6. O REMÉDIO JURÍDICO PROCESSUAL
PONTES DE MIRANDA (1972, p. 110) afirma que o grande problema do conceito de "direito de ação" é a confusão que se faz entre ação material e o remédio jurídico processual. "A ação exerce-se principalmente por meio de ‘ação’ (remédio jurídico processual), isto é, exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o estado criou". A expressão "direito de ação" é, portanto, imprópria, pois confunde o conceito de ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico processual, três situações completamente distintas, geradas por fatos jurídicos diversos.
"Infelizmente, encabulham-se sob o nome genérico de "ações", o que significa estar em situação de exercer em juízo a pretensão e o que constitui remédio jurídico processual." (PONTES DE MIRANDA, 1976, p. 19). O remédio jurídico processual é a forma que se pode exercitar a pretensão à tutela jurídica, trazendo-se a juízo, a alegação do direito subjetivo, pretensão e ação material: a res in iudicium deducta. "Ora, deduzindo-se in iudicium, há direito deduzido, pretensão deduzida e ação deduzida; não há direito à pretensão nem direito à ação" (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 116).
Antes que se busque concretamente o Estado-juiz, tem-se apenas pretensão à tutela jurídica, abstrata e autônoma em relação ao direito subjetivo material. Ao se buscar o Estado juiz, apresentando-se a relação material a ser deduzida em juízo, tem-se a ocorrência do suporte fático de normas processuais que dão ensejo à formação de fato jurídico hábil a produzir a relação jurídica processual. "O remédio jurídico processual é direito oriundo de lei processual, o caminho que tem de ser percorrido por aquele que vai a juízo, dizendo-se com direito subjetivo, pretensão e ação, ou somente com ação" (PONTES DE MIRANDA, 1976, p. 37)
PONTES DE MIRANDA (1979, p. XXIII) continua sua conceituação de remédio jurídico processual:
Ação ou demanda ou lide é o negócio jurídico com o qual o autor põe o juiz na obrigação de resolver a questão, ainda que seja "se cabe a constituição, ou mandamento, ou a execução". À base da sua legitimação para esse negócio jurídico estão a capacidade de ser parte e a pretensão à tutela jurídica (uma e outra pré-processuais).
O fato jurídico gerado pela propositura da "ação" é, portanto, de natureza diversa daquele que faz nascer a pretensão à tutela jurídica. O remédio jurídico processual é direito que nasce da incidência das normas processuais, que se refere ao caminho que tem de ser percorrido por quem vai à juízo, dizendo-se com direito subjetivo, pretensão e ação, a relação jurídica material. PONTES DE MIRANDA (1976, p. 37), mais uma vez distingue as situações:
A pretensão à tutela jurídica é pré-processual. A pretensão ao exercício de determinado remédio jurídico processual é pretensão processual, oriunda de direito público subjetivo ao remédio jurídico processual, e.g., à "ação" de obra nova, À "ação" executiva de títulos extrajudiciais".
Desta forma, se há extinção do processo sem julgamento meritório, implica dizer que houve o exercício da pretensão à tutela jurídica, porém, os requisitos para o desenvolvimento do remédio jurídico processual, previstos nas normas processuais, não ocorreram, fulminando-se a pretensão ao exercício de determinado remédio jurídico processual.
Quando exercida a pretensão à tutela jurídica, forma-se a relação jurídica processual que tem como sujeitos, o juiz e as partes. Inicialmente, forma-se a ligação entre autor e juiz. Após o exercício da pretensão à tutela jurídica pelo réu, ocorre a relação de angulação, entretanto, isto não é essencial:
"A relação jurídica é entre autor e Estado; costuma-se completar pela angulação (autor, Estado; Estado, réu), porém, isto não é necessário, nem se exclui a reciprocidade nem a pluralidade de autores, com ou sem pluralidade de réus" (PONTES DE MIRANDA, 1979, p. XXV).
Dentro da relação processual, identificam-se os deveres do Juiz e das partes, que são aqueles previstos pelas normas processuais, de natureza completamente diversa da relação jurídica material, bem como da pretensão à tutela jurídica, que tem conteúdo específico e natureza pré-processual.
Não há que se olvidar, portanto, da distinção entre os momentos jurídicos da relação jurídica material, da pretensão à tutela jurídica e da relação jurídica processual, situações dessemelhantes que não podem ser confundidas para o bem da ciência jurídica. A correta identificação de cada situação jurídica explica situações como a ação julgada improcedente, onde se identifica que o sujeito, apesar de não ter ação material, participou como sujeito de relação processual, bem como exerceu sua pretensão à tutela jurídica, evitando-se terminologias que não demonstram a realidade do fenômeno jurídico.
7. CONCLUSÃO
Percebe-se, destarte, que o chamado "direito de ação" gera confusões pela própria expressão. Confunde o cientista, pois coloca sob a mesma denominação situações jurídicas distintas como a ação material, a pretensão à tutela jurídica e o remédio jurídico processual. Direito de "ação", portanto, é uma impropriedade que deve ser evitada.
A identificação correta dos fatos jurídicos que dão ensejo a cada uma das situações tratadas acima (direito subjetivo, pretensão, ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico processual) é de suma importância para se entender e pensar o fenômeno jurídico-processual com o rigor necessário e procurado pelo cientista do direito, destacando-se, deste modo, a importância teórica e prática do tema proposto, como forma de tentar esclarecer situações jurídicas tão próximas e, ao mesmo tempo, tão distintas em sua natureza.
NOTAS
- A oferta é considerada uma situação complexa unilateral, pois não cria direitos e deveres correspectivos, vinculando apenas um sujeito. Porém, gera para o receptor da oferta o que se chama de direito formativo gerador, que é espécie de direito potestativo. O destinatário da oferta tem direito formativo gerador a aceitá-la ou não: "Também a favor do destinatário da oferta revogável nasce direito formativo gerador: mediante seu exercício, compõe-se o negócio jurídico bilateral" (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 40).
- Para VILANOVA (2000, p. 188), é o que se chama de relação jurídica em sentido estrito, posto que, segundo o autor, toda situação jurídica no plano da eficácia é uma relação jurídica em sentido amplo, pois envolve, sempre, alteridade.
- O princípio da coextensão de direito pretensão e ação é um princípio não essencial, tendo em vista a possibilidade de ocorrência de direito sem ação e sem pretensão ou direito e pretensão sem ação, como é o caso da dívida de jogo que não pode ser cobrada coativamente pois é direito desprovido de ação. (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 31)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Eduardo Arruda. Curso de Direito Processual Civil. V. 01. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. V. 01. 1 ed atualizada, Campinas: Milennium, 2000.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo I. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
______, Pontes de. Tratado das Ações. Tomo I. 2 ed. São Paulo: RT, 1972.
______, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I. 2 ed. Campinas Bookseller, 1999.
______, Pontes de. Tratado da Ação Rescisória. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997.
__________, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4 ed. São Paulo: RT, 2000.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 7 ed. São Paulo:Saraiva, 1995.
DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Pretensão, Ação (defesa) e Processo. São Paulo: Dialética. 1997.