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Arquivamento da investigação preliminar

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

6. Efeitos –

Os efeitos do arquivamento do inquérito policial são, dentre outros: a) a remessa dos autos ao arquivo do cartório; b) o enceramento das investigações, havendo, quanto a este efeito, quem discorde, em face do disposto no art.18 do CPP, como severa adiante; e c) a impossibilidade de ser oferecida nova denúncia ou aditamento sem o surgimento de novas provas (nesse sentido, Súmula 524 do STF).


7. Causas de arquivamento –

Inicialmente, convém ressaltar que só faz sentido estudar as causas e os casos de arquivamento nos sistemas processuais que adotem o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Naqueles ordenamentos em que vigora o princípio da oportunidade, como acontece, entre nós, na ação penal privada, não há que se falar em causas de arquivamento, vez que o titular da ação deixa de exercer a persecutio criminis in judutio ao seu mero alvedrio, com ou sem motivo expresso. Neste caso, poder-se-ia dizer que a causa de arquivamento é a própria vontade do titular da ação. Na verdade, como salienta o Profº Afrânio Silva Jardim [71], as questões do arquivamento e da obrigatoriedade da ação penal pública são as duas faces da mesma moeda.

O atual Código de Processo Penal carece de um artigo que diga expressamente quando o Ministério Público deve requerer o arquivamento e, a contrario sensu, quando deve apresentar a denúncia. Entretanto, o artigo 43 relaciona os casos em que o Juiz deve rejeitar a denúncia. Por via de conseqüência, nestas hipóteses previstas, a ação penal não deve ser proposta e o inquérito ou peças de informação devem ser arquivados. A fórmula genérica "faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal", do inciso III, aliás, reduz, ainda segundo o Profº Afrânio Silva Jardim [72], em muito a utilidade prática do referido dispositivo, embora se torne necessária para abranger a falta de "justa causa" e "a existência de novas provas" exigida pela súmula nº524 do Supremo Tribunal Federal.

Para o Profº Afrânio Silva Jardim [73], a justa causa funciona como uma verdadeira condição para o legítimo exercício do direito de ação penal. Levando em conta que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do acusado, o legislador exige do autor o preenchimento de mais esta condição para se invocar regularmente a tutela jurisdicional. Sublinhe-se, como quer ainda o citado professor, que as condições da ação são requisitos para o regular exercício desse direito e não condições para sua existência.

Assim, impõe-se que a denúncia venha acompanhada do inquérito policial ou das peças de informação, consoante depreende-se dos artigos 39, parágrafo 5º (quinto) e 46, parágrafo 1º (primeiro), todos do Código de Processo Penal em vigor.

Desta maneira, torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a sólida demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo, segundo o Profº Afrânio Silva Jardim [74], se relaciona com os indícios da autoria, existência material do fato típico e alguma prova da sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório, afirma o professor, é que se coloca o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Ressalte-se, entretanto, que uma coisa é constatar a existência de prova, outra coisa é valorá-la. É preciso deixar claro que a justa causa pressupõe um mínimo de lastro probatório no inquérito ou peças de informação. É necessário que haja alguma prova, ainda que leve. Agora, se esta prova é boa ou ruim, isto já é questão pertinente ao exame do mérito da pretensão do autor. Até porque as investigações policiais não se destinam a convencer o Juiz, mas apenas a viabilizar a ação penal.

Outra condição da ação penal seria a criada pela súmula nº524 do Supremo Tribunal Federal, caso a ação se arrime em inquérito anteriormente arquivado, por falta de base para a denúncia. A esse respeito, o professor Afrânio Silva Jardim [75] entende que tal jurisprudência sumulada nada mais é do que um outro enfoque do problema da justa causa. O raciocínio é o seguinte: se o inquérito foi arquivado porque as provas eram insuficientes pra justificar a acusação penal, por coerência lógica, não se poderá vim a formular denúncia, sem que o autor apresente novo quadro probatório.

Destarte, o arquivamento deverá ser requerido quando presente uma das hipóteses do artigo 43 do Código de Processo Penal, colocando-se a justa causa como uma das condições a que se refere genericamente o inciso III desse artigo.

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Até mesmo a ocorrência de um fato extintivo de punibilidade (CPP, art. 43, II) deve motivar o arquivamento do inquérito policial. A propósito, o Profº Afrânio Silva Jardim [76] considera impossível julgar onde não há processo ou jurisdição, prolatar sentença em procedimento administrativo investigatório. Assim, a extinção de punibilidade deve funcionar, ainda segundo o professor [77], como razões de decidir e não como objeto do decisum, uma vez que a decisão será sempre pelo arquivamento.

Tendo em vista que o conceito de justa causa no processo penal ainda não se encontra devidamente assimilado, bem assim a sua delimitação ou extensão, o Profº Afrânio Silva Jardim [78] sugere que seja inserido no Projeto do Novo Código de Processo Penal um dispositivo com a seguinte redação:

"Artigo:O inquérito policial e as peças de informação somente serão arquivados, na forma do art. 227, quando:

I – Após a realização de todas as diligências cabíveis, carecer o Ministério Público de prova da existência da infração penal ou de indícios suficientes de sua autoria;

II – Após a realização de todas as diligências cabíveis, restar manifestamente provado não haver infração penal, por ausência de um de seus elementos constitutivos;

III – Estiver evidentemente extinta a punibilidade;

IV – Faltar condição insuprível para o legítimo exercício da ação penal".

Ressalte-se, ainda, que, se, apesar de cabível, o arquivamento não for promovido, o juiz deverá rejeitar ou não receber a inicial acusatória. Se o juiz, não obstante, receber a inicial acusatória, poderá caber Habeas Corpus.


8. Recursos –

Contra a decisão que defere a promoção de arquivamento feita pelo Promotor não cabe recurso, salvo nas hipóteses em que se admite o recurso em sentido estrito, como lembra Fernando Capez [79], ou seja, quando o inquérito arquivado versa sobre contravenção penal prevista nos artigos 58 e 60 do Dec.-Lei nº 6259/44, ou sobre a contravenção do jogo do bicho (art. 6º, § único, Lei 1508/51). Além dos casos em que se admite recurso de ofício, quando o inquérito trata de crime contra a economia popular (Lei 1521/51) ou contra a saúde pública.

Ainda segundo Fernando Capez, o provimento do recurso não pode culminar com a expedição de uma ordem ao Promotor de Justiça que havia requerido o arquivamento, determinando que o mesmo ofereça, compulsoriamente, denúncia, pois, desta forma, restaria violado, pela via oblíqua, o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal.

Uma vez reformada a decisão de 1º (primeiro) grau, entendendo o Tribunal que não era o caso de arquivamento, qual deverá ser a providência adotada? Trata-se de questão que, inicialmente, despertou alguma discussão na doutrina. Vejamos, então, qual era.

Para o Profº José Frederico Marques, segundo nos dá conta o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [80], a "denúncia é obrigatória, devendo o Procurador-Geral, compulsoriamente, designar um outro Promotor de Justiça para oferecê-la".

Todavia, para o Profº Hélio Pereira Bicudo, também citado pelo Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [81], a decisão do Tribunal não vincula o Ministério Público, pois, caso contrário, esta acabaria por violar, pela via oblíqua, o princípio do ne procedat judex ex officio, que orienta o sistema acusatório.

A propósito, diante da argumentação do Profº Hélio Bicudo, informa ainda o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [82], que o Profº José Frederico Marques reviu seu posicionamento, passando a entender de igual maneira.

E, então, por que a lei, nesses casos, determina deva o Juiz submeter o despacho ou decisão administrativa em sentido lato (segundo o Profº Afrânio Silva Jardim [83]) que determinou o arquivamento à apreciação do Tribunal?

O legislador, decerto, quis exercer um maior controle sobre os despachos que determinam o arquivamento de inquéritos que versam sobre crimes contra a saúde pública e contra a economia popular. Desta forma, o recurso de ofício nada mais representa do que uma providência imposta pela lei, por motivo de ordem pública, quando se exige maior cautela na solução de determinados litígios.

Tecnicamente, não se trata de um verdadeiro recurso, mesmo porque o Juiz recorre da sua própria decisão, sem ser parte, sem ser vencido, sem ter interesse na reforma de seu ato, sendo, na verdade, como quer a Profª Ada Pellegrini Grinover [84], uma condição suspensiva dos efeitos do recurso.

Mas, quando o legislador quer e exige que os tribunais exerçam maior controle sobre certas decisões, impõe ao Juiz o dever de submetê-las à sua apreciação. Aliás, é o que ocorre nas decisões concessivas de habeas corpus, das absolvições sumárias (CPP, art. 574, inciso I e II; Súmula nº344 [85] do STF) e das que concederem reabilitação (CPP, art. 746).

Interposto, então, recurso de ofício, o Tribunal irá apreciar os atos do Promotor e do Juiz. Se entender não ser o caso de arquivamento, os autos do inquérito devem ser remetidos ao Chefe do Parquet, e este, então, segundo o Profº Fernando da Costa Tourinho Filho [86], nos termos do artigo 28 do Código de Ritos, dará a última palavra. Nesse sentido também é o entendimento de Fernando Capez [87].


9. Trancamento –

O trancamento do inquérito poderá ser feito por via de habeas corpus, nas seguintes hipóteses: a) evidente atipicidade do fato; b) evidente ilegitimidade passiva; c) evidente extinção de punibilidade; d) ausência de representação no caso de crime cuja ação penal é de iniciativa pública condicionada; e) ausência de requerimento, no caso de crime cuja ação penal é de iniciativa privada; f) ausência de justa causa (suporte probatório mínimo): a maior parte da doutrina e jurisprudência entende que, por envolver exame aprofundado de provas, não motiva a concessão do Habeas Corpus (STJ, 5ª T., rel. Min. Luiz Vivente Cernicchiaro, DJU, 18/12/1995, p.44624).

Por fim, ainda que fique provada a inexistência do fato ou que não se tenha apurado a autoria do ilícito penal, a autoridade policial não pode mandar arquivar o inquérito (art. 17 do CPP).


Notas

1. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 1, 20 ª ed., São Paulo, Saraiva, págs.400-401.

2. JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. Forense, 9ª ed., 2000, Rio de Janeiro, pp.166-167.

3. DE PIETRO, Maria Sílvia Zanella, Curso de Direito Adminitrativo, Atlas, São Paulo, 2002, p. 214.

4. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 2002, p. 378.

5. Ob. Cit. pp. 166-167.

6. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. Saraiva, 1998, pág.s. 88-89.

7. Ob. Cit. pp. 403-404.

8. Ob. Cit. pp. 166-167.

9. Tal princípio é expressamente mencionado por Fernando Capez, cf. ob.cit.p.88.

10. Ob. Cit. pp. 166-167.

11. Ob. Cit. p. 402.

12. Ob. Cit. p. 402.

13. Ob. Cit. p. 402.

14. Ob. Cit. pp. 166-167.

15. Ob. Cit. pp. 166-167.

16. Nesse sentido, veja-se a discussão no seio da doutrina administrativista acerca dos requisitos que constituem o ato administrativo. Note-se, desde já, que, a respeito de tal assunto, não há posicionamento doutrinário pacífico. A propósito da matéria, vem a calhar a consulta das obras de Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sílvia Zanella de Pietro.

17. Ob. Cit. p. 404.

18. Nesse sentido é a lição da Profª Maria Sílvia Zanella de Pietro.

19. Ob. cit. p. 167.

20. Nesse sentido é a lição do Profº Sérgio Demoro Hamilton. Veja-se, a respeito, o artigo, "Reflexos da falta de atribuição na instância penal", escrito pelo ilustre estudioso, publicado na Revista da Procuradoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro, 10/204.

21. Nesse sentido é a lição do Profº Fernando da Costa Tourinho Filho, p. 415.

22. Nesse sentido é a lição do Profº Fernando da Costa Tourinho Filho e Fernando Capez.

23. Ob. cit.. p. 170.

24. Ob. cit. p. 415.

25. Ob. cit. p. 170.

26. Ob. cit. p. 171.

27. Ob. Cit. p. 171.

28. Ob. Cit. p. 171.

29. Ob. Cit. pp. 171-172.

30. Ob. Cit. pp. 171-172.

31. Ob. Cit. pp. 171-172.

32. Ob. Cit. pp. 171-172.

33. Ob. cit. pp. 172.

34. TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1977, vol. 2º, pp. 340-345.

35. Ob. cit. pp. 172-173.

36. RANGEL,Paulo. Processo penal, 2001, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, p.128-130.

37. Ob. cit. pp. 172-173.

38. SPOLASTRI, Marcellus Lima, Lúmen Juris, Rio de Janeiro, pp. 198-203.

39. Ob. cit. pp. 404-405.

40. Ob. cit. P.405.

41. Ob. cit. p. 405.

42. Ob. cit. p. 401.

43. Ob. cit. pp. 345-349.

44. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal, Saraiva, 1999, São Paulo.

45. Ob. cit. p. 407.

46. ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. 1º, Editor Borsoi, Rio de janeiro, 1960. pp. 348-352.

47. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado.Atlas,, 2ª ed., 1994, p. 31.

48. JESUS, Damásio Evangelista. Código de Processo Penal interpretado, Saraiva, São Paulo, 2000, p. 485.

49. NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, São Paulo, Saraiva, 1996.

50. Ob. cit. p. 441.

51. Ob. cit. p. 345.

52. TOVO, Paulo Cláudio.Apontamento e guia prático sobre a denúncia no processo penal brasileiro, Porto Alegra, Sérgio Fabris, 1986.

53. BOSH, José Paganella. Processo penal, Porto Alegre, Aide, 1995.

54. Ob. cit. pp. 178-182.

55. Ob. cit. p. 406.

56. Ob. cit. p. 406.

57. Ob. cit. p. 410.

58. MARQUES, José Frederico. Elementos de Processo Penal, Bookseller, 1999, vol.2º, pp. 149-158.

59. GARCIA, Basileu, Comentário ao Código de Processo Penal, Rio, Forense, 1945, 3ºvol.

60. Ob. cit. p. 451-460

61. Ob. cit. p. 411-412.

62. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, Forense, Rio de Janeiro, 1999.

63. Ob. cit. p. 412.

64. Ob. cit. p. 412.

65. ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Rio, ed. Borsoi, 1976, vol. 3º, pp.185-192.

66. ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de, Processo Penal, ação e jurisdição, RT, São Paulo, 1975. p. 241.

67. Ob. cit. p. 363.

68. Ob. cit. p. 414.

69. Ob. cit. p. 415.

70. Ob. Cit. p. 486.

71. Ob. Cit. pp. 168.

72. Ob. Cit. pp. 168.

73. Ob. Cit. pp. 168.

74. Ob. Cit. pp. 169.

75. Ob. Cit. pp. 169.

76. Ob. Cit. pp. 169.

77. Ob. Cit. pp. 169.

78. Ob. Cit. pp. 169-170.

79. Ob. cit. p.88.

80. Ob. cit. p.408.

81. Ob. cit. p.408.

82. Ob. cit. p.408.

83. Ob. Cit. pp. 166-167.

84. GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antônio Magalhães e FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal.RT, São Paulo, 1998, 2ª ed., p.50.

85. Súmula nº344 – "Sentença de primeira instância, concessiva de habeas corpus em caso de crime praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, está sujeita a recurso ex officio".

86. Ob. cit. p.408.

87. Ob.cit. p.88.

Sobre o autor
Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo

analista previdenciário do INSS, professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Católica do Salvador (UCSal) e da Faculdade Baiana de Ciências (FABAC), pós-graduando em Ciências Criminais pela Faculdade Jorge Amado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARJÃO DE AZEVEDO, Bernardo Montalvão. Arquivamento da investigação preliminar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3538. Acesso em: 23 dez. 2024.

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