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Feminicídio

Agenda 22/01/2015 às 22:26

Considerações sobre o PLS 292/2013 que prevê o acréscimo de uma qualificadora para o crime de homicídio, previsto no art. 121 do Código Penal

Projeto de Lei do Senado 292/2013 prevê o acréscimo de uma qualificadora para o crime de homicídio, mediante a inclusão de dois parágrafos no art. 121 do Código Penal, quais sejam:

«Parágrafo 7º - Denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias:

I – relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade, entre a vítima e o agressor no presente ou no passado;

II – prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte;

III- mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte.

Pena – reclusão de doze a trinta anos.

Parágrafo 8º - A pena do feminicídio é aplicada sem prejuízo das sanções relativas aos demais crimes a ele conexos.»

A Justificativa do PL traz dados sobre a violência contra mulher consoante estimativas da ONU; afirma que:

«O assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres é chamado ‘feminicídio’ ... ‘femicídio’ ou ‘assassinato relacionado a gênero’ – e se refere a um crime de ódio contra as mulheres, justificada (sic) socioculturalmente por uma história de dominação da mulher pelo homem e estimulada pela impunidade e indiferença da sociedade e do Estado. ...». 

(...)

«Nas conclusões Acordadas da 57ª Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher da ONU, texto aprovado em 15 de março de 2013, aparece pela primeira vez em documento internacional acordado (aprovado pelos países membros da Comissão) o termo feminicídio, com uma recomendação expressa aos países membros para ‘reforçar a legislação nacional, onde (sic) apropriado, para punir assassinatos violentos de mulheres e meninas relacionados a gênero ...»

Diga-se de passagem, o termo recém-inventado (incipiente neologismo) se abstraído do contexto do art. 121 do CP seria mais adequado para definir o assassinato de fêmeas em geral do que propriamente de mulheres. Seja como for, o fato é que, a vingar o PLS 292, teremos uma nova qualificadora no homicídio, decorrente de «violência extrema contra a mulher» (atendidos certos requisitos), denominada «feminicídio».

O PLS 292/2013

De início, o mencionado PL chama atenção por sua redação, medonha. A começar pelo § 7º vimos que: «denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias:». Deixando de lado o ruído ideológico, o que se quer dizer com a primeira parte do referido parágrafo (em itálico) seria algo como «denomina-se ‘feminicídio’ o homicídio contra a mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias:». Ou seja, apesar desta redação sofrível, é isso o que prevê o projeto.

Ressalte-se que no caso, como visto acima, a violência de que resulta morte outra coisa não é senão o próprio crime de homicídio. 

Outra questão, agora imbricada com a redação do projeto, mas já tangenciando o mérito, refere-se à fórmula no mínimo atípica utilizada pelo legislador para estabelecer a qualificadora: «Denomina-se feminicídio ...». Esta não é a forma de descrição dos tipos penais ou de suas qualificadoras. Tanto não é que a expressão «denomina-se ...» simplesmente não existe no Código Penal.

Ademais, se estamos a falar do crime previsto no art. 121 do Código Penal, estamos falando de homicídio, seja ele simples, privilegiado, qualificado, mas sempre homicídio. E ainda, se o PLS cria uma qualificadora do homicídio, seria paradoxal se lhe subtraísse a própria denominação, substituindo-se assim à figura típica que pretende qualificar. Não se infira, porém, que a solução seria a criação de um tipo autônomo, em um art. 121-A, pois então haveria um incoerente desmembramento do tipo (homicídio) em função do sexo da vítima – com todos os inconvenientes daí decorrentes.

Como se nota, os parágrafos anteriores ainda estão na superfície da questão, não obstante, já prenunciam estranhezas.

O busílis da questão: qual o avanço representado pelo PL 292/13 no que se refere ao incremento da proteção da mulher? Sim, porque é desejo de toda pessoa de bem ver reduzida a violência contra as mulheres (na verdade, contra quem quer que seja). O avanço, segundo nos parece, é enorme. Mas apenas no campo da demagogia.

O PL 292 prevê um aumento de pena que passa a ser de doze a trinta anos nas hipóteses dos incisos I a III do § 7º, i.e., nos casos de «feminicídio». Que mudança isso representa em relação à atual redação do art. 121CP? Ou de outro modo, o que aconteceria hoje se Cláudio desse cabo da vida de Messalina por alguma das circunstâncias previstas no PL? Ora, neste caso haveria um aumento da pena, de doze a trinta anos, pela qualificadora do motivo torpe, ou outra a depender do caso concreto.

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O que muda na prática então? Salvo melhor juízo, nada. Ao menos nada em prol da causa que se quer(?) defender. Em contrapartida, corre-se o risco de a qualificadora criar dificuldades (onde antes não havia) no que tange à aplicação da lei. 

Por exemplo, dentre as hipóteses da qualificadora viu-se que está a violência sexual, a mutilação ou desfiguração da vítima, «antes ou após a morte». Em termos simples e objetivos isso significa que a vítima, a mulher, já está morta, mas não se verificou nenhuma das hipóteses do «feminicídio». Na sequência, o até então homicida decide praticar uma violência sexual contra o cadáver, ou destrinchá-lo para ser colocado numa mala. Agora, somente agora, restará caracterizado o «feminício». Ou seja, um «feminicídio» muito curioso, pois sua vítima não é uma mulher, mas um cadáver. Essa hipótese talvez pudesse ser denominada feminicídio zumbi.

Não há dúvida, porém, que cadáver não é pessoa, não é sujeito. E se não é sujeito, não pode ser sujeito passivo, pois não pode ser vítima de nada. Como se sabe, nem mesmo no crime de vilipêndio o cadáver é vítima, sendo a sociedade o sujeito passivo nessa hipótese.

Verifica-se ainda, ao que parece por contaminação ideológica, a utilização de termos de pouco ou nenhum significado jurídico, a exemplo da expressão «violência de gênero».

Tudo está a indicar, assim, que o «feminicídio» é uma qualificadora «para inglês ver». No campo político, seria sinônimo de demagogia; no campo jurídico, uma pedra de tropeço, ou uma obra de direito penal simbólico (assim em minúsculas).

Sobre o direito penal simbólico, a propósito, não faltam críticas na doutrina, do que é exemplo o seguinte excerto da lavra do Procurador de Justiça aposentado José Carlos de Oliveira Robaldo:

«O simbolismo do Direito Penal está justamente no fato da sua utilização, não como meio de contribuição efetiva para uma convivência pacífica, e sim, como uma forma enganosa dessa proteção, própria do político que se apresenta como ‘salvador da pátria’. ...

Aliás, (...) o momento é altamente propício para o ‘legislador simbólico’, para não dizer ‘estelionatário’ ou enganador. ...

É necessário que fique bem claro à população que leis penais, conquanto importantes para a tranqüilidade social, não são suficientes para tal. Se a lei penal, por si só, resolvesse os problemas cruciais de segurança pública, a solução para essas questões já teriam surgido há tempo! O Direito Penal nesse contexto é importante, porém, insuficiente.»

Na mesma linha o escólio de José Nabuco Filho:

«O Direito Penal simbólico, geralmente, se manifesta mediante propostas que visam explorar o medo e a sensação de insegurança. A intenção do legislador não é a real proteção dos bens jurídicos violados com o crime, mas uma forma de adular o povo, dizendo o que ele quer ouvir, fazendo o que ele deseja que se faça, mesmo que isso não tenha qualquer reflexo na diminuição da criminalidade.»

Assim, em linha de conclusão, entendemos que o PLS 292/13 não contribuirá para minorar a violência contra a mulher, trazendo quando muito, se aprovado, uma sensação momentânea de segurança, como um fogo-fátuo, típico do direito penal simbólico. Não devemos, no entanto, radicalizar, pois é certo que o PL em questão trará também benefícios às mulheres, mas não àquelas que são vítimas de violência.

Sobre o autor
Paulo Henrique Hachich de Cesare

Advogado empresarial em São Paulo (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este artigo não foi escrito especificamente para o público da área jurídica. Foi publicado originariamente em: http://b-hachich.blogspot.com.br/2014/12/feminicidio.html

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