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Arquivamento da investigação preliminar

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito e natureza jurídica; 3. Sujeito ativo do arquivamento; 4. Requerimento; 5. Esclarecimentos e indagações em torno do artigo 28 do CPP; 6. Efeitos; 7. Motivos; 8. Recursos; 9. Trancamento.


1.Introdução –

A ação penal pública incondicionada é regida por vários princípios: oficialidade, indivisibilidade, indisponibilidade e legalidade (ou obrigatoriedade), sujeitando-se, também, aos mesmos princípios a ação penal pública condicionada, uma vez satisfeita a sua condição de procedibilidade, qual seja, a representação do ofendido.

No que concerne especificamente ao princípio da obrigatoriedade, este, via de regra, impõe a promoção da ação penal, sem que isso, no entanto, signifique que o Ministério Público deverá sempre promovê-la.

Entrementes, como não nos deixa olvidar o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [1], deverá o Ministério Público, por força do mesmo princípio, fundamentar o pedido de arquivamento, mostrando as razões de seu proceder. Se, porventura, o Juiz discordar do pedido de arquivamento, remeterá o inquérito (ou, conforme a situação, as peças de informação ou a representação) ao Procurador-Geral de Justiça, a fim de submetê-lo à sua apreciação. Se o Procurador entender que a razão estava com o Promotor, insistirá no pedido de arquivamento, ficando o Juiz obrigado a atender o pedido; será arquivado, então, o inquérito, ou a peça de informação ou a representação. Entretanto, se o Procurador-Geral de Justiça julgar o Promotor falto de razões, ou seja, achar que não havia motivo para ser requerido o arquivamento, o próprio Procurador poderá oferecer a denúncia, ou, designar outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou, se assim julgar necessário, requerer diligências suplementares à autoridade policial (CPP, arts. 16 e 47). É a regra que se contém no artigo 28 do Código de Ritos:

"Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o Juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao Procurador-Geral, e este oferecerá denúncia, designará ou outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o Juiz obrigado a atender" (grifo nosso).

Como se depreende do artigo de lei acima transcrito, o texto legal impõe, desta forma, ao membro do Ministério Público o dever de fundamentar o seu pedido de arquivamento, já que o Juiz, exercendo a função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, irá considerar as razões invocadas por aquele.


2.Conceito e natureza jurídica –

Diante do código em vigor, o arquivamento é uma decisão judicial, segundo o Profº Afrânio Silva Jardim [2], que, acolhendo as razões do Ministério Público, encerra as investigações do fato delituoso.

O arquivamento é um ato jurídico complexo, através do qual o Ministério Público requer ao Estado-Juiz que sejam arquivados os autos da investigação preliminar.

Trata-se de ato jurídico complexo [3][4], pois é produto da manifestação de dois órgãos estatais distintos: o Ministério Público, presentado pelo Promotor de Justiça, e o Estado-Juiz, representado pelo magistrado de direito.

No que tange à natureza jurídica da decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, há discussão na doutrina quanto à sua classificação.

Segundo a doutrina abalizada do Profº Afrânio Silva Jardim [5], a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial tem natureza de decisão judicial, porque oriunda do Poder Judiciário, em outras palavras, de decisão administrativa em sentido lato, uma vez que não se trata de despacho, como pode fazer crer uma leitura apressada do dispositivo legal (CPP, art. 28), nem de sentença, já que, neste momento da persecutio criminis, não há nem processo, nem jurisdição.

Contudo, segundo Fernando Capez [6] e o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [7], que ao comentarem a natureza jurídica de tal decisão não fundamentam seu entendimento, a aludida decisão tem natureza de despacho judicial de expediente (CPP, art. 800, III).

Não obstante a imprecisão técnica do atual Código de Processo Penal, como salienta o Profº Afrânio Silva Jardim [8], a decisão de arquivamento do inquérito policial passa a ser do Procurador-Geral quando o Juiz, fiscalizando o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, remete-lhe os autos do inquérito ou das peças de informação, conforme o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal e em obediência ao princípio da devolução [9].

Nesse caso, então, se Procurador-Geral de Justiça determinar, dentre as diversas possibilidades de decisão, que os autos do inquérito devem ser arquivados, ao Juiz não fica nenhuma margem de escolha, nada lhe restando senão determinar ao escrivão que arquive os autos (mero ato material de colocar alguma coisa guardada no lugar próprio: arquivo). Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal do Estado do Mato Grosso do Sul:

"ARQUIVAMENTO OBRIGATÓRIO PELO JUIZ (TJMS): Torna-se obrigatório o arquivamento do inquérito policial requerido pelo Ministério Público de 1º grau e ratificado pelo Procurador-Geral de Justiça (RT, 681380)".

Nessas circunstâncias, como destaca ainda o Profº Afrânio Silva Jardim [10], o Procurador-Geral de Justiça, na essência, não requer nada, mas decide, sopesando os argumentos do Promotor de Justiça, pela cessação das investigações, vale dizer, pelo arquivamento do inquérito policial.

A tal respeito, como dá conta o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [11], o eminente jurista Câmara Leal, ao analisar o artigo 28 do Código de Processo Penal, sustenta, veementemente, que esse dispositivo á inconstitucional, visto que confere ao Procurador-Geral de Justiça uma atribuição judiciária, violando, assim, uma das prerrogativas judiciárias, qual seja, a de que somente ao juiz cabe decidir o processo, sendo esse, também, o posicionamento de Angrisai Dória, ainda segundo o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [12].

Todavia, como salienta o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [13], o ato do Procurador-Geral de Justiça que insiste na promoção de arquivamento é ato normal do dominus litis, qual seja, do Ministério Público, não constituindo, de maneira alguma, invasão da esfera de poderes conferidos ao Juiz.

Convém assinalar, ainda, que a decisão de arquivamento determinada pelo Procurador-Geral de Justiça, trata-se, na verdade, de uma decisão material e subjetivamente administrativa, de natureza complexa, como também assevera o Profº Afrânio Silva Jardim [14].

Nesse sentido, então, como sustenta ainda o mesmo professor [15], afigura-se aplicável à decisão de arquivamento toda a teoria sobre a existência e validade dos atos administrativos em geral, além de que, tratando-se de ato regrado, como é, todos os seus elementos devem ter rígida disciplina legal, ou seja, devem obedecer os requisitos do ato administrativo, quais sejam, a competência (atribuição), a forma (procedimento), o objeto, a finalidade e o motivo [16].

Por outro lado, releva notar, ainda, que a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, não faz coisa julgada, pois como ressalta o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [17], o próprio artigo 18 do Código de Processo Penal, ao estabelecer a cláusula rebus sic stantibus, viabilizando, assim, que a autoridade policial possa proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia, estabeleceu, de forma, clara, que a decisão de arquivamento não faz coisa julgada, até porque, não se pode falar em coisa julgada se nem processo há ainda.

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Em sentido contrário posiciona-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se vê no julgado abaixo:

"EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA PARA A PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR. DECISÃO QUE DETERMINA ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO. COISA JULGADA: RESSALVA CONTIDA NA PARTE FINAL DA SÚMULA 524. 1. Transita em julgado a decisão do Juiz que, a requerimento do Promotor de Justiça, determina o arquivamento de inquérito; entretanto, o inquérito pode ser desarquivado e iniciada a ação penal quando surgirem novas provas, a teor do que dispõe a parte final da Súmula 524 (CPP, art. 18). 2. Desarquivado o inquérito por dois fundamentos distintos e afastado um deles, o outro é suficiente para validar o prosseguimento da ação penal. 3. Ressalva de que os fatos subjacentes e os que se encontram sub judice na instância a quo, relativos à determinação da competência para processar e julgar o paciente e que não foram submetidos a esta Corte na impetração, não sofrem influência desta decisão".


3. Sujeito ativo do arquivamento –

Inicialmente, convém pontuar que a autoridade policial, como determina expressamente o artigo 17 do Código de Processo Penal, não poderá arquivar o inquérito, ou, melhor, dizendo, não poderá decidir pelo arquivamento. Tal proibição, aliás, é extensiva às peças de informação, consoante se depreende da redação do artigo 28 do mesmo diploma legal.

Desta forma, em face do disposto no mencionado artigo 28, a atribuição para decidir pelo arquivamento é do Juiz. E, este, caso discorde do pronunciamento do Promotor, na sua fiscalização anômala do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, deverá remeter os autos do inquérito para o Procurador-Geral de Justiça, ao qual caberá a decisão de arquivamento.

Note-se, entretanto, que tanto o Juiz como o Procurador-Geral terão que se manifestar diante de requerimento do órgão de execução do Ministério Público (Promotoria de Justiça). É vedado, pois, ao Juiz arquivar o inquérito ou peças de informação de ofício, bem como também, segundo o Profº Afrânio Silva Jardim, o Procurador-Geral não pode subtrair a formulação da opinio delicti do Promotor, a não ser que tenha avocado as suas atribuições (segundo a doutrina administrativista [18] moderna, a avocação é instituto, cada vez mais, em desuso e condenável) ou que se trata de crime de competência originária dos tribunais (Lei nº8.038/90).

Com efeito, vale transcrever o entendimento do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo a respeito do arquivamento de ofício por iniciativa do Juiz:

"ARQUIVAMENTO PELO JUIZ (TACrimSP): O inquérito policial, embora simples informatio delicti, não pode ser arquivado de ofício pelo Juiz, pois é peça que interessa precisa e exclusivamente ao Órgão de acusação" (RT, 464/401).

Contudo, mesmo nestes casos, o arquivamento deverá ser decidido perante Juiz ou Tribunal, sendo esta a lição do Profº Afrânio Silva Jardim [19], que cita, para dar base a sua argumentação, os artigos 227, §4º e 228 do Projeto do Novo Código de Processo Penal.

Lamentavelmente, o atual Código de Processo Penal não disciplina a relevante questão da atribuição dos órgãos do Ministério Público, hoje entendida como pressuposto de validade da relação processual penal [20].

Da mesma forma que se exige um "Promotor Legal" (com atribuição), para o oferecimento da denúncia, também se o exige para o requerimento de arquivamento, que pressupõe a impossibilidade de exercitar a ação penal. Observe-se que também o Juiz há de ter atribuição (não competência), como acentua o Profº Afrânio Silva Jardim, para decidir pelo arquivamento, a qual ficaria subtraída se o Procurador-Geral pudesse arquivar o inquérito ou peças de informação intra corporis, de ofício.

Dito isto, convém assinalar, então, que o arquivamento poderá ser requerido pelas seguintes pessoas, são elas: a) o Ministério Público – de forma explícita ou, segundo alguns doutrinadores [21], implícita, manifestando sua opnio delicti de forma imparcial, se não encontrar elementos suficientes para fundamentar a denúncia; b) o ofendido, seu representante ou as pessoas elencadas no art. 31 do Código de Processo Penal, para uma parte da doutrina [22], no caso da ação de iniciativa privada. Tal conduta implicará em renúncia ao direito de queixa (CPP, art. 10, parágrafo único).

Releva notar, ainda, que, tratando-se de arquivamento de representação de ofendido dirigida ao Ministério Público, necessário será que haja decisão judicial, mediante provocação do Parquet. Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"AUSÊNCIA DE DESPACHO DE ARQUIVAMENTO. AÇÃO PRIVADA SUBSIDIÁRIA (STF): O arquivamento de representação de ofendido dirigida ao Ministério Público depende de decisão judicial a seu requerimento (do Ministério Público). Sem essa decisão judicial, o arquivamento (não judiciário) caracteriza falta de denúncia no prazo legal e legitima o ofendido ao oferecimento de queixa-crime. (ação penal privada subsidiária) (RT, 609/420)".

Por fim, quando o Ministério Público, não tendo ficado inerte, requer, no prazo legal (CPP, art. 46), o arquivamento do inquérito ou da representação, não cabe a ação penal subsidiária (CF, art.5º, LIX; CPP, art. 29). Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF): RT, 653/389.


4. Requerimento –

4.1. Explícito –

O membro do Ministério Público, ao invés de oferecer denúncia quanto a um fato que tenha sido objeto das investigações, ou quanto a um sujeito apontado no inquérito como provável autor da infração, requer, fundamentadamente, ao juiz, que este determine o encerramento ou sobrestamento das investigações e a guarda dos autos em cartório.

Diante disso, restam ao juiz duas decisões: a) ou concorda com o pedido e determina o arquivamento, b) ou discorda das razões invocadas e, velando pelo princípio da obrigatoriedade, remete os autos ao Procurador-Geral de Justiça (art. 28 do CPP) ou ao Colégio de Procuradores (quando o arquivamento é promovido pelo procurador geral – art. 12, XI da Lei nº8625/93), oportunidade em que será, ou ratificada a promoção de arquivamento, ou oferecida a denúncia pelo próprio Procurador, ou designado algum Promotor para que ofereça denúncia, ou determinada novas diligências.

Por fim, observe-se que a não apreciação do pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público enseja nulidade do processo a partir do momento em que deveria ser considerado pelo Juiz. Nesse sentido: RT 740/627.

4.2. Implícito –

Segundo o magistério do professor Afrânio Silva Jardim [23], entende-se por arquivamento implícito o fenômeno de ordem processual decorrente de o titular da ação penal deixar de incluir na denúncia algum fato investigado ou algum dos indiciados, sem expressa manifestação ou justificação deste procedimento. Este arquivamento se consuma quando o Juiz não se pronuncia na forma do art. 28 com relação ao que foi omitido na peça acusatória, sendo, por isso, então, melhor falar em arquivamento tácito.

Contudo, para o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [24], a rigor, não se deve aplicar em tal situação o artigo 28 do Código Procedimental, visto que esse dispositivo alude à circunstância de o Juiz discordar das razões invocadas pelo Ministério Público. Logo, para o aludido professor, deve se exigir que o Promotor apresente suas razões de arquivamento, pois, do contrário, tomando-se o texto da lei na sua expressão literal, não se poderá aplicar o artigo 28 do Código de Ritos.

Note-se que o arquivamento implícito também ocorre quando o Ministério Público se pronuncia pelo arquivamento integral, embora se refira apenas a um destes fatos apurados, alegando não ser caso de oferecer denúncia. Se o Juiz acolher tal requerimento e, igualmente, omitir na sua decisão aqueles outros fatos, teremos implicitamente arquivadas, ou melhor, cessadas, todas as investigações. Na espécie, temos arquivamento implícito em conseqüência de arquivamento expresso, porém lacunoso.

Vê-se, assim, que o arquivamento implícito tem duplo aspecto. Objetivo, quando abrange fatos investigados não considerados na decisão. Subjetivo, quando a omissão se referir a um ou mais indiciados.

Por outro lado, insta assinalar que sendo o aditamento da denúncia um das formas de desarquivamento do inquérito policial ou das peças de informação, faz-se necessário melhor estudá-lo, para que melhor se compreendam suas conseqüências e seus possíveis laços com o arquivamento implícito.

A propósito, salienta o Profº Afrânio Silva Jardim [25] que, em face da Súmula nº524 do Supremo Tribunal Federal, e, tendo em vista que o aditamento à denúncia pode importar em um desarquivamento do que estava implicitamente arquivado, exigem-se novas provas para validamente fazer-se tal aditamento, muito embora na prática do foro a questão também não tenha sido devidamente percebida.

Constata-se que esta figura anômala, gerada pela deficiência do código no tratamento do arquivamento, será sempre uma conseqüência da omissão do Promotor e do Juiz. O primeiro promove determinada ação penal, excluindo fatos penalmente relevantes ou sujeitos (indiciados), ou requer arquivamento igualmente lacunoso, não esclarecendo porque assim o faz. O segundo, ao prolatar a sua decisão de recebimento ou de arquivamento, tacitamente concorda com a exclusão feita pelo titular da ação penal ou com a extensão ampla do arquivamento, pois não se pronuncia na forma do citado artigo 28 sobre aquilo que ficou omitido.

Assim, segundo o Profº Afrânio Silva Jardim [26], mister seria existir uma regra expressa determinando que haja pronunciamento preciso sobre todos os fatos noticiados no inquérito ou peças de informação, seja quando do oferecimento da denúncia, seja quando do requerimento do arquivamento. Também assim, ainda segundo o professor, dever-se-ia determinar com relação à situação de todos os indiciados.

Entretanto, havendo sempre a possibilidade de tal dispositivo ser descumprido na prática, não restando dúvida de que o instituto do arquivamento implícito é artificial e danoso à defesa social, outra regra jurídica deveria explicitar que os efeitos do arquivamento somente se fariam sentir em relação ao que ficou expressamente arquivado. Nesse sentido é a lição do Profº Afrânio da Silva Jardim [27].

Com isso, como acentua o Profº Afrânio da Silva Jardim [28], ficaria banido de nosso ordenamento jurídico um arquivamento que não foi pedido, vez que uma omissão voluntária não pode ser entendida como algo positivamente desejado. O arquivamento implícito, tal como hoje vem sendo concebido, ainda de acordo com o citado professor, é uma figura artificial, que não condiz com a realidade das coisas.

É intuitivo que a importância do arquivamento implícito está diretamente ligada aos seus efeitos, com as suas conseqüências práticas. Veja-se o disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal, ampliado pela Súmula nº524 do Supremo Tribunal Federal.

Vê-se, portanto, que tanto o atual Código de Processo Penal quanto o Projeto de um Novo Código de Ritos (Proj. do CPP, art. 233) são, como destaca o Profº Afrânio Silva Jardim [29], omissos quanto uma regulamentação específica acerca do arquivamento implícito. Vale dizer, nem vedam totalmente, nem permitem expressamente.

Nesse sentido, aliás, lembra o aludido professor [30] que esta lacuna legislativa não ficou minimizada com as regras constantes do artigo 233, inciso I, do Projeto, as quais permitem ou determinam o aditamento da denúncia para inclusão de "circunstâncias de fato não contida na denúncia e que configure crime diverso" e de "crime relacionado ao descrito na denúncia pela conexão ou continência".

Na verdade, tal aditamento somente poderá ser validamente feito, diz o mencionado Projeto, quando a prova destes fatos surja após a apresentação da demanda, ou, para usar a expressão do Projeto, quando "apurada a instrução da causa". Vale destacar, o aditamento exigirá "novas provas".

Apenas tal requisito (prova surgida durante a instrução) parece não ser imposto para o aditamento de inclusão de outros acusados, conforme se vê no incido III, do artigo 233, do Projeto. Diante dessa regra, razoável seria entender-se, como lembra o Profº Afrânio Silva Jardim [31], que é impossível o arquivamento implícito no "aspecto subjetivo".

Todavia, se assim fosse, como aditar uma denúncia para incluir na acusação um indiciado sem lhe imputar a prática de uma conduta, ainda que de mera participação? Desta forma, como assevera ainda o citado professor [32], a resposta à indagação feita encontra-se no inciso primeiro, do artigo 233, do Projeto, o qual, como já foi salientado, condiciona o aditamento a novas provas surgidas no curso da instrução da causa.

Além disto, como observa, ainda, o Profº Afrânio Silva Jardim [33], importa colocar em relevo que estas regras sobre aditamento somente poderiam resolver o problema do arquivamento decorrente de fato ou sujeito excluído da acusação penal. Quando o arquivamento implícito for conseqüência de decisão de arquivamento sobre outro fato investigado no mesmo inquérito, tais normas sobre aditamento nenhum préstimo terão, porque não haverá denúncia para ser aditada.

Por fim, cabe, ainda, fazermos duas indagações: a) somente existiria arquivamento implícito se o excluído da denúncia fosse um dos investigados? b) qual o ato formal que daria a uma pessoa investigada a qualidade de indiciado?

Quem dar a resposta para as duas questões é o Profº Hélio Bastos Tornaghi, nos termos a seguir transcritos:

"Se vários são os indiciados, o arquivamento em relação a um (ou uns) decorre automaticamente do fato de não ser ele denunciado. Neste caso, não denunciar é o mesmo que arquivar. A exclusão da denúncia importa em arquivamento em relação ao excluído. Por outro lado, a dispensa da formalidade de qualificação e identificação datiloscópica não elide a condição de indiciado. As referidas providências destinam-se a individualizar o indiciado para tornar certa a sua identidade e possibilitar a obtenção de sua folha de antecedentes.

A autoridade policial que vislumbre a probabilidade de o indiciado vir a ser excluído da denúncia deve poupá-lo da identificação. Isso não altera a situação de indiciado, até porque tal qualidade não exige nenhum ato formal. Ela decorre da consideração, prima facie, das provas colhidas e, mais especialmente, dos indícios.

Em relação ao indiciado, não há necessidade de qualquer ato declaratório ou constitutivo dessa qualidade; ele decorre das circunstâncias. Não é indiciado quem foi qualificado e identificado pelo processo datiloscópico, mas, ao reverso, pode ser feita a identificação de quem é indiciado.

Se o Promotor exclui da denúncia algum indiciado, cabe ao Juiz concordar com ele ou dele discordar, porque não denunciar é o mesmo que pedir o arquivamento em relação ao não denunciado. E, se o Juiz concorda com a exclusão, é porque também entende que há razões para excluir. Essas podem estar explícitas ou não o estarem por serem manifestas e resultarem da evidência do inquérito.

Por tudo isso, o Direito Brasileiro estabelece um sistema de controle pelo Juiz da denúncia (CPP, art. 43) e da não denúncia (CPP, art. 28). Se o Juiz concorda com o Promotor, surge a preclusão e a situação processual é inalterável sem novas provas (Súmula nº524 do STF)" [34].

Desta forma, como destaca o Profº Afrânio Silva Jardim [35], há de tomar partido o legislador do futuro acerca do arquivamento implícito, pois, ou acaba de uma vez por todas com este, restringindo os efeitos do arquivamento aos casos expressos no requerimento do Ministério Público, ou regula detalhadamente a sua ocorrência, seu objeto e efeitos.

Destarte, em face do princípio da obrigatoriedade, a promoção de arquivamento deve ser sempre devidamente fundamentada.

4.3. Tipos –

O arquivamento implícito pode ser de dois tipos: objetivo e subjetivo. Será objetivo quando a investigação preliminar apurar uma hipótese de concurso de crimes e o Ministério Público deixar de imputar uma das condutas sem motivar o porquê da omissão. Por outro lado, será subjetivo quando a investigação preliminar apontar um concurso de agentes e o Ministério Público deixar de denunciar um deles sem motivar o porquê da omissão.

4.4. Consumação –

Não basta a omissão do Ministério Público para que se verifique a consumação do arquivamento. É imprescindível que o Juiz também seja omisso.

Com efeito, ao analisar a denúncia e seu lastro probatório, o Juiz, verificando o lapso do Promotor de Justiça, terá duas opções: a) abre vista dos autos ao Promotor para que se manifeste sobre a omissão, ou b) invoca o artigo 28 do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça.

Em ambas as situações a omissão será sanada. Assim sendo, o efetivo controle por parte do Poder judiciário impede a consumação do arquivamento implícito.

Contudo, se o juiz também se omite e simplesmente recebe a denúncia lacunosa, resta consumado o arquivamento implícito. Portanto, para que haja arquivamento implícito, imprescindível será que aconteça uma dupla omissão, tanto por parte do Promotor de Justiça como por parte do Juiz.

4.5. Efeitos –

Consumado o arquivamento implícito, pode o Ministério Público aditar ou oferecer nova denúncia sem a presença de novas provas? Em outras palavras, incide ou não a súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal? A doutrina divide-se. Por um lado, há os que entendem aplicável a súmula nº 524 do Supremo tribunal Federal, como, por exemplo, o professor Paulo Rangel [36], que exige a presença de novas provas para o aditamento ou oferecimento de nova denúncia. No mesmo sentido é a opinião do Profº Afrânio Silva Jardim [37], que assevera que, caso não se respeite a imposição da súmula nº524 do STF, o Juiz deverá rejeitar a denúncia por falta de justa causa, valendo-se do art. 43, inciso III, do Código de Processo Penal.

Para outros doutrinadores, contudo, trata-se de postura equivocada, pois a súmula em tela refere-se apenas ao arquivamento explícito, único previsto no ordenamento pátrio. Além disso, conforme lição do professor Marcellus Lima [38], exigir-se novas provas em casos definidos como arquivamento, "seria uma burla ao princípio da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública..., vez que, por este raciocínio, o Ministério Público, ao detectar que se verificou o fenômeno do arquivamento implícito, tem o dever de aditar ou oferecer nova denúncia independente de novas provas, incluindo o fato ou agente esquecido".

Nesse sentido, aliás, acrescenta Serrano Neves, citado pelo ProfºFernando da Costa Tourinho Filho [39], que "se o Ministério Público, em casos tais, pode oferecer denúncia ou insistir no pedido de arquivamento (no caso do Procurador-Geral de Justiça que recebe os autos enviados pelo Juiz, onde não há novas provas), parece-nos lógico que possa, também o Promotor, por via de conseqüência, aditar a mesma denúncia ou oferecer outra sem haver necessidade de novas provas, ou seja, de ofício, a menos que esteja impedido de fazê-lo, por força de um óbice de procedibilidade, como, por exemplo, a extinção de punibilidade do fato".

Com efeito, se sem novas provas pode o Porcurador-Geral, em face da provocação do Juiz, oferecer a denúncia (contrariando requerimento de um Promotor de Justiça) ou insistir no seu pedido de arquivamento, por que, segundo o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [40], "charadística razão pode quando provocado e não pode de ofício? Não é exato que o mesmo motivo inspirador da provocação inspira a iniciativa do dominus litis?".

Contudo, o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é em sentido contrário, conforme se vê à vista da súmula nº524, compartilhando deste posicionamento os professores acima citados. A propósito, vale transcrever um pequeno trecho do acórdão da lavra do mencionado tribunal:

"Novas provas capazes de autorizar o início da ação penal, segundo a súmula nº524, serão somente aquelas que produzem alteração no panorama probatório dentro do qual fora concebido e acolhido o pedido de arquivamento. A nova prova há de ser substancialmente inovadora e não apenas formalmente nova prova" (RT, 91/831).

Todavia, para o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [41], tal súmula só tem aplicação quando o inquérito houver sido arquivado por falta de lastro probatório.

Sobre o autor
Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo

analista previdenciário do INSS, professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Católica do Salvador (UCSal) e da Faculdade Baiana de Ciências (FABAC), pós-graduando em Ciências Criminais pela Faculdade Jorge Amado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARJÃO DE AZEVEDO, Bernardo Montalvão. Arquivamento da investigação preliminar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3538. Acesso em: 23 dez. 2024.

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