O machismo no Brasil alimenta a luta de classes que está por trás da guerra civil. Os pobres, os despossuídos, os miseráveis alinham-se muitas vezes, indo e vindo para a condição de lumpemproletariado: aqueles totalmente fora do sistema produtivo. Além disso, o machismo praticado, especialmente violento contra a mulher, é alimentado por um sentimento atávico (retrógrado, reacionário) que se denomina de Misoginia.
Praticamos as “virtudes masculinas”, sobretudo em direção ao poder e ao comando social, que foram/são marcadas pela viilidade. Os tempos medievais e de colonização – dos Cavaleiros do Rei – eram definidos pela força e imposição física da vontade. Quando se observa os números da violência, concluímos que ainda estamos nessa fase.
O Renascimento tinha como característica o Individualismo, quer dizer, o indivíduo procurava se afirmar e ganhar espaço diante de uma forma-Estado organicista, puxando o sujeito para o centro como se fosse uma máquina: força centrípeta. Contudo, contraditoriamente, o mundo e a produção estavam em expansão: força centrífuga. Assim, ao indivíduo cabia romper os elos religiosos, culturais, institucionais em direção ao inusitado. O homem do Renascimento inventou o capitalismo, com o anseio de sair do cinto de castidade moral. Este mundo não condenava a mulher, porém, recolhemos daí um pensamento/traço de cultura da era pré-capitalista.
O que o criador da Ciência Política – o italiano Nicolau Maquiavel – nos ensinou é que a política e a condução do Estado precisam de virtù: mas, eram virtudes republicanas. Maquiavel nunca reduziu essas virtudes à virilidade, à comprovação machista da força física. Pelo contrário, no livro O Príncipe, recomendava não usar desse espediente: “vertu contra furore”. A virtude contra a força.
Ocorre que, na sociedade brasileira, secretada pela exclusão social, econômica, cultural, para sobreviver, faz-se de tudo. Nessa lógica entra a misoginia e a violência social contra a mulher, o negro, o deficiente físico, os homosexuais e todos que possam disputar as migalhas do mercado de trabalho. O homem embrutecido – sem as virtudes de Maquiavel e do Renascimento – volta-se contra todos os grupos sociais que desafiam seu continente mental antiquado. A luta de classes que sempre subjugou o negro, levando-o das senzalas às periferias sociais, foi e é o combustível da guerra civil de todo dia. Mas, mais do que isso, gerou e fortificou o “medo social”. Do grego “misos”, replicou na estrutura societal brasileira como ódio, aversão, compulsão para eliminar, reduzir ou conduzir à condição de “não-ser” todos que sejam diferentes, opositores ou de “suposta ameaça”.
Quanto à mulher, a misoginia reflete a repulsa pelo que significa o imaginário e a realidade feminina: já em disputa ganha contra o machismo. Porque, ao contrário da truculência, historicamente, a mulher impôs-se pela inteligência e astúcia. Exatamente como pregava Maquiavel. O ódio, portanto, decorre da incapacidade de lidar com o sucesso dos outros. Mais ainda se o sucesso “perdido” pelo misógeno for conquistado por alguém que ele quer como inferior e dominado. O que não sabe é que está predestinado ao fracasso, desde as mitologias gregas. Medusa, Guardiã e Protetora, desdobrava-se em uma centena em seus cabelos de serpente. Desde sempre, Medusa transforma em pedra tudo que pretende transgredir e superar. Quantos pensamentos para um mundo mais moderno e melhor tem a cabeça feminina? Eles não sabem, mas quem move o mundo é a mulher – sempre foi.