disponível em: <http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=258>. Acesso em: 30 de abril de 2011). 

Outro argumento utilizado pelos autores é o de que cabe aos pais, e não ao juiz, estabelecerem as condições em que seus filhos vão exercer seu legítimo direito ao uso (e nunca ao abuso) da liberdade. Através do Código Civil, demonstram a normatização que acreditam proibir a interferência espúria, citando o art. 1.513, sendo defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
                          

3. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS


3.1 CONSTITUCIONALIDADE E PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ATRAVÉS DO “TOQUE DE ACOLHER.”

Fazendo uma análise dos argumentos utilizados por operadores do direito para demonstrar que o “toque de acolher” prima pela proteção integral da criança e do adolescente, tendo a sua fundamentação baseada na “Lex Mater” e em seus princípios, percebe-se a pertinência da sustentação da legitimidade e legalidade da medida protetiva, evidenciando-se a sua conformidade com ordenamento jurídico brasileiro.

No tópico a seguir, são listados os argumentos que embasam e esclarecem os motivos para a implantação da medida.


3.1.1 Constitucionalidade do “toque de acolher” com base nos dispositivos legais e princípios do Ordenamento Jurídico.

Com o fito de justificar a legalidade do “toque de acolher”, aplica-se a própria idéia de “contrato social” pelo qual os indivíduos cedem parcelas de suas faculdades para o ente abstrato (Estado) com a finalidade de regulamentar as relações sociais.

Na Constituição Federal, pode-se perceber a relativização de alguns princípios constitucionais, por exemplo, a previsão da pena de morte em estado de guerra, desfazendo-se da plenitude do princípio da existência humana.

Nesse contexto, o ilustre jurista Pedro Lenza, esclarece a ponderação dos princípios constitucionalizados nos seguintes termos:
"A doutrina predominante no direito constitucional acredita na ponderação dos princípios constitucionalizados em caso de conflito real entre as normas superiores. Sendo assim, ao não acreditar que os direitos fundamentais são plenos ou absolutos, é possível decifrar a abrangência da Constituição brasileira, e que, por ser superior às outras leis, decodificar o alcance das normas infraconstitucionais" (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. P. 97).

Como ensina Pedro Lenza, os princípios devem ter em seus arcabouços ideais como: prudência, justiça e direito justo a fim de preceder e condicionar a positivação jurídica, mesmo em âmbito constitucional, isto é, ser útil para as regras de interpretação de todo o ordenamento jurídico.

Neste segmento, os ilustres operadores do Direito, Rafael Rossi e Isael Santana argumentam que:
"Prevê o art. 227 de nossa Constituição Federal que “é dever da família, da sociedade e do Estado”, no que diz respeito às crianças e adolescentes, “colocá-los a salvo de toda forma de negligência”, isto é, não apenas de algumas formas, mas sim de todas as formas de negligência. No caso em questão isto significa que a criança e o adolescente não podem ficar sem os cuidados necessários, ficar desamparado e à mercê das bebidas e das drogas ilícitas, até mesmo ao lado de um adulto (configurando-se também em negligência), ainda mais quando eles se encontram desacompanhados, sendo estes últimos o foco das ações previstas na medida" (ROSSI, Rafael Silva, SANTANA, Isael José. Constitucionalidade ou não do “Toque de Recolher”. Disponível em: <http://www.periodicos.uems.br/novo/index.php/anaispba/article/view/292/220>. Acesso em: 30 de abril de 2011). 

Para confirmar a legalidade da medida protetiva, os autores apontam os artigos 98, II, o art. 101 caput, I e II do estatuto da Criança e do Adolescente. Afirmam, ainda, que outras medidas também podem ser aplicadas em caso de consumo de bebidas alcoólicas ou de entorpecentes ou de comprovado descumprimento do dever de zelo e cuidado inerente ao poder familiar, como prevê o art. 1.638 do Código Civil/2002.

Destarte, elucidam que o direito de ir e vir, não é ferido pela medida, pois a Constituição Federal, no seu art. 227, § 3º, inciso V, prevê a privação da liberdade da criança e do adolescente respeitando-se os princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A intenção da medida é, exatamente, obedecer estes princípios citados, ou seja, não há a intenção de castigá-los ou mesmo de promover uma vingança.

Prelecionam, ainda que:
"É preciso saber que o “toque de recolher” não é abrangente a todos menores que se encontram nas ruas após as 23 horas (como no caso de Fernandópolis, que é estabelecido esse horário para os menores de idade já estarem em suas casas, respeitando-se as peculiaridades daquele local). Os lugares escolhidos para a ação dos Policiais Militares e Civis e o Conselho Tutelar são estratégicos, ou seja, abordam jovens menores que se encontra em situação de risco (expostos à criminalidade de modo geral), e não ocorre, por exemplo, a abordagem aos menores que voltam do cinema ou da casa de um amigo, não permanecendo em um local que lhe ofereça risco ao seu desenvolvimento peculiar" (ROSSI, Rafael Silva, SANTANA, Isael José. Constitucionalidade ou não do “Toque de Recolher”. Disponível em: <http://www.periodicos.uems.br/novo/index.php/anaispba/article/view/292/220>. Acesso em: 30 de abril de 2011).

Vale ressaltar que o Juiz Evandro Pelarin, criador da medida, evidencia a legalidade do “toque”, afirmando que:
"E se os pais não cumprem a obrigação deles em relação aos filhos menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente não só determina que o Estado atue, em substituição ou de maneira conjunta a eles, para livrar os menores dos perigos, como o Estatuto prescreve também, textualmente, que os pais devem obedecer às ordens judiciais no sentido da prevenção e da proteção. [20] Ou seja, se os pais não fixam um horário para o filho retornar para casa, caso o Juiz o faça, os pais devem observar e cumprir essa ordem judicial, conforme o art. 22 do Estatuto, sob pena de responsabilização pecuniária expressa, ou seja, os pais ficam sujeitos ao pagamento de multa" (PELARIN, Evandro. "Toque de recolher" para crianças e adolescentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2192, 2 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13086.>. Acesso em: 30 de abril de 2011). 

Cumpre ressaltar que antes de editar a portaria o juiz discute com outros órgãos da sociedade. Por assim ser, as medidas tomadas pelos Juízes não representam tão somente as suas vontades, mas representam também pactos sociais.

Infere-se dos argumentos colimados que o “toque de acolher” lastra-se nos preceitos de legalidade e constitucionalidade. Sendo assim, a sua implantação abarca o princípio de proteção integral a criança e ao adolescente.


4. CONCLUSÃO

O “toque de acolher” foi criado em agosto de 2005 pelo Juiz Evandro Pelarin, da Vara de Infância e Juventude do Estado de São Paulo, na cidade de Ferdanópolis, com o intuito de proteção aos menores de 18 anos que permaneciam sozinhos, principalmente nas ruas, depois das 23 horas, isso porque, altas horas da noite são mais comuns as ocorrências de situações de risco. Seu objeto é a restrição dos horários para que as crianças e os adolescentes não corram risco, pois são mais vulneráveis às condições encontradas no dia-a-dia.

Apesar de possuir, segundo alguns doutrinadores, a natureza de medida de privação de liberdade, representando um retrocesso aos direitos da criança e do adolescente, a eficaz utilização do “toque” contribui para a diminuição das mazelas da sociedade que interferem no desenvolvimento dos jovens, consoante argumentos pertinentes aludidos por este artigo.

Assim, de suma importância um “toque de acolher” eficaz, capaz de coibir qualquer pretensão ilegítima no sentido de deixar os jovens a mercê da sorte e sem proteção.

O “toque de acolher” é apontado como uma medida com grandes potenciais, a exemplo de benefícios como a possibilidade de evitar-se que as crianças e os adolescentes cresçam na marginalidade, na prostituição e no envolvimento com as drogas e as bebidas alcoólicas.  

Vislumbra-se no “toque de acolher” muitos aspectos positivos que precisam, contudo, ser somados a algumas práticas de segurança na sua aplicação. Nesse passo, sobreleva-se a atuação do Juiz, da Polícia, do Conselho Tutelar e da sociedade, para que esta medida seja cumprida de acordo com os ditames legais, não deixando influenciar-se por autoritarismos e condutas fora dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Observa-se assim que a medida protetiva pode, na prática, por conta da ausência da família, ser implantada para garantir a proteção pelo Estado, como prevê o art. 227, caput, da Constituição Federal.

Diante do exposto, a construção e evolução do “toque de acolher” devem ser feitas com grande cautela e atenção aos princípios a que está adstrito, devendo o magistrado não somente fundamentar sua decisão com base na norma jurídica, mas também “ouvir” a sociedade, para adotar as medidas cada vez mais benéficas para a proteção das crianças e dos adolescentes.


REFERÊNCIAS


ALBINO, Priscila Linhares; PALADINO, Ricardo. Toque de Recolher: do clamor da sociedade à afronta à legislação brasileira. Disponível em: <www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/cao/cij/.../revista_16_artigo.pdf>. Acesso em: 30 de abril de 2011.


ARAÚJO, Denilson Cardoso de. "Toque de recolher" para menores. Porque o direito de ir e vir não é o direito de ficar à deriva. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2127, 28 abr. 2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12717>. Acesso em: 30 de abril de 2011.


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BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio, Curso de Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2003.


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