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Considerações acerca dos conceitos fundamentais da teoria geral do processo:

direito subjetivo, pretensão, ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico processual

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01/11/2002 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução; 2. A juridicização do suporte fático; 3. A relação jurídica material; 4. Direito subjetivo, pretensão e ação material; 5. A pretensão à tutela jurídica; 6. O remédio jurídico processual; 7. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A ciência jurídica, muitas vezes, coloca-se diante de grandes debates e questionamentos que são nada mais que imprecisões sobre conceitos básicos da Teoria Geral do Direito. Referida disciplina, apesar de sua importância, nem sempre é vista como tendo alguma relevância prática. Por esta razão, à mesma não é dado o devido destaque entre os doutrinadores brasileiros.

No campo da prática, os conceitos da Teoria Geral do Direito são de importância fundamental para que o intérprete – operador do direito – possa pensar o fenômeno jurídico de forma coerente e lógica, especialmente no direito processual, onde, por falta de uma análise um pouco mais detida sobre conceitos capitais do direito, algumas situações não são muito bem explicadas, como é o caso do que se chama de "direito de ação", conceito impróprio, porém, amplamente utilizado pelos processualistas.

Com o intuito de tentar esclarecer alguns destes conceitos fundamentais, o presente trabalho tem por finalidade a breve análise dos conceitos de direito subjetivo, pretensão material, ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico processual, como forma de definir seus significados e estabelecer as distinções entre os mesmos.


2. A JURIDICIZAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO

A estrutura lógica da norma jurídica se apresenta dotada de um pressuposto hipotético, que é "o descritor de possível situação fática do mundo (natural ou social, social jurisdicizada, inclusive), cuja ocorrência na realidade verifica o descrito na hipótese". (VILANOVA, 1997, p. 96). Referida hipótese se liga a um conseqüente, que prescreve (e não mais descreve) uma conseqüência para a ocorrência do fato.

A chamada hipótese normativa constitui o que PONTES DE MIRANDA chama de "suporte fático" (1999 p. 66), que é o conjunto de fatos previstos pela norma jurídica como pressuposto para sua incidência. Segundo MELLO "Quando aludimos a suporte fático estamos fazendo referência a algo (= fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica". (1995, p. 35).

Assim, há um conjunto de fatos previstos abstratamente na norma jurídica que se chama suporte fático. Quando estes fatos ocorrem de forma concreta no mundo dos fatos a norma incide e, portanto, traz para o mundo do direito aquele conjunto de fatos que ocorreram, qualificando-os como fatos jurídicos. "Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane eficácia jurídica". (PONTES DE MIRANDA, 1999, p 126).

Ao afirmar que do fato jurídico pode ou não surgir eficácia jurídica, PONTES quer dizer que o fato pode entrar no mundo do direito – sendo, assim, fato jurídico – mas pode não gerar os efeitos previstos na norma. Isto porque o fato da incidência se dá quando o suporte fático é suficiente, ou seja, quando ocorrem aqueles fatos essenciais à incidência e o fato ingressa no plano da existência. Desta forma, apesar de ingressar no plano da existência, pode o fato jurídico alcançar ou não o plano da eficácia, que é o plano da geração de efeitos.

Ocorrendo os fatos previstos pela norma como essenciais à sua incidência, tem-se que ocorreu o suporte fático suficiente e, destarte, a norma incide. O fenômeno da juridicização ocorre neste momento, com a incidência da norma que transforma a parte relevante do fato que ocorreu concretamente em fato jurídico. Somente ultrapassado este momento lógico é que se pode falar em efeitos jurídicos, entre os quais, a relação jurídica.

"É preciso, portanto, considerar que há a eficácia da norma jurídica (chamada eficácia legal), de que resulta o fato jurídico, e a eficácia jurídica, que decorre do fato jurídico já existente. Não é possível, destarte, falar de eficácia jurídica (direitos, deveres e demais categorias eficaciais) antes de ocorrida a eficácia legal". (MELLO, 1995, p. 57)

Assim, após a sua entrada no mundo do direito o fato jurídico é apto a gerar efeitos (já que a passagem pelo plano da validade não é característica de todos os fatos jurídicos, como também não é requisito para geração de efeitos, como se vê dos fatos jurídicos nulos que geram efeitos, como o casamento putativo).


3. A RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL

O plano da geração de efeitos é o plano da eficácia. Os fatos jurídicos, após entrarem no mundo do direito estão aptos a gerar efeitos, e o efeito "pode ser meramente qualificador de fatos, de atos, de coisas ou de pessoas" (VILANOVA, 2000, P. 119), mas o fato jurídico pode ter também "eficácia completa [...] de acordo com a conveniência do sistema".(MELLO, 1995, p. 145).

Se o fato jurídico irá gerar tal ou qual efeito não há como se constatar de forma apriorística. O conteúdo da relação jurídica que será efeito do fato jurídico está previsto no conseqüente da norma que incidiu e jurisdicizou o fato, transformando-o em fato jurídico Assim, "A comunidade jurídica tem liberdade de estabelecer o que deve ser a eficácia do fato jurídico" (MELLO, 1995, p. 146).

Neste sentido, o efeito do fato jurídico poderá ser apenas uma qualificação jurídica, que diz respeito a apenas um sujeito de direito, ou também uma relação entre dois sujeitos, ou seja, entre entes capazes de ter direitos, pretensões e ações. É aí que surge o conceito de relação jurídica.

Segundo VILANOVA a relação jurídica "É a expressão lógica da alteridade, da intersubjetividade, do estar entre outros, ligado pela normatividade jurídica" (2000, p. 166). No entender do autor, todo e qualquer efeito jurídico será marcado pela intersubjetividade e, portanto, sempre será uma relação jurídica: "Onde haja direito incidindo em fatos sociais [...] aí está a relação jurídica [...]" (VILANOVA, 1997, p.66).

Contudo, há que se fazer uma importante diferença entre a eficácia que envolve dois ou mais sujeitos, e aquela que – apesar da intersubjetividade atinente ao direito como um todo – somente diz respeito a um sujeito de direito em particular. Segundo MELLO (1995, p.147), existem vários tipos de categorias eficaciais, que se classificam pelos efeitos que são irradiados pelos fatos jurídicos.

Inicialmente, cabe destacar que todo e qualquer fato jurídico que entre no mundo do direito gera um mínimo de eficácia que se pode chamar de situação jurídica básica. A partir daí, de acordo com cada fato jurídico, temos as categorias de eficácia que podem ser as situações jurídicas simples – que são aquelas que dizem respeito a uma única esfera jurídica, como as qualificações jurídicas; e situações jurídicas complexas – que se subdividem em unilateral e multilateral.

A situação jurídica complexa unilateral é aquela que, mesmo tendo a intersubjetividade a si inerente, seus efeitos vinculativos se referem a uma única esfera jurídica, como no caso da oferta revogável, que põe o sujeito em uma situação jurídica que vincula somente a si, mas que, apesar disso, requer um relacionamento intersubjetivo que pode ou não ocorrer. A oferta pode ser revogada antes da aceitação, pelo que se resolverá sem atingir esfera de outrem. (1)

Há, contudo, situações jurídicas que envolvem, necessariamente uma relação de correspectividade entre sujeitos. Somente aqui, segundo MELLO (1995, p. 153) há relação jurídica:

Há relação jurídica (= situação jurídica complexa multilateral) quando a situação jurídica exige, para existir, em caráter de essencialidade, que haja intersubjetividade jurídica, ou isto é, relacionamento ao menos entre dois sujeitos de direito (S1 ↔ S2), que implique correspectividade de direito ↔ dever e das demais categorias eficaciais que constituem o seu conteúdo típico.

Percebe-se, conseqüentemente, que, somente quando há situação que envolva dois sujeitos em relação que implique correspectividade de direitos e obrigações, é que há relação jurídica. (2) Deste modo, tem-se as categorias eficaciais que integram a relação jurídica, quais sejam: direito ↔ dever; pretensão ↔ obrigação; ação ↔ situação do acionado; exceção ↔ situação de exceptuado. (MELLO, 1995, p. 153).

A relação jurídica, segundo MELLO (1995, p. 149), é somente aquela situação eficacial em que se encontram dois sujeitos com direitos e deveres correspectivos. Os outros tipos de situação eficacial são necessariamente intersubjetivos – pois esta é característica própria do direito – porém, não têm o conteúdo eficacial de uma relação entre dois sujeitos com direitos e deveres correspectivos:

Quando, porém, dizemos que há uma situação jurídica unissubjetiva, não queremos excluir a necessária interferência intersubjetiva da conduta que é inerente ao direito. A conduta para ser considerada jurídica não pode prescindir da posição do homem diante de outro homem ou da comunidade. A unissubjetividade a que nos referimos tem caráter apenas eficacial, o que significa dizer que os efeitos não decorrem de uma relação jurídica específica entre dois sujeitos de direito, ou melhor, não constituem conteúdo de uma relação jurídica.

É justamente o que VILANOVA (2000, p. 188) chama de relação jurídica em sentido amplo, distinguindo-a da relação jurídica em sentido estrito, que é aquela a que se refere MELLO como sendo, efetivamente, uma relação jurídica. O importante, todavia, é identificar as diferentes situações eficaciais existentes e saber distinguí-las, seja ela chamada de relação jurídica em sentido escrito ou relação jurídica propriamente dita.


4. DIREITO SUBJETIVO, PRETENSÃO E AÇÃO MATERIAL:

Após a ocorrência, no mundo dos fatos, do suporte fático, conforme previsto em norma jurídica, esta incide, transformando o suporte fático em fato jurídico. A eficácia deste fato jurídico pode ser, como visto, relativa a um sujeito apenas (qualificações jurídicas); relativa a mais de um sujeito, mas com vinculação de apenas um deles (oferta revogável); ou relativa a dois sujeitos com correspectividade de direitos e deveres.

Neste último caso é que temos as relações jurídicas, nas quais ao direito de um sujeito, corresponde um dever do outro. Aqui, há o que se chama de direito subjetivo, noção que só pode ser alcançada após a análise do conceito de fato jurídico, segundo nos diz VILANOVA (2000, p. 219):

Inexiste direito subjetivo sem norma incidente sobre fato do homem, ou sobre o homem como fato: sobre seu mero existir ou sobre conduta sua. O direito subjetivo é efeito de fato jurídico, ou fato que se juridicizou: situa-se no lado da relação, que é efeito. Isto quer nos direitos subjetivos absolutos, privados ou públicos, quer nos direitos subjetivos relativos.

O direito subjetivo é, por conseguinte, aquilo que resulta da incidência da norma com a formação do fato jurídico, que deixa um sujeito em relação de vantagem quanto a outro sujeito que, de forma correspectiva, tem um dever subjetivo. Normalmente, há, no conteúdo eficacial da relação jurídica, além do direito, a pretensão de um sujeito, que corresponde à obrigação do outro. (3)

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A pretensão "nasce a partir do momento em que alguém, titular de um direito subjetivo, está autorizado por lei a exigir de outrem a satisfação de um interesse protegido[...]" (DANTAS, 1997, p. 27). Pretensão quer dizer, portanto, exigibilidade. Direito sem pretensão é direito inexigível. "Pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa" (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 52).

Se não se cumpre a obrigação – correspectiva da pretensão – nasce para o sujeito ativo a ação de direito material, que está no conteúdo da relação jurídica e é a forma pela qual a pretensão é imposta. A ação de direito material é parte do conteúdo eficacial da relação jurídica e corresponde à impositividade da pretensão.

Necessário se faz, portanto, distinguir a ação material do que se chama comumente de "direito de ação" referindo-se, geralmente, ao direito que tem o cidadão de buscar o Estado-Juiz para que tutele sua pretensão material.


5. A PRETENSÃO À TUTELA JURÍDICA

Na verdade ação é a de direito material, conteúdo da relação jurídica material, que não se confunde com a pretensão à tutela jurídica, no dizer de PONTES DE MIRANDA (1999, p. 61):

Outro erro enorme – e esse de James Goldshmidt – é o de se pensar que o direito judicial material substitui a ação ao direito subjetivo. Direito subjetivo, pretensão e ação pertencem ao direito material; não se confundem com a pretensão à tutela jurídica. Não há ação do direito judicial material, porque a pretensão à tutela jurídica é que, exercendo-se, introduz no plano processual a alegação do direito subjetivo, da pretensão a da ação (res in iudicium deducta).

Ao tratar de relação jurídica, PONTES DE MIRANDA (1999, p. 183) explica que a ação material é parte do próprio conteúdo da relação jurídica que se formou com a incidência da norma. Deste modo, com a pretensão violada, nasce a ação material que é conteúdo eficacial da relação jurídica já formada pela incidência da norma jurídica e que corresponde à possibilidade de impor a pretensão material.

A falta de rigor com que tais conceitos são tratados decorre do fato de que, nos ordenamentos modernos, a ação de direito material somente pode ser utilizada por meio dos órgãos estatais. A autotutela, como meio de satisfação da pretensão violada, foi extremamente limitada pelo nosso sistema jurídico. No caso do ordenamento brasileiro, cabe ao Poder Judiciário, em última instância, impor a pretensão através da força. Porém, segundo afirma PONTES DE MIRANDA (1972, p. 111): "A coerção jurídica nem sempre é judicial. Há, por exemplo, a compensação, que é jurídica, e não é, de regra, judicial: nela é evidente o fato de autosatisfação do credor".

Como se vê, restam ainda algumas situações em que se pode utilizar a ação de direito material, como no caso de resistência imediata para proteção da posse (deforço pessoal e imediato – art. 1210 do CCB), bem como nos casos de legítima defesa no direito penal e civil (art. 188, I do CCB e art. 23 II do CPB) e ainda o direito de greve (FREDERICO MARQUES, 1999, p. 05), entre outros casos. Vê-se, desta maneira, que não se pode confundir a verdadeira ação – que é a de direito material – com a pretensão à tutela jurídica.

Estas situações demonstram a diferença entre os conceitos, como bem notou LOURIVAL VILANOVA (2000, p. 191):

Na relação jurídica material (de direito privado ou de direito público) estão a pretensão e a correspectiva prestação. Sobretudo na relação de direito material privado. Ao direito subjetivo contrapõe-se o dever jurídico. O ficar o credor com o dinheiro do devedor para se pagar da dívida não é ato coativo que venha a reforçar a sanção ou o inadimplemento da obrigação. É ainda momento incluso na relação de direito material. Como o é a exigibilidade do cumprimento da prestação, com ou sem, ou contra a observância espontânea do sujeito obrigado. [...] Desde que o Estado-juiz chamou a si o monopólio da função jurisdicional, somente como exceção restrita se concede ao titular do direito a defesa (a autodefesa) dele de mão própria.

Percebe-se, assim, que a ação material não se confunde com o direito de ter, por parte do Estado, a prestação jurisdicional. A pretensão à tutela jurídica, não sendo conceito pertencente à relação jurídica material, decorre de incidência de outra norma jurídica. Segundo VILANOVA (2000, p. 188/189) seria a norma secundária que, incidindo quando há o não-cumprimento da obrigação, faz nascer para o sujeito ativo daquela relação jurídica o direito e a pretensão à tutela jurídica, que tem como sujeito passivo o Estado-Juiz.

Para este autor a norma jurídica se estrutura da seguinte maneira: Se é "A", deve ser "B" e, se não "B" deve ser "C", donde "A" é o suporte fático; "B" é o efeito que deverá ser gerado pela incidência da norma jurídica estabelecendo o que se chamou acima de eficácia jurídica, podendo resultar em uma relação jurídica onde um sujeito tem direitos e outro tem deveres correspectivos (relação jurídica material); "não B" é o pressuposto (suporte fático) da norma secundária. O "não B" significa o descumprimento da obrigação, correspectiva da pretensão que, em ocorrendo, dará ensejo à incidência da norma secundária que faz nascer o direito de o sujeito procurar o Estado-juiz para, através do mesmo, impor sua pretensão. Assim é que, o descumprimento da obrigação é suporte fático para incidência de outra norma jurídica – a norma sancionadora.

VILANOVA afirma ser a norma secundária oriunda do direito processual, aquela que faz nascer, com sua incidência, o direito do sujeito de procurar a tutela jurisdicional: "Ocorrendo o não cumprimento, dá-se o fato cujo efeito (por isso o não cumprimento é fato jurídico) é outra relação jurídica, na qual o sujeito ativo fica habilitado a exigir coativamente a prestação, objeto do dever jurídico" (2000, p. 192).

Surge aqui um questionamento importante, sobre a natureza jurídica deste direito que tem o sujeito, de procurar o Estado-juiz a fim de que seja imposta a sua pretensão violada. Afinal, seria este um direito autônomo, ou vinculado à relação jurídica material?

Da forma como se dá a narrativa de VILANOVA, dá-se a entender que o direito a se buscar o Estado-juiz seria decorrente da violação ao direito material, sendo, portanto, um direito vinculado à relação de direito material. Neste sentido, veja-se o que afirma FRANCISCO WILDO LACERDA DANTAS (1997, p. 28):

Insista-se em dizer que a ação de direito processual somente tem lugar quando resultou debalde o exercício da pretensão, que se limita a exigir e o da ação material, em que o titular exercita uma atividade, no campo do direito material. Permanecendo a resistência à pretensão, nasce o direito de ação processual, por isso se denomina este momento de actio nata, noção de grande importância para o manejo do processo.

Da citação acima, entende-se que o autor liga a pretensão à tutela jurídica à não-efetivação da obrigação correspectiva da pretensão material. Em sendo assim, só haveria pretensão à tutela jurídica se houver direito subjetivo violado. Esta concepção, porém, não resiste a um questionamento importante: no caso da "ação" que é julgada improcedente, pode-se considerar que houve pretensão à tutela jurídica? Se a "ação" é julgada improcedente, quer dizer que o sujeito não teve sua pretensão violada, ou seja, não há que se falar em sanção ao réu, que saiu vitorioso.

Em se considerando a pretensão à tutela jurídica como decorrente da violação à pretensão de direito material, não há como explicar o fato de que o cidadão, apesar de ter buscado o Estado-juiz, não teria direito à tutela jurídica, pois nenhum direito ou pretensão sua fora violado.

Esta foi a teoria de Savigny, segundo a qual a ação seria uma qualidade do direito material reagindo a uma violação. A teoria clássica, porém, não explicava um fenômeno comum, que é o julgamento de improcedência da ação (ALVIM, 1999, p. 145).

Em contraposição a esta teoria, surgiram manifestações como as de CHIOVENDA (2000, p. 89), que defendiam a autonomia do "direito de ação". Todavia, ainda assim vinculavam o final da demanda à existência ou não de ação:

"Chiovenda dizia mesmo que, acaso a ação fosse julgada improcedente, quem teria exercido o direito de agir teria sido o réu, o que absolutamente não condiz com a realidade, pois, mesmo tendo sido julgada improcedente, quem exerceu o direito de ação foi, sempre, o autor" (ALVIM, 1999. p. 146).

Na verdade, CHIOVENDA (2000, p. 89) vinculava o "direito de ação" às condições da ação, que seriam "[...] as condições necessárias apara obter um posicionamento favorável". Constata-se, todavia, que o "direito de ação", ou seja, o direito de buscar no Estado-juiz a tutela dos interesses, é algo que nasce, independentemente da relação material. Segundo PONTES DE MIRANDA:

O direito à tutela jurídica, com sua pretensão e o exercício dessa pelas ações é direito, no mais rigoroso e preciso dos sentidos; o Estado não é livre de prestar ou não, a prestação jurisdicional, que prometeu desde que chamou a si a tutela jurídica, a Justiça. [...] O Estado tem o dever correspondente a êsse (sic) direito, que é direito subjetivo e dotado de pretensão, um de cujos elementos é a "ação", o remédio jurídico processual (1972, p. 116).

Por isso, o que usa remédio processual exercita pretensão preexistente: além do direito de estar em juízo, a pretensão à tutela jurídica, conferida, conforme os tempos e lugares, ora a todos os que se acham no país, ora só aos domiciliados, ora so aos nacionais, ora a parte dos nacionais (1972, p. 236).

No nosso ordenamento jurídico, a Constituição prevê que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (CF, art. 5º, XXXV), deixando claro que a todos é garantido o acesso ao Estado-juiz para deduzir em juízo sua pretensão de direito material.

A pretensão à tutela jurídica, portanto, não tem vinculação com a violação ou não do direito material – o que explica a ação julgada improcedente como efetivo exercício de uma pretensão à tutela jurídica – o que resta evidenciado pela afirmação de VILANOVA (2000, p. 201): "Há a abstrata e potencial titularidade ativa processual do sujeito, como há a abstrata e potencial titularidade passiva do Estado, através de seu órgão-juiz da prestação de tutela jurisdicional". Percebe-se, por conseguinte, que VILANOVA, apesar de relacionar a pretensão à tutela jurídica à violação da pretensão material, considera que a pretensão à tutela jurídica é abstrata em relação ao direito material.

A pretensão à tutela jurídica é, portanto, de natureza pré-processual, sendo efeito da incidência da norma constitucional que coloca o sujeito de direito em uma situação ativa em relação ao órgão estatal. Contudo, se tal pretensão é exercida, tem-se configurado o pressuposto fático para a incidência das normas processuais, que darão ensejo à relação jurídica processual.

"O conteúdo e a finalidade da pretensão à tutela jurídica que é de direito público, consiste na obtenção da tutela jurídica. Dirige-se contra o Estado, quer exerça o autor, quer exerça o réu" (PONTES DE MIRANDA 1972, p. 116). Desta maneira, a pretensão à tutela jurídica não se exerce contra o sujeito passivo, mas sim contra o Estado-juiz, que tem a obrigação, correspectiva da pretensão, de prestar a tutela jurídica.

Identificam-se, pois, três momentos distintos: a relação jurídica material; a pretensão à tutela jurídica, que é resultado da incidência de normas de direito público sendo abstrata e independente da relação de direito material; e a relação jurídica processual que se forma com o exercício da pretensão à tutela jurídica, sendo, pois, a "manifestação de vontade que é justamente o exercício do direito subjetivo público de acionar" (VILANOVA, 2002, p. 201).

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Sobre o autor
Adrualdo de Lima Catão

Mestre e doutorando em Filosofia e Teoria do Direito pela UFPE, Especialista em Direito Processual pelo CESMAC/AL, Professor de Filosofia do Direito da Universidade Federal de Alagoas - UFAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CATÃO, Adrualdo Lima. Considerações acerca dos conceitos fundamentais da teoria geral do processo:: direito subjetivo, pretensão, ação material, pretensão à tutela jurídica e remédio jurídico processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3483. Acesso em: 26 abr. 2024.

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