6. CONCLUSÃO
A importância da constitucionalização de direitos é inegável, como no caso do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado como um direito fundamental, que impõe irradiações por todo o sistema jurídico brasileiro.
Como visto, o conteúdo desse direito fundamental parece trazer uma complexidade subjacente, cuja elucidação clama por diversas outras normas constitucionais, que apontam diferentes e concomitantes técnicas para a defesa do meio ambiente: direitos e deveres fundamentais, princípios, função ecológica da propriedade, objetivos públicos vinculantes, programas públicos abertos, instrumentos, biomas e áreas especialmente protegidas.
A realização das normas constitucionais ambientais mais relevantes, a partir de sua correta interpretação e aplicação, sobretudo, as relacionadas à compatibilização do desenvolvimento econômico com o ambiente ecologicamente equilibrado, considerando todos os desafios inerentes, sem dúvidas, contribuirão para a efetividade do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado.
Notas
[1] Como bem afirma Lenio Streck, citando Alfonso Garcia Figueroa: “O século XX foi generoso para com o direiro e filosofia. No direito, o segundo pós-guerra proporcionou a incorporação dos direitos de terceira dimensão ao rol dos direitos inidividuais (primeira dimensão) e sociais (segunda dimensão). Mas do que isso, ocorreu a institucionalização da moral no direito. (...) Na filosofia, o linguistic turn (invasão da filosofia pela linguagem) operou uma verdadeira revolução copernicana no campo da hermenêutica, possibilitando, assim, superar o pensamento metafísico que atravessou dois milênios, (...) na guinada pós-metafísica o sentido passa a se dar na linguagem e pela linguagem. É no interior dessas duas revoluções que o novo constitucionalismo supera o positivismo jurídico. Afinal, ´El constitucionalismo tradicional era sobre todo uma ideologia, uma teoria meramente normativa, mientras que El constitucionalismo actual se há convertido em uma teoría Del Derecho opuesta al positivismo jurídico como método`.” (Cfr. OLIVEIRA, Farlei Martins de; OLIVEIRA, Maria Lúcia de Paula; QUARESMA, Regina (Coords.). Neoconstitucionalismo. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, pp.333/334).
[2] “O constitucionalista não é um ingénuo leitor de constituições e das suas maravilhas. Tem de conhecer o sistema jurídico e o sistema político em que surgem. Tem de as conhecer na História e na vizinhança (comparatismo). E tem de fazer a devida arqueologia dos sentidos que lhe permita não apenas a compreensão do sentido das normas, mas o entendimento do espírito do sistema.” (Cfr. CUNHA, Paulo Ferreira da. Direito Constitucional Geral. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2006, p.109.)
[3]ALONSO Jr., Hamilton. Direito fundamental ao meio ambiente e ações coletivas, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.35.
[4] Paulo Bonavides apud ALONSO Jr., Hamilton , op.cit., p.35.
[5] Assim, bem afirma Antônio Herman Benjamin, no seu artigo Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira, acrescentando que o fenômeno se deve mesmo à crise ambiental: “O que causou essa intrigante, não obstante obscura, mudança de estrutura constitucional? Errará quem apostar em uma inovação de moda, por isso efêmera, destituída de bases objetivas e alheia a necessidades humanas latentes e prementes, que usualmente antecedem o desenho da norma. Dificilmente, na experiência comparada, encontram-se instâncias em que as transformações constitucionais de fundo sucedem por simples acidente de percurso ou capricho do destino. Aqui, sucede o mesmo, pois é a crise ambiental, acirrada após a Segunda Guerra, que libertará forças irresistíveis, verdadeiras correntes que levarão à ecologização da Constituição, nos anos 70 e seguintes.” (Cfr. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, 1ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.59.)
[6] Ibidem, pp.69-80.
[7] “Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
[8] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;”.
[9] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 13ª ed., revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2005, p.124.
[10] Na ordem constitucional ambiental portuguesa ocorre o mesmo, consoante ressalta a doutrina de Colaço Antunes, cuja reflexão jurídica pode ser aplicada à ordem constitucional ambiental brasileira:
“Segundo nós, o direito ao ambiente – como direito fundamental é ainda algo mais. É também fundamento e o novo modo de ser dos direitos fundamentais e, sobretudo, a medida e o limite dos direitos fundamentais de índole econômica (...). Impõe-se também, e esta é uma tarefa do intérprete, a construção de um Stufenbau dos valores e dos direitos reconhecidos constitucionalmente. A primariedade do valor ambiental não reside apenas na sua ontológica supremacia a respeito de outros bens jurídicos interferentes, reconhece-se também na necessidade de composição do próprio valor com outros de valor idêntico, afastando definitivamente uma teoria da petrificação (versteinrungstheorie) dos direitos fundamentais. Sustenta-se, assim, a necessidade de um itinerário que não ignore uma dimensão ecocêntrica do ambiente, o que vem a exigir uma reinterpretação dos direitos fundamentais que pressuponha sua contaminatio, mas agora a partir da primariedade dos valores socioambientais.” (Cfr. COLAÇO ANTUNES, Luís Filipe. Direito Público do Ambiente: Diagnose e Prognose da Tutela Processual da Paisagem. Coimbra: Almedina, 2008, p.87.)
[11] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ed., São Paulo: Saraiva, 2008, pp.205-207.
[12] Como bem aponta Canotilho, a categoria de fundamentalidade de que trata Alexy aponta para a especial dignidade de proteção dos direitos num sentido formal sob as seguintes dimensões: a) normas de direitos fundamentais são colocadas no grau superior da ordem jurídica, b) normas constitucionais encontram-se submetidas a procedimentos agravados de revisão, c) normas de direitos fundamentais constituem limites materiais da revisão constitucional, d) como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos são parâmetros materiais de escolhas, decisões, ações e controle de órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais. Ainda, a idéia de fundamentalidade material indica que o conteúdo dos direitos fundamentais constitui as estruturas básicas do Estado e da sociedade. (Cfr. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, pp.378/379)
[13] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 1ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.241.
[14] Ibidem, pp.255-256.
[15] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Op.cit., pp.104.
[16] Nesse sentido, ressalta Antônio Herman Benjamin: “Sejam direitos, obrigações e princípios, sejam objetivos, programas públicos e instrumentos de implementação, o certo é que a norma constitucional busca regular ora o uso dos macrobens e microbens ambientais (água, fauna, flora, solo, ar, florestas), ora as atividades humanas propriamente ditas, que afetam ou podem afetar o meio ambiente (bioetcnologia, mineração, energia nuclear, caça, agricultura, turismo, construção civil). Mas, ao fazê-lo, nem sempre a Constituição alcança, como seria desejado, tal desiderato. No caso da Constituição brasileira de 1988, vê-se facilmente que o legislador inclinou-se por um desenho constitucional pluriinstrumental, rico em possibilidades dogmáticas e práticas, embora heterogênea na perspectiva de valor no plano da eficácia. Como corretamente indica Eros Roberto Grau, a Constituição, nos moldes em que está posta, “dá vigorosa resposta às correntes que propõem a exploração predatória dos recursos naturais, abroqueladas sobre o argumento, obscurantista, segundo o qual as preocupações com a defesa do meio ambiente envolvem proposta de retorno à barbárie” (Ibidem, pp.82-83).
[17] “§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
[18] Op.cit., pp.53-101.
[19] Direito ambiental, 6ed., Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2002, pp.30-42.
[20] Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, 3ª ed.rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp.136-153.