5. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Há uma unanimidade no direito penal de que a construção do princípio da culpabilidade, ao longo da história do próprio direito penal clássico, nas suas diversas concepções, como psicológica, normativa etc., numa evolução da teoria causal-naturalista para uma teoria finalista da ação, não satisfaz, ou não corresponde a identificação de uma legitimidade do poder punitivo estatal.
O principio da culpabilidade normativa, enfrenta suas maiores dificuldades no campo do direito penal tributário, ou ilícitos penais tributários, não nas suas modalidades praticadas por pessoas físicas, pois, se apresentam de fácil identificação, mas, nas previsões dirigidas às pessoas jurídicas. Pois, daí surge a indagação de a pessoa jurídica ser capaz de ação e de uma ação culpável? Ou a pessoa jurídica não tem capacidade de ação?
Pois, são de longa data os estudos (Alemanha) realizados acerca do relacionamento existente entre o Direito Penal e o Direito Penal Administrativo, também conhecido como Direito Administrativo Sancionador, e nos dias atuais, tal relacionamento se apresenta de fundamental importância diante do caráter autônomo que auferiu o Direito Penal Econômico. Numa questão de criminalização dos delitos econômicos em sentido estrito [74] (como, por exemplo, fiscal, contra a seguridade social, fraude, monetários, contrabando e descaminho, lavagem de capitais, evasão de divisas, meio ambiente etc), ou sua versão atenuada se constituindo como infrações administrativas, de maneira que entre o delito econômico e a infração administrativa, só venha a existir um limite quantitativo em comparação de gravidade.
Ainda existindo a necessária análise do Direito Penal Econômico em seu sentido amplo [75], e suas fronteiras com o Direito Administrativo Sancionador que são extremamente próximas, basta analisar os delitos concernentes a livre concorrência, a concorrência desleal, contra o consumidor, nas relações de trabalho etc. A solução reside em criminalizar? Ou legitimar a via administrativa?
A questão, a saber, é sobre a legitimidade da existência do poder sancionador da Administração ser de fundamental importância e de maneira direta compatível com poder sancionador do sistema penal. Parecendo existir a construção de uma idéia em torno de uma legitimidade de igualdade do poder da Administração sancionadora com o poder do sistema penal, como se numa concepção genérica do poder punitivo estatal.
Por toda a evolução conseguida pela humanidade, por todo o evolucionismo nas relações humanas, faz-se imperativo social uma reformulação do conceito de princípio da culpabilidade, que se amolde tanto ao Direito Penal Clássico como ao Direito Penal Econômico, e em suas relações com o Direito Administrativo Sancionador. Principalmente, em atendimento a uma responsabilidade penal da pessoa jurídica, frente as figuras delitivas que se comentem cotidianamente, mediante a utilização de organizações coletivas transnacionais. É um imperativo de necessidade real para tirar o Direito Penal Clássico da sua situação de hipertrofia, frente a uma delinqüência organizada sem fronteiras, que parece mais um inimigo invisível não sujeito a qualquer instrumento punitivo estatal. Embora, todos saibam que o sujeito, ou inimigo invisível, pertença ao ciclo social daqueles que fazem a lei, daqueles que operam a lei e daqueles que julgam os atos do cidadão constituinte.
Provavelmente, o caminho a ser percorrido para uma reformulação do princípio da culpabilidade, passe, realmente, pela discussão atual, na aplicação de sanções de caráter penal às pessoas jurídicas, que se tem vislumbrado em dois tópicos fundamentais: a legitimação de uma sanção com base no principio do estado de necessidade de proteção ao bem jurídico (SCHUNEMANN), ou uma possível aplicação de medida de segurança baseada na construção de uma nova fundamentação orientada para os critérios de prevenção geral (STRATENWERTH).
Essa construção de uma nova fundamentação – buscando dar vida ao princípio da culpabilidade – se desenvolve numa ramificação que merece a reedição sistemática de estudos científicos, que tem como objeto de seus estudos as seguintes concepções: a aplicação de uma sanção penal sem culpabilidade fundada na responsabilidade de um estado de necessidade de proteção ao bem jurídico e aplicação de medida de segurança de caráter preventivo; de uma capacidade de culpabilidade estruturada na culpabilidade por defeito de organização e pela culpabilidade própria da pessoa jurídica.
Enfim, o que não pode é continuar o Direito Penal Clássico, utilizando-se do princípio normativo da culpabilidade para a aplicação de sanções tanto às pessoas físicas quanto jurídicas. Portanto, se apresenta como imperativo social uma ruptura com o princípio societas delinquere non potest, com a devida reestruturação do ordenamento jurídico para o princípio societas delinquere potest, o que significa dizer, em outras palavras, uma reforma na Parte Geral do Código Penal e uma reestruturação do ordenamento processual penal.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
1. A personalidade e a culpabilidade na medida da pena. Rio de Janeiro : RDPen, 1.974, p. 41.
2. Direito Penal. Tradução por PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR e ALBERTO SILVA FRANCO, notas por EVERARDO DA CUNHA LUNA. São Paulo : RT, vol. II, 1971, p. 1
3. Op. cit., p. 3
4. Idem, p. 4
5. Idem, ibidem, p. 4
6. Derecho Penal – Parte Geral. Tradução do alemão para o espanhol por JUAN DEL ROSAL e JOSÉ CEREZO. Barcelona : Bosch, 1956, p. 222
7. Op. cit., p. 232
8. Direito Penal – Parte Geral. Tradução por PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR e ADA PELLEGRINI GRINOVER, notas por EUCLIDES CUSTÓDIO DA SILVEIRA. São Paulo : Saraiva, 1964, p. 217
9. Op. cit., p. 251
10. Direito Penal – Parte Geral: aspectos fundamentais. Tradução do original alemão e notas por JUAREZ TAVARES. Parto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1976, p. 82
11. Derecho penal alemán: parte general. Santiago : Jurídica de Chile, 1976.
12. Op.cit., p. 83
13. Op. cit., p. 6
14. BETTIOL, op. cit., p. 13
15. Idem, p. 17
16. WESSELS, op. cit., p. 84
17. Idem, p. 86
18. Aula na disciplina Crimes Contra a ordem Tributária, do curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São – FADUSP, 17.04.2002.
19. Op., cit., p. 20
20. Op., cit., p. 84
21. BETTIOL, op., cit., p. 24
22. Op. cit., p. 235
23. Op. cit., p. 27
24. Idem, Ibidem, p. 27
25. Op., cit., p. 89
26. Op. cit., p. 32-4
27. BETTIOL, op. cit., p. 36-7
28. Idem, p. 38
29. Idem, Ibidem, p. 39
30. ALMEIDA, Lauro de. Código Penal Alemão – Direito Comparado. Tradução direta. São Paulo : Bushatsky, 1974, p. 262
31. Trata-se de um neologismo criado por ANTOLISEI, e como tal intraduzível. Significa o liame psicológico estabelecido através do qual se pode atribuir alguma coisa a alguém. Se nos fosse concedido explicar um neologismo com outro, diríamos que ‘suità’ corresponde a ‘atribuibilidade’ ‘referibilidade’ " (Nota do Tradutor, p. 333).
32. Op. cit., p. 9
33. Idem, p. 28
34. Acusações Genéricas, responsabilidade Penal Objetiva e Culpabilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, vol. 11, jul/set., 1995, p. 245
35. A personalidade e a culpabilidade na medida da pena. Rio de Janeiro : RDPen, 1.974, p. 41.
36. GOMES, op. cit., p. 247
37. Ibidem, p. 247
38. Culpabilidade e Reprovação Penal. Tese apresentada à Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo no concurso para provimento do cargo de titular de Direito Penal, no Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense. São Paulo : FADUSP, 1993, p. 113
39. Vide trabalho mais recente CHAVES CAMARGO, Antonio Luís. Imputação Objetiva e Direito Penal brasileiro. São Paulo : Cultural Paulista, 2001.
40. Vide Princípios Básicos de Direito Penal: de acordo com a Lei nº 7.209, de 11.07.1984 e com a Constituição Federal de 1988. São Paulo : Saraiva, 1991, p. 307.
41. CHAVES CAMARGO, op. cit., p. 113-4
42. Idem, Ibidem, p. 114-5
43. GOMES, op. cit., p. 248
44. Sobre o conteúdo material da culpabilidade, vide LEITE, Nelson Ferreira. O conteúdo jurídico da responsabilidade penal. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. LIX, 1964, p. 281-297
45. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. São Paulo : RT, 1999, p. 78.
46. Manual de Direito Penal: parte geral. 6ª edição revista e atualizada pelas Leis 9.009/95, 9.268/96, 9.271/96, 9.455/97 e 9.714/98, do livro Lições de Direito Penal. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 14-5
47. Sobre tipos no Direito Penal Tributário, veja-se MACHADO DERZI, Misabel de Abreu. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo : RT, 1988.
48. RUY STOCCO, op. Cit., p 343
49. Comentários ao Código Penal. 5ª edição. Rio de Janeiro : Forense, tomo II, I/20, 1978.
50. Crimes de mera conduta. 2ª edição. São Paulo : RT, 1968, p. 86
51. ALVARENGA, Aristides Junqueira. Crimes Contra a Ordem Tributária. In: SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Crimes Contra a Ordem Tributária. 2ª edição. São Paulo : RT, 1996, p. 52-3
52. Crimes Contra a Ordem Tributária. 2ª edição. São Paulo : RT, 1996, p. 22-3
53. Crimes Contra a Ordem Tributária – Sonegação Fiscal. Revista dos Tribunais, nº 675, janeiro, 1992, p. 342-3
54. Op. cit., p. 39
55. Considerações sobre o Art. 168-A do Código Penal – Apropriação Indébita Previdenciária. In: SALOMÃO, Heloisa Estellita. Direito Penal Empresarial. São Paulo : Dialética, 2001, p. 37-9
56. Sobre o tema, veja-se PIMENTEL, Manuel Pedro. Direito penal Econômico. São Paulo : RT, 1973. SANTOS, Gerson Pereira dos. Direito Penal Econômico. São Paulo : Saraiva, 1981.
57. Derecho Penal Econômico. Madrid : Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, 2001, p. 119-133.
58. BAJO FERNANDES e SILVINA BACIGALUPO, op. cit., p. 124-131
59. Estudos e Pareceres de Direito Penal. São Paulo : RT, 1981, p. 120
60. Citado por ANDREUCCI, op. cit., p. 122
61. Idem, Ibidem, p. 123
62. Tratado de Derecho Penal. 3ª edición actualizada, 11º-15º millar. Buenos Aires : Losada, tomo I, 1964, p. 44-57
63. Op. cit., p. 127
64. Sobre o tema, veja-se TIEDEMANN, klaus. Lecciones de Derecho Penal Económico: comunitario, español, alemán. Barcelona : PPU, 1993.
65. La responsabilidad penal de las personas jurídicas. Barcelona : Bosch, 1998, p. 314
66. No entanto, são defesores da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, na Alemanha, nomes como: JAKOBS, Gunther. e TIEDEMANN, Klaus.
67. SILVINA BACIGALUPO, op. cit., p. 336-7
68. SILVINA BACIGALUPO citando C. HARDING Criminal Liability of Corporations, p. 331
69. Idem, Ibidem, p. 333
70. Idem, p. 336
71. SILVINA BACIGALUPO... .. p. 316-7
72. Idem, p. 261-2
73. Idem, Ibidem, p. 327
74. Expressão cunhada por BAJO FERNANDES e SILVINA BACIGALUPO.
75. Idem.